Bolsonaro já tem estudo que tenta impedir remoção de conteúdos e perfis nas redes sociais

De olho na campanha da reeleição presidencial na Internet, o presidente Jair Bolsonaro já tem um estudo que propõe uma intervenção governamental nas plataformas de redes sociais, para impedir que elas adotem políticas de remoção de perfis e conteúdos que estejam em desacordo com os seus “Termos de Serviços”.

Para um governo eleito com o apoio das redes sociais, em que ficou evidenciado o uso massivo de disparos de fake news na última campanha presidencial – tema que ainda não foi julgado pelo judiciário, nem tampouco teve solução em CPI do Congresso Nacional – nada mais comum que ele queira mudar as regras de combate à desinformação intensificadas por essas plataformas, que nos EUA chegaram a banir o ex-presidente Donald Trump de algumas redes sociais.

Escaldados pelos fatos ocorridos na eleição presidencial norte-americana, um estudo foi produzido pela Secretaria Nacional de Direitos Autorais e Propriedade Intelectual, da Secretaria Especial de Cultura do Ministério do Turismo analisando a questão. E os resultados dessa análise foram encaminhados no último dia 15 de abril aos ministros Marcos Pontes (Ciência, Tecnologia e Inovações) e Fabio Faria (Comunicações), através dos Ofícios de nº 1072 e de nº 1073 .

Ambos os ministros foram conclamados a tomarem a dianteira no assunto no âmbito do Comitê Gestor da Internet no Brasil, já que o governo coordena os trabalhos dessa entidade.

Sob a cortina de fumaça do “Direito Autoral”, para se dar a atribuição de competência de discutir tal assunto a secretaria, comandada pelo bolsonarista Mario Frias, traçou o atual cenário regulatório brasileiro. E em linhas gerais, Frias afirmou que as plataformas estão adotando procedimentos de remoção de conteúdos e perfis nas redes sociais de forma arbitrária, sem respeitar a legislação brasileira, sobretudo, o Marco Civil da Internet.

O secretário deixou claro que há fundamento jurídico para tentar questionar e impedir que as plataformas de redes sociais possam remover os conteúdos e perfis com base em seus “Termos de Serviços”, os quais todo internauta é obrigado a seguir, sob pena de ser banido ou ter o conteúdo removido

A avaliação de Frias foi feita após remessa de um questionário elaborado pela secretaria no dia 11 de fevereiro para as plataformas Facebook, Twitter, Instagram e YouTube. Apenas Facebook e Twitter responderam as seguintes perguntas da Secretaria de Cultura:

a) Qual o mecanismo adotado pela Plataforma para a retirada de conteúdo?

b) Quais os mecanismos de identificação e tratamento dados a conteúdos que supostamente impliquem em violação ao ordenamento jurídico, inclusive no que tange a infrações aos direitos de autor ou aos direitos conexos? e

c) Quais os parâmetros para a definição das políticas de segurança, que impliquem na retirada de conteúdo e cancelamento de contas, à luz do ordenamento jurídico brasileiro, notadamente do Marco Civil da Internet?”.

As duas plataformas se limitaram a mandar seus Termos de Serviços e explicações sobre como aplicam as medidas.

Conclusões

Com base nas respostas, a Secretaria Nacional de Direitos Autorais e Propriedade Intelectual concluiu que “as plataformas estabeleceram política própria de remoção de conteúdo e cancelamento de contas, ferindo a legislação brasileira, pois tem sido aplicada pelas empresas sem sequer dar o direito de contraditório aos usuários punidos”.

Em seguida, propõe que o “Poder Público” assegure “a observância da legislação nacional, notadamente dos princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil, garantindo aos usuários que tal atividade seja exercida com segurança jurídica”.

Leitura equivocada ou má-fé

Ao olhos da equipe de Mario Frias, um dos últimos remanescentes da chamada “ala ideológica” do Governo Bolsonaro que ainda permanece com cargo público, as plataformas estariam contrariando o Marco Civil da Internet. Na ótica deles, as plataformas não poderiam remover conteúdos e perfis com base apenas nos seus “Termos de Serviços”, porque o Artigo 19 da Lei nº 12.965/14 (Marco Civil da Internet) determina que a retirada “somente ocorra após decisão judicial”.

Não é assim. O Artigo apenas assegura que o provedor de aplicação somente será responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros, “se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário“.

Ou seja, o que Mario Frias vem tentando encontrar como argumento jurídico, seria uma forma de as milícias digitais bolsonaristas continuarem espalhando desinformação e fake news na próxima campanha presidencial e que tal conteúdo somente seja retirado da Internet após decisão judicial.

Isso impediria as plataformas tomarem atitudes para coibir ou remover conteúdos, sinalizá-los como sendo impróprios, ou até mesmo decidam banir perfis criados para esse fim.

Facebook, Twitter, Instagram e YouTube já têm agido na direção do combate à desinformação durante a pandemia, removendo ou sinalizando conteúdos que trazem o negacionismo contra vacina, defendendo o uso de remédios não reconhecidos como eficazes no tratamento da Covid-19, entre outros.

Sob pressão, bolsonaristas estão em pânico quanto a possibilidade de ocorrer na campanha presidencial do Brasil o mesmo que ocorreu nas eleições norte-americanas, já que tal como ocorria com o de Donald Trump, o eleitorado de Bolsonaro também se nutre de informações através das redes sociais.

Essa preocupação quanto ao que eles costumam rotular de “direito à liberdade de expressão”, já chegou a ser manifestada recentemente pelo presidente Jair Bolsonaro. No último dia 5 de maio, ao participar de solenidade no Palácio do Planalto para lançamento de testes do sinal de telefonia móvel do 5G, Bolsonaro falou até em publicar decreto para “regulamentar o Marco Civil da Internet”.

Advogados consultados por esse blog/site ( como preferirem), consideram juridicamente difícil o presidente tentar modificar por decreto o texto do Marco Civil da Internet, para favorecer as atividades das suas bases políticas nas redes sociais. Porque ele não poderia alterar o real sentido do artigo 19.

Os advogados entendem que em nenhum momento o Artigo 19 impede que as redes sociais possam se valer dos seus Termos de Serviços para ditar regras de comportamento dos usuários. Para eles apenas ficou estabelecido que, salvo se descumprirem uma decisão judicial, os provedores de aplicações não serão responsabilizados por conteúdo de terceiros veiculados em suas redes. “Qualquer escritório de Advocacia derrubaria esse decreto no dia seguinte”, destacou um advogado.