Uma nota oficial da Federação Assespro questionando a legitimidade do contrato de R$ 2,2 bilhões da Dataprev com o Ministério da Gestão, Inovação em Serviços Públicos, acabou colocando a entidade numa posição delicada perante o governo. Ao mesmo tempo em que ataca a estatal, questionando o contrato ter sido assinado sem licitação, a Assespro busca “parcerias” com o Serpro num mesmo modelo questionável de contratações públicas, já que também poderá fugir de licitações.
“Este contrato monumental, realizado sem um processo de licitação, destina-se a liderar a vanguarda da transformação digital em gestão e serviços públicos brasileiros. No entanto, ele levanta questões significativas sobre transparência e equidade no cenário de contratos governamentais”, destaca em sua nota a Federação Assespro.
E a entidade ainda repudiou suposta alteração no Estatuto da Dataprev que, segundo os empresários, seria uma “alteração casuísta” que acabaria beneficiando a estatal nas “contratações sem licitações junto ao governo”. Neste trecho a Federação Assespro não foi clara e pode estar cometendo um grave erro de informação. Não há registros de que a Dataprev tenha alterado o seu Estatuto para poder vender serviços ao governo sem licitação. O que seria uma discrepância jurídica, para não dizer uma burrice.
A Dataprev, assim como o Serpro, são beneficiadas pelos artigos 24 e 25 da antiga Lei de Licitações (nº8.666) desde 1993, com a dispensa e a inexigibilidade de participar de licitações no governo. Sempre se defendeu a tese de que as duas empresas públicas não precisariam disputar certames quando se tratarem de venda ou prestação de serviços entre entes públicos. Neste caso questionar 31 anos depois a legitimidade de contratações das estatais pelos órgãos públicos soa um tanto estranho.
Dois pesos
O curioso nessa história é que, a mesma entidade que representa parte do setor privado de software e faz questionamentos sobre a legitimidade da Dataprev de prestar serviços ao governo sem licitação – diga-se há décadas – também andou buscando no final do ano passado o Serpro para prospectar “parcerias”. Um modelo de acordo comercial que também vem escapando de licitações públicas.
A diretoria da Federação Assespro chegou a ser recebida no dia 25 de outubro pelo presidente do Serpro, Alexandre Amorim, para discutir: “maneiras de fortalecer a colaboração entre a Federação Assespro e o SERPRO, com o objetivo de explorar oportunidades de parceria que impulsionariam as empresas de tecnologia brasileiras, promovendo, assim, a excelência nos serviços de tecnologia da informação no setor público”, informou em sua página.
E o encontro deixou clara a intenção dos empresários: “Além de focar na melhoria dos serviços de TI no âmbito governamental, a reunião também abriu portas para a alavancagem das empresas brasileiras e a exploração de novas oportunidades de negócios. O próximo passo dessa parceria estratégica é a construção de um memorando de entendimento entre a Federação Assespro e o SERPRO para realização de ações conjuntas em prol do desenvolvimento das empresas brasileiras”.
Traduzindo: o Serpro poderá acabar sendo uma espécie de “janela” para a entrada de empresas privadas, interessadas em prestar serviços ao governo sem a necessidade de disputar contratos em processos licitatórios.
Estranho no ninho
No encontro com Amorim do dia 25 de outubro de 2023, nas dependências do Serpro, estiveram presentes Christian Tadeu, presidente da Federação Assespro; Rodrigo Fragola, presidente da Assespro/DF; Renato Roll, sócio Foco – Relações Governamentais e Gustavo Rabelo, diretor adjunto de Nuvens da Federação Assespro.
Um fato estranho chama a atenção. Gustavo Rabelo é o CEO da Extreme Digital Solutions (EDS), a empresa que atua como “broker” na multinuvem federal, que é gerida pela Secretaria de Governo Digital do Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos.
É óbvio que a sua presença no encontro com a direção do Serpro foi meramente institucional. E ele não tinha como prever que justamente agora a federação ao qual colabora como diretor para assuntos que envolvam nuvens se voltaria contra a estatal vinculada ao mesmo ministério que ele presta serviços.
Indagado sobre essa gafe política, o empresário se diz irritado com a situação. Depois de feita e publicada a desastrosa nota, Gustavo tentou reverter o posicionamento da entidade. Afirma que atuou nos bastidores para obter uma reunião da direção da Assespro com o presidente da Dataprev, Rodrigo Assumpção. O encontro deverá ocorrer ainda hoje, nas dependências da estatal.