Na Ata da reunião do Grupo de Acompanhamento do Custeio a Projetos de Conectividade de Escolas (Gape), de 30 de agosto deste ano, ficou claro que a decisão da Casa Civil da Presidência da República não agradou aos técnicos da Anatel ligados ao presidente do organismo, o conselheiro Vicente Aquino. A Casa Civil mudou a governança dos programas de conectividade escolar e conferiu ao MEC o controle do uso dos recursos do 5G, que agora somente serão aplicados em conectividade.
As empresas terão de bancar R$ 3,1 bilhões nos investimentos do governo com Internet para escolas públicas e se achavam no direito opinar sobre como usar o dinheiro conforme fosse determinado pelo Gape. Na nova Estratégia Nacional de Educação Conectada elas perderam esse poder, e sequer foram chamadas para compor o Comitê Executivo da Enec. A Anatel terá de se submeter às diretrizes que partirem de lá.
Aparentemente pegos de surpresa pela decisão, os técnicos da agência e das empresas de telefonia trataram de levantar uma série de dificuldades administrativas e de ordem jurídica, para tentar minar a proposta e disfarçar a insatisfação que escondiam com a mudança de controle dos recursos do 5G para conectar escolas.
Na reunião de 30 de agosto, a apenas um mês de ser lançada a Enec, coube primeiro ao secretário-executivo do Gape (Grupo de Acompanhamento do Custeio a Projetos de Conectividade de Escolas), Nilo Pasquali, fazer os primeiros questionamentos com relação à mudança de controle do programa de educação conectada do governo. Pasquali também é Superintendente de Planejamento e Regulamentação da Anatel.
Ele disse ter dúvidas sobre como o Gape iria se inserir num novo contexto de governança, que mudou essas atribuições e competências para o MEC. Na Ata foi registrado que ele lembrou que o Gape seguia uma série de diretrizes “em instrumentos que eram imutáveis, que seria a parte do Edital de 5G, que não poderiam ser alteradas para os trabalhos do Gape”. Segundo ele, isso exigiria que houvesse “uma serie de formalidades a serem cumpridas, até para mudar de rota”.
Para ele o Gape era um colegiado que estava recebendo uma nova forma de como deveria proceder e isso não estaria sendo debatido dentro do grupo. Afirmou que parte de sua preocupação era como isso se materializaria em uma instrução de política pública, sem levar em conta que o edital do 5G determinava uma série de procedimentos para o uso dos R$ 3,1 bilhões em conexão escolar.
Em outras palavras, Pasquali deixou claro que se pretendiam mudar as regras do jogo previstas em um edital de leilão de frequências, que fizessem isso no papel e não apenas de boca, em uma reunião.
Pasquali indagou, por exemplo, se existia alguma expectativa de publicação de um decreto para aprovar a nova política pública que tinha sido apresentada na reunião por Marcos Toscano Siebra Brito, secretário Adjunto da Secretaria Especial de Articulação e Monitoramento da Casa Civil da Presidência da República.
O representante da Casa Civil, Marcos Toscano, respondeu que, se o Gape precisasse, “poderia ser emitida uma Nota Técnica, com o posicionamento do governo”. Mas deixou claro que estava naquela reunião, embora na condição de “visitante”, com a expectativa de que o Gape aprovasse a mudança de diretriz “dentro de uma decisão do próprio Gape, usando a lógica de posicionamento do colegiado”.
Mas deixou claro que a Presidência da República tinha, sim, a intenção de publicar um decreto com a nova política de conexão de escolas. E nesse instrumento seria abordada a “articulação global dos recursos, com a lógica de uma coordenação para a articulação dos recursos”. Explicou que a Casa Civil tinha a preocupação de que, se cada órgão que detém o controle orçamentário do programa adotasse uma postura de ação fora do colegiado da Enec, “não se conseguiria fazer a entrega (conectividade) para todo o país”.
De acordo com o representante da Casa Civil, o decreto sugerido por Nilo Pasquali, iria “criar os espaços de governança, para trazer todos os atores para um campo único, e assim se conseguisse cruzar todos as ferramentas e aplicar esses recursos da melhor maneira possível”. Por fim informou que o decreto já estaria minutado e aguardava o momento para lançamento oficial.
A publicação, segundo a versão registrada em Ata, estava prevista para ocorrer no dia seguinte a essa reunião de 30 de agosto. Toscano explicou que “por uma questão da agenda do Presidente da República foi prevista uma nova data para meados de setembro. Afirmou, no entanto, que isso não impedia que se avançasse nas definições, uma vez que se ganharia tempo para que o plano fosse viabilizado”.
O representante da Casa Civil evitou polêmica com o técnico da Anatel. Mas poderia ter dado uma resposta desconcertante para Nilo Pasquali, que chegou a afirmar que o edital do 5G com as definições previstas nele era “imutável”. Bastaria ter indagado ao funcionário: “E um decreto presidencial agora vale menos que um edital de agência reguladora?”.
Portanto, quando a Presidência da República baixar um decreto contendo mudanças no modelo de governança dos diversos entes que gerenciam orçamentos voltados para a conectividade de escolas públicas, o máximo que a Anatel poderá fazer é cumpri-lo à risca. Não caberia ao Conselho Diretor da agência questionar a legalidade do decreto presidencial, embora até possa fazê-lo pelas vias judiciais.
Mas fica a dúvida se tamanha ousadia seria do interesse de todos os conselheiros da agência, enquanto colegiado, ou se essa bronca seria apenas do conselheiro Vicente Aquino, que não se conforma de ter perdido poderes absolutos para o MEC, no controle do uso de R$ 3,1 bilhões dos recursos do leilão do 5G voltados para conectar escolas.
Mesmo assim, parece que nem tudo saiu como o combinado após a reunião do Gape. Como essa discussão ocorreu em agosto, e previsão de publicação do decreto para meados de setembro, até agora, no fim de novembro nada foi publicado pela Presidência da República. Tudo leva a crer que algum problema com o texto, de ordem administrativa ou jurídica, pode ter travado a publicação. Pois não é concebível que se leve quase três meses para ser redigido e publicado um decreto presidencial no Diário Oficial da União.
Conselho diretor
Ainda em seus questionamentos, o superintendente e secretário executivo do Gape, Nilo Pasquali, afirmou que as mudanças teriam que ser submetidas e aprovadas no âmbito do Conselho Diretor da Anatel. Para ele, se não fossem criados os instrumentos legais para a mudança na governança dos recursos do 5G haveria “um desconforto para os conselheiros (…), porque todos os conselheiros iriam deliberar sobre isso”.
Disse que não estava falando apenas no conselheiro Vicente Aquino, que é o presidente do Gape. Para ele, todo o conselho da Anatel se sentiria desconfortável de analisar e aprovar mudanças na governança dos recursos do 5G sem instrumentos legais claros para isso. Era essa, por exemplo, a sua preocupação com a necessidade da publicação de um decreto presidencial.
Novidade
A preocupação de Pasquali com relação à situação política do Conselho Diretor da Anatel é bastante inédita. Há mais de um ano o Gape e a EACE atuam na construção de redes de telecomunicações do programa “Aprender Conectado” e gastam os recursos do 5G (R$ 3,1 bilhões) em diversas atividades, sem que haja um único registro de que submeteu as suas decisões previamente ao Conselho Diretor da Anatel. Pelo menos dois conselheiros confirmaram ao blog que nada discutido pelo Gape no último ano foi apresentado para apreciação e tomada de uma decisão prévia por parte do Conselho Diretor da Anatel.
Então jogar para a direção da Anatel essa briga com o governo federal, pode ser uma estratégia de Vicente Aquino para lá na frente defender o discurso da “independência” da agência reguladora. E, com isso, tentar minar a intenção do MEC de controlar os gastos do programa “Aprender Conectado”. Gastos que, por sinal, nunca foram bem explicados pelos integrantes do Gape. Como aluguel de carros blindados para os diretores da EACE, planos de saúde de padrão internacional, salários da diretoria, etc. Nem mesmo os contratos de aquisição de equipamentos são revelados pela EACE, sob alegação de que cumpre ao “sigilo comercial” imposto pelas empresas de telefonia.
Seria mais provável que uma briga judicial pudesse ocorrer pelo lado das operadoras móveis, embora não seja normal as empresas irem contra governos por conta de controle do uso de um dinheiro que não é delas. Os R$ 3,1 bilhões que serão desembolsados por elas na conexão de escolas é dinheiro público, uma contrapartida que terão de cumprir por terem pago licenças baratas no leilão do 5G.
Mas foi levantado na reunião o temor de uma briga judicial pelas empresas, caso as novas diretrizes não tivessem amparo, um arcabouço legal. na reunião a presidente da EACE, Paula Martins, disse que “seguia um pouco na linha do que Nilo Pasquali. Para ela as determinações do Gape, que eram feitas a partir das premissas do leilão de 5G, “tinham força de lei”. Então Paula entendia que a Eace, por exemplo, não tinha agilidade para troca de rumos como estava sendo proposto naquela reunião.
Além disso, considerava que do ponto de vista da legalidade, o “leilão de 5G tinha força de lei; e lei não retroagia”. Por isso considerava que haveria também um processo jurídico para ser destrinchado, antes de se conseguir fazer toda essa amarração da nova estratégia de educação conectada.
*Com a palavra a Advocacia-Geral da União.