Por Jeovani Salomão* – Leitura dinâmica é um conjunto de métodos cujo objetivo é aumentar a velocidade de leitura. Existe uma variedade enorme de cursos e promessas no mercado, que adicionam um fator relevante ao processo: aumentar também a compreensão do que está sendo lido. Ler mais rápido é tentador, compreender mais é quase irresistível. Quando se pratica leitura dinâmica com a ampliação do entendimento, você é capaz de aprender mais em menos tempo.
Infelizmente, ler não é a diversão preferida da sociedade moderna, segundo pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, entre 2015 e 2019, perdemos mais de 4,6 milhões de leitores, segundo os critérios adotados pelo estudo. Evidentemente que fatores como internet, redes sociais, mensageria instantânea, a ampliação da oferta de séries e filmes são relevantes para essa queda.
No entanto, há que se reconhecer que a leitura, em si, não é um fim e sim um meio. Sob o aspecto mais sério, é uma maneira de assimilar conhecimento, que pode ser trocada por outras alternativas como, por exemplo, vídeos e áudios. É também uma forma de lazer, e, nesse caso, existem muitos substitutos. Sou um defensor da leitura, mas reconheço que a virtualização da vida vai nos tirar cada vez mais leitores.
Se, porventura, você adora áudios e vídeos, há possibilidade que você conheça técnicas de aceleração, similares, de alguma forma, com a leitura dinâmica. Em síntese, existem softwares que permitem aumentar o ritmo do seu vídeo e, caso você se acostume, você poderá assistir uma palestra de uma hora em trinta minutos. Diminuir o tempo gasto já faz sentido, mas se em menos tempo você assimilar mais, aí sim isso vai fazer uma grande diferença.
Luciana, minha esposa, já não consegue mais assistir os vídeos em velocidade normal. Ela se acostumou com velocidades de reprodução mais altas e com isso, consegue economizar um bom tempo.
Recentemente, assisti um dos capítulos da série Deep Space 9, da saga Star Trek, que trouxe uma história que provoca reflexões interessantes. Um dos membros da tripulação foi acusado de cometer espionagem contra uma raça alienígena. Antes que alguém tenha tido condição de intervir, ele foi julgado, condenado e começou a cumprir pena. O tribunal julgador definiu que a penalidade seria de vinte anos de prisão. Quando os demais tripulantes apareceram em cena, o condenado estava deitado em uma maca, com aparelhos conectados e a explicação da infração e da penalidade foram apresentados. Apesar dos protestos, o melhor possível era aguardar.
Com o uso de aparelhos sofisticados, os punidores colocaram o condenado em uma situação de sono induzido e simularam o cumprimento da sentença em tempo acelerado. É o mesmo princípio de aumentar a velocidade do vídeo, com uma tecnologia muito mais avançada. Em poucas horas, o sujeito vivenciou anos de prisão, em uma experiência de realidade virtual que, para ele, foi uma “realidade real”. As memórias, as sensações, as emoções ficaram impregnadas e entrelaçadas na mente do indivíduo, como se ele tivesse vivido de fato os vintes anos de restrição de liberdade.
Ao acordar, as contradições entre a condição física real, a percebida e a interiorizada do protagonista foram um primeiro desafio, de muitos, quanto à compreensão da realidade. A experiência acelerada no caso foi radical. Possivelmente, causaria transtornos psicológicos graves a qualquer um que tivesse vivido tal dissabor. O personagem é um dos centrais da série, motivo pelo qual, ele se recuperou completamente. Não creio que esse seja o resultado normal do ocorrido e acredito que a sociedade ainda precisa amadurecer o tema antes de opinar se esse mecanismo de punição é mais adequado que os atuais.
De qualquer forma, a aceleração da experiência, seja com a leitura dinâmica, com a aceleração de vídeos ou com outro método semelhante é uma busca da humanidade. A pandemia na qual vivemos, provocada pelo conoravírus, nos motivou a pensar em um novo normal. É possível que o momento atual seja único e que jamais tenhamos que viver em isolamento social. Pode ser, também, que o distanciamento se repita em outras circunstâncias. De uma forma ou de outra, a ampliação das vidas virtuais é inevitável.
Neste sentido, a sociedade precisa começar a discutir, desde já, os limites éticos da aceleração da experiência. Quando houver tecnologia para simular anos de vida em horas, será ético emergir pessoas com doenças terminais em um ambiente de realidade virtual? Será correto se utilizar de estratégia similar, como no filme, para o sistema penitenciário? Será adequado nos abrigarmos em aparelhos que nos colocam para dormir, enquanto vivemos como no filme Matrix? As hipóteses são inquietantes. Pode ser que você se conforte pensando que as tecnologias para produzir tudo isso ainda estejam distantes. Não se iluda, podem estar em pleno funcionamento em 15 ou 20 anos.
*Jeovani Salomão é empresário do setor de TICs e ex-presidente do Sinfor e da Assespro Nacional.