Acabou o tempo do ‘dinheiro fácil’ para as fintechs

Por Carolina Rezemini* – Recentemente, tivemos notícias de demissões em massa em startups brasileiras. Esse movimento chama a atenção por acontecer em um meio que vinha acostumado a aportes volumosos de capital com o foco principal em multiplicar o crescimento dos players

Nesse frenesi de conquista de um mercado em expansão, motivado pelo acirramento da concorrência, muitas empresas acabaram relegando a um segundo plano o balizamento das condições para sustentar os parâmetros de alta a que se sujeitavam. 

É como se tivessem lançado foguetes para conquistar um determinado espaço sem levar em conta exatamente onde eles iriam pousar. Só que chegou o momento da aterrisagem. E ela se dá em terras bem menos férteis e de recursos bem menos abundantes do que os que se anunciavam à época da decolagem. 

A questão é que o cenário mudou, e isso a nível global. As incertezas conjunturais levaram ao aumento das taxas de juros, da inflação e da inadimplência. Então, a adrenalina do crescimento desenfreado baixou, e os participantes dessa corrida tiveram de dar uma pausa para cuidar da própria estrutura, eventualmente recuperá-la e mesmo redimensioná-la. 

Apesar de as variáveis econômicas terem favorecido essa reorientação, é possível dizer que se trata de um ajustamento natural e esperado em qualquer contexto mercadológico e concorrencial. Após um boom inicial, vem o tempo de sedimentação, de adequações, de seletividade dos mais capazes, dos mais adaptados. 

Entre 2016 e 2022, surgiram 513 startups do setor financeiro no Brasil, de acordo com um estudo da consultoria de inovação aberta Distrito. Hoje elas já totalizam 1.289 empresas, das quais 225 são de crédito.

Elas despontaram com uma proposta realmente inovadora e de olho em um público até então apartado do sistema. Graças a uma robusta utilização de recursos de tecnologia, essas startups buscaram tornar mais simples e ágil o acesso a serviços financeiros. Permitem, com suas estruturas mais leves, custos de operação mais baixos e desenham novas ofertas e produtos sobretudo para a população pouco ou nada atendida pelo mercado tradicional, caso dos 100% desbancarizados e de novos entrantes, como a Geração Z e os Millenials.

Além de acenar com vantagens como menos burocracia e custos de contratação menores, as fintechs passaram a valer-se de avanços estratégicos como modelos alternativos de análise de risco. 

O sucesso obtido pelos pioneiros dessa atuação mercadológica atraiu mais entrantes para o segmento, e os próprios bancos mais tradicionais não quiseram ficar de fora da competição e correram para incorporar novos tipos de oferta às suas carteiras. 

Porém, dada a dimensão da demanda, é difícil falar em saturação desse mercado. Para se destacar em meio à concorrência sem desconfigurar seu propósito central, as fintechs têm muitos territórios para desbravar. As inovações tecnológicas avançam velozmente no setor, carregando com elas novas possibilidades de desenvolvimento de produtos e serviços que se prestem a diversas finalidades, desde a compra de bens de consumo até o financiamento imobiliário. 

Além da tecnologia  

O que as empresas que nele transitam não podem, na verdade, é se acomodar ou apoiar-se somente em tecnologia. Não basta entregar soluções Plug and Play ou infinitas APIs. É preciso pensar o produto e, acima de tudo, a quem ele se destina. O desenho final deve não somente entender as dores do cliente, mas permitir à fintech entregar valor (lucro) a seus acionistas. 

Dessa forma, compreender suas próprias limitações e aquelas que o meio impõe é aportar inteligência. Muitas fintechs, então, têm feito valer aquele ditado do “se não pode com o inimigo, junte-se a ele”. Parcerias entre players do setor se tornam cada vez mais costumeiras, fomentando simbioses entre expertises que se mostram muito benéficas para o sistema como um todo. 

Ainda veremos muitos ajustes, mas as fintechs têm ainda fôlego para ir longe, desde que não percam o foco na melhoria contínua. 

E esse aprimoramento constante não tem de ser somente tecnológico, mas também operacional. Entre as empresas com boas ideias, muitas acabaram apresentando falhas de execução em seus projetos. A excelência na oferta é vital para o sucesso diante das novas perspectivas instauradas. 

É fato que os valores de ações de algumas empresas caíram em meio ao cenário de juros altos e aumento de inadimplência, o qual levou à desconfiança quanto à sustentabilidade e à capacidade de geração de receita/lucro por parte dessas startups. Ainda assim, elas constituem o desenho mais ágil, adaptável e barato de acelerar inovações. O importante é entender como fazer isso de maneira saudável e entregar valor aos investidores.

*Carolina Rezemini é Diretora Regional de Vendas para a América Latina da Credolab.