
Confesso que cheguei a pensar que o governo estava criando a “taxa do contribuinte que pagará imposto”, quando todas as empresas fossem acessar o portal unificado da Reforma Tributária. Pelo menos essa foi a primeira impressão que tive, após constatar a preocupação levantada pelas insuspeitas entidades defensoras do setor de software e os contabilistas. Mas eles sabem que não é nada disso e, por experiência, eu já deveria saber que, quando essa turma chora alguém sai perdendo. Só que não serão eles. O que as entidades fizeram foi levantar uma suspeita de que o governo estaria criando um novo tipo de “imposto do Pix”, a famosa fake news que contribuiu para jogar no chão a popularidade do governo, graças ao caos da desinformação.
A entrevista que o presidente do Serpro, Alexandre Amorim, concedeu ao portal Convergência Digital é clara com relação aos objetivos da cobrança pelo acesso aos dados de contribuintes com fins lucrativos. “O que ocorria era a criação de situações na qual faziam-se robozinhos, vamos dizer assim, para ficar consultando alguns dados e a partir dessas consultas da base de dados, comercializava isso para um outro segmento”, declarou. Porém, não ficou claro quem será cobrado, se só quem faz o uso massivo das informações, ou quem acessa o portal para notificar o pagamento de imposto.
A confusão começou após o governo anunciar o “Integra Contador” – uma plataforma de prestação de serviços contábeis e impostos que permite o acesso automatizado a um conjunto de informações que só estavam disponíveis no Centro Virtual de Atendimento da Receita Federal (e-CAC), informa o governo.
“Via webservice não suporta e no eCAC não dá. Tem que ser API e isso tem custo que a Receita não tem como suportar”, afirmou na época o gerente de operações de sistema da Receita e responsável pela implantação da Reforma Tributária, Marcos Flores. O Fisco, segundo ele, não tinha orçamento para custear essa infraestrutura. E deveria? Essa é outra questão.
Conforme definição dada pelo Serpro em sua página dedicada a comercialização do sistema, “o Integra Contador é uma solução baseada em WebService que utiliza API para integração, permitindo que sua empresa conecte seus sistemas contábeis de maneira eficiente e personalizada. Para utilizá-lo, é necessário desenvolver uma solução técnica própria ou optar por um software contábil já compatível com o Integra Contador. Se optar pelo desenvolvimento de uma solução personalizada, basta seguir as instruções detalhadas na documentação oficial, que oferece todas as orientações necessárias para a integração”, informa o Serpro em sua lojinha.
Quais seriam as empresas interessadas que essa fake news prosperasse pelo país, ao ponto de fazer o governo recuar na decisão de cobrar pelo acesso e manuteção dos seus APIs e bancos de dados? São elas:
Escritórios de contabilidade
Software-houses
Startups de serviços contábeis na internet
Bancos, em especial aqueles focados no atendimento de pequenas empresas dos regimes Simples Nacional (SN) e Microempreendedor Individual (MEI)
Outras empresas interessadas na prestação de serviços contábeis e fiscais para contribuintes.
Ou seja, empresas especializadas que cobram de cada empresário por serviços contábeis que prestam – que exigem o acesso aos bancos de dados das estatais. Eles não querem arcar com um eventual aumento no preço dos serviços que cobram dos seus clientes e querem que a estatal banque o custo operacional para manter esses sistemas funcionando todos os dias e ininterruptamente.
Essa fake news não tem nem o mérito de ser uma novidade, pois o assunto é velho. Essas empresas já pagam pelo acesso à diversos serviços oferecidos pela estatal nos últimos anos, desde que a Receita Federal decidiu autorizar o Serpro a fechar negócios com interessados no acesso às bases com informações cadastrais e de renda dos contribuintes pessoas físicas ou jurídicas (Febraban inaugurou esse mercado de dados através de serviços de validação cadastral).
Então, por que essas entidades apostaram nessa nova fake news? Porque o empresário brasileiro, aquele que odeia a presença do Estado na economia e questiona a própria existência de uma empresa estatal, também é o mesmo que vive pedindo para ele ser “parceiro” na concessão de algum incentivo fiscal ou subsidio bancário à juros de pai para filho.