Reforma tributária sem preço: os bilhões invisíveis da TI no orçamento da Fazenda

A infraestrutura tecnológica que sustentará a reforma tributária brasileira já está sendo financiada pelo Orçamento da União, mas sem nome, sem valor consolidado e sem transparência compatível com a dimensão do projeto. Os sistemas responsáveis pela cobrança, arrecadação, compensação, fiscalização e repartição de receitas do novo modelo tributário não aparecem identificados de forma explícita na proposta orçamentária de 2026, apesar de envolverem investimentos de grande porte e impacto estrutural sobre o Estado brasileiro.

O Parecer Setorial da Área Temática XII da Lei Orçamentária Anual de 2026 mostra que o Ministério da Fazenda mantém um volume expressivo de recursos destinados à Tecnologia da Informação, concentrados na subfunção 126, mas sem detalhamento das ações específicas. Em exercícios recentes, essa rubrica movimentou valores bilionários, da ordem de R$ 4,33 bilhões em 2024 e cerca de R$ 3,24 bilhões em 2025. Para 2026, o parecer preserva a mesma arquitetura orçamentária, indicando a continuidade de um orçamento elevado em TI, ainda que sem explicitar sua destinação.

Parte relevante desses recursos está contida no orçamento da própria Receita Federal do Brasil, que aparece no parecer como uma das maiores unidades orçamentárias do Ministério da Fazenda. O documento apresenta o orçamento global da Receita, englobando despesas administrativas, investimentos e ações de administração tributária e aduaneira, mas não discrimina quanto desse montante é destinado a sistemas de informação, tampouco quanto está vinculado à implantação da reforma tributária.

Na prática, isso significa que os sistemas que darão suporte ao Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e à Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) estão sendo financiados dentro de um grande orçamento já existente da Receita Federal, diluídos em ações genéricas de “modernização, gestão e manutenção de sistemas”. Não há uma rubrica específica que permita identificar quanto será gasto no desenvolvimento da plataforma nacional da reforma tributária, quanto será destinado à integração de dados entre União, estados e municípios ou quanto custará a operação permanente dessa infraestrutura digital.

O desenho orçamentário indica que a execução desses recursos ocorrerá majoritariamente de forma indireta, por meio de contratos com as estatais federais de tecnologia, especialmente o Serpro, tradicional responsável pelos sistemas fiscais e tributários da Receita Federal. Ainda assim, os contratos, escopos técnicos e valores associados à reforma tributária não aparecem destacados no orçamento, sendo absorvidos como parte da rotina tecnológica do órgão.

Esse modelo impede a identificação do custo real da reforma tributária sob a ótica tecnológica. Não é possível distinguir despesas de investimento de despesas de custeio, nem separar o que é adaptação de sistemas legados do que é efetivamente construção de uma nova infraestrutura nacional de arrecadação. Tampouco há transparência sobre os custos recorrentes de longo prazo que essa transformação imporá ao Estado brasileiro.

Ao concentrar os sistemas da reforma tributária dentro do orçamento global da Receita Federal, o governo reduz o debate público sobre o custo real do projeto e dificulta o controle externo. O Congresso Nacional aprova bilhões de reais para a administração tributária sem saber quanto desse montante está sendo direcionado à maior reorganização do sistema tributário do país, nem quais riscos tecnológicos, institucionais e federativos estão embutidos nessa escolha.

Assim, embora os recursos existam e estejam formalmente autorizados, a reforma tributária avança apoiada em uma infraestrutura digital invisível do ponto de vista orçamentário, financiada dentro do orçamento bilionário da Receita Federal, sem nome, sem rubrica própria e sem preço claramente identificável.