Data centers pressionam rede elétrica e dominam pedidos de acesso ao sistema de transmissão

O boom dos data centers no Brasil já começa a se refletir diretamente no setor elétrico. Segundo o gerente de Planejamento Elétrico de Médio Prazo do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), Bruno Sessa, mais da metade das solicitações recentes de acesso à rede de consumidores livres estão ligadas a esse tipo de empreendimento.

Durante apresentação em evento do setor, Sessa revelou que, das 23 solicitações de acesso registradas na semana anterior, 14 eram de data centers. “Isso mostra que já não se trata mais de uma tendência futura, mas de uma realidade concreta”, afirmou.

Crescimento explosivo desde 2024

O levantamento mostra que até 2019 as solicitações eram praticamente irrelevantes — apenas duas naquele ano. Já em 2020 não houve nenhum pedido. Mas entre 2024 e 2025 o cenário mudou: as solicitações explodiram, impulsionadas por data centers e também por projetos de hidrogênio verde.

O estado de São Paulo concentra a maior parte da demanda: das 22 solicitações de acesso de data centers registradas até o momento, 17 estão em território paulista. Algumas delas chegam a pedir 300 MW em uma única conexão à rede básica — volumes comparáveis ao consumo de cidades inteiras.

Rede pressionada e gargalos regionais

De acordo com o ONS, as solicitações estão espalhadas por estados como Bahia, Ceará e Rio Grande do Sul, mas é em São Paulo que os gargalos aparecem com mais força. A região de Bom Jardim foi citada como uma das mais críticas.

Atualmente, o estado tem pedidos que somam quase 2 GW na rede básica, 1,4 GW na rede DIT (Distribuição Interna de Transmissão, quase uma “segunda rede básica”) e cerca de 4 GW via distribuidoras. “Nem todas essas solicitações são viáveis. A rede DIT, por exemplo, já está próxima do esgotamento”, disse Cessa.

Desafio para o setor

Apesar da pressão sobre a infraestrutura, os data centers trazem uma vantagem: sua demanda constante pode ajudar a absorver excedentes de geração de fontes renováveis, especialmente eólica e solar, que já obrigam o ONS a reduzir produção em determinados períodos. “Os data centers podem ajudar a reduzir o curtailment de renováveis. Por outro lado, deslocam a ponta de carga e exigem reforços no sistema”, explicou Bruno Sessa.

O governo prepara um leilão de reserva de capacidade para lidar com essa nova configuração, que deve acontecer ainda este ano.

Requisitos técnicos e regulação

O ONS também estuda mudanças nos requisitos de conexão e na modelagem de cargas de grande porte, para simular com precisão o comportamento desses consumidores no horizonte de cinco anos. “Estamos na fronteira do conhecimento, acompanhando práticas internacionais”, disse Sessa.

Do ponto de vista regulatório, um dos maiores desafios é a defasagem entre os prazos de implantação dos projetos — curtos e acelerados — e os prazos de obras de transmissão, muito mais longos. O modelo atual de fila de acesso, adequado quando não havia escassez, hoje gera ineficiências. Para o ONS, será necessário adotar mecanismos competitivos que priorizem projetos de implantação mais rápida, dado que os recursos da rede são finitos.

Perspectiva

Mesmo diante das dificuldades, o ONS tem buscado flexibilizações para viabilizar a entrada dos novos empreendimentos. “Nós não inviabilizamos pedidos com um sorriso no rosto. Ao contrário, entendemos a importância estratégica de atrair essa indústria para o Brasil”, afirmou Cessa.

O avanço dos data centers, ao mesmo tempo que amplia a pressão sobre a rede de transmissão, também abre espaço para um novo ciclo de investimentos em infraestrutura elétrica no país.

Bruno participou do workshop “Horizonte Renovável: A era dos Data Centers no Brasil”, promovido pela Aneel.