
O debate sobre regulação digital no Brasil tem ganhado força nos últimos anos, especialmente diante da disseminação de notícias falsas e golpes virtuais. Mas, para Daniel Marques, atual presidente Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs (AB2L), o risco está em transformar a regulação em “caça às bruxas” contra empresas específicas, sem atacar o problema em sua raiz. Tive um bate-papo com ele sobre esse tema.
A avaliação do blog é de que o país já possui um vasto arcabouço legal — tanto no campo civil quanto no penal — que poderia ser adaptado para o ambiente digital, sem a necessidade de multiplicar projetos de lei. “Nós temos um tesão regulatório”, resume Daniel Marques, lembrando que existem cerca de 30 mil proposições tramitando no Congresso. O verdadeiro desafio, afirma, não é criar mais normas, mas fazer cumprir as que já existem.
Fake news e desinformação: problema estrutural
Daniel entende que o fenômeno das fake news é visto menos como questão tecnológica e mais como reflexo de falhas educacionais. Pesquisa do Instituto Locomotiva, em parceria com a QuestionPro, mostra que 52% dos jovens de 15 anos no mundo não conseguem distinguir fato de opinião — índice que no Brasil chega a 63% a 70%. “A desinformação mais perigosa não é a mentira escancarada, mas aquela que mistura informação verdadeira com falsificação”, explica o presidente da Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs (AB2L), apontando para a dificuldade em criar órgãos ou agências estatais capazes de definir sozinhos o que é verdade.
Nesse contexto, a educação midiática aparece como eixo central, tanto para reduzir a vulnerabilidade a golpes digitais quanto para fortalecer a capacidade crítica da sociedade.
Transparência e colaboração
Outra linha defendida é a de maior transparência das plataformas. Ferramentas como Community Notes (checagem colaborativa entre usuários) têm se mostrado mais eficazes que sistemas centralizados. Há ainda propostas para que as redes sociais disponibilizem APIs públicas com dados sobre remoção de conteúdos falsos, canais desmonetizados e perfis suspensos, permitindo fiscalização por parte da sociedade civil.
O uso de selos de autenticidade também foi discutido, embora haja receio de criar um novo “mercado de certificação” centralizado e sujeito a fraudes. O consenso é que soluções descentralizadas e colaborativas podem oferecer maior legitimidade.
Justiça digital e acesso à lei
A tecnologia também já oferece caminhos para democratizar o acesso à Justiça. Ferramentas de autenticação digital, como as utilizadas no caso Felca, permitem comprovar difamações online de forma rápida e barata, substituindo os antigos registros em cartório. Plataformas como Consumidor.gov, do Ministério da Justiça, têm obtido índices de resolução superiores aos do próprio Judiciário.
Associações como a B2L (Brasil, Lawtech & Legaltech) destacam o papel de startups jurídicas na mediação de conflitos, análise contratual e transparência de dados, reduzindo custos e tempo de processos.
Filosofia, política e inovação
No plano filosófico, Daniel Marques diz que o debate expõe um dilema: numa sociedade relativista, onde a verdade é tratada como subjetiva, o diálogo tende a ser substituído pelo confronto. “Quando só existem verdades individuais, prevalece quem tem mais força — econômica, política ou criminosa”, avalia.
Politicamente, a polarização reforça diferentes percepções: setores de esquerda tendem a aceitar mais regulação estatal, enquanto correntes liberais e conservadoras defendem menos intervenção.
No entanto, além da disputa ideológica, há um alerta para o risco de se criar obstáculos à inovação. Exigir listas completas de fontes de dados que treinaram inteligências artificiais, por exemplo, é considerado tecnicamente inviável e pode afastar empresas do Brasil, estimulando a exportação de talentos e capitais.
Caminhos possíveis
Para o presidente da AB2L, o futuro da regulação no Brasil parece depender menos de novas leis e mais de três pilares:
1 – Educação crítica para distinguir fato de opinião e reduzir vulnerabilidade a fraudes.
2 – Cumprimento das normas já existentes, com maior enforcement penal e civil.
3 – Inovação tecnológica e descentralização, tanto em modelos de checagem colaborativa quanto na criação de polos regionais de desenvolvimento.
Enquanto o Congresso insiste em acumular projetos, especialistas defendem maturidade legislativa e foco em soluções estruturais. Afinal, como resume Daniel: “O problema do Brasil não é falta de lei, é falta de cumprimento da lei.”
O bate-papo é longo, mas foi pena não ser numa mesa de bar, porque o tema é apaixonante. Vale a pena assistir. Mas se querem vídeo curto, então corram para as dancinhas do Tik Tok: