Finep esconde sua caixa preta em audiência com deputados

A Finep – Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) mais uma vez omitiu informações ontem na Câmara dos Deputados, sobre quanto tem de saldo em caixa dos empréstimos que concedeu às empresas que buscaram nos últimos anos financiamentos à Inovação ou que deixou de conceder por alguma operação frustrada. Recursos que a instituição capta todos os anos no Tesouro Nacional na conta dedicada ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). Ao apresentar a previsão de investimentos em Inovação para 2023 através de empréstimos a serem concedidos para as empresas o presidente, Celso Pansera, escondeu essa informação.

O fato ocorreu em audiência pública esvaziada de parlamentares, que foi realizada pela Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara. Nem o autor do requerimento de convite para Pansera falar da Finep, deputado Washington Quaquá (PT-RJ) compareceu. Ele está batendo perna em Portugal, participando da Jornada Mundial da Juventude. Nem mesmo “virtualmente” pelo sistema de videoconferência da Câmara Quaquá participou.

Mecânica financeira

Para entender a mecânica da parte financeira do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) é preciso compreender primeiro como foi formada essa fonte de recursos pelo governo para o fomento à Inovação Científica e Tecnológica. O FNDCT não é um fundo criado a partir da contribuição de empresas do setor científico ou tecnológico que exploram alguma atividade econômica. Tal como ocorre, por exemplo, com o FUST – Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações, que o governo recolhe um pequeno percentual sobre o faturamento delas com os serviços prestados à população.

O FNDCT foi constituído pelo governo em 1969, mas efetivamente o fluxo de recursos que garantiria os investimentos em Inovação ocorreu a partir de 1998, quando o governo criou uma série de fundos setoriais e realocou para ele pequenos percentuais cobrados da exploração de diversos setores da economia. Ou seja, não existe um fundo criado com a contribuição direta sobre empresas.

Ele é basicamente a soma de percentuais retirados das contribuições de empresas em diversos setores da Economia que exploram determinada atividade no mercado (petróleo ou gás natural; receita operacional líquida de empresas de energia elétrica; de contratos de cessão de direitos de uso da infraestrutura rodoviária; de exploração de sistemas de comunicação e telecomunicações; de recursos oriundos da compensação financeira pela utilização de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica; de pesquisa científica e desenvolvimento tecnológico do setor espacial; de percentual do faturamento bruto de empresas que desenvolvam ou produzam bens e serviços de informática e automação; sobre a parcela do produto da arrecadação do Adicional ao Frete para a Renovação da Marinha Mercante; etc).

Maquiagem

Pansera apresentou ontem um quadro sintético sobre previsão de financiamentos de R$ 4,9 bilhões em projetos de Inovação (alguns duvidosos) que a Finep fará ainda este ano a pedido de empresas, através dos recursos reembolsáveis do FNDCT. O primeiro erro detectado foi que ele vendeu a ideia aos deputados de que este é o “orçamento” real de recursos a serem emprestados ao mercado em 2023.

*Não é.

Ao conceder empréstimos às empresas que buscam recursos para investir em Inovação, a Finep capta o montante necessário através do Fundo Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), com a anuência do MCTI, o gestor dele. O dinheiro está disponível e sob o controle direto do MCTI numa conta no Tesouro Nacional.

A previsão informada ontem por Pansera, de R$ 4,9 bilhões, não é uma espécie de orçamento real da Finep em 2023, previsto para concessões de empréstimos ao mercado e cobertura dos seus gastos. Trata-se de do quanto a instituição informa que pretende captar no Tesouro Nacional como se fosse uma simples operação bancária. Só que ela não informa publicamente o quanto de dinheiro já tem disponível em caixa, que deveria ser somado à esse montante de investimentos previstos para 2023.

Pansera escondeu dos deputados que todo ano a Finep conta com um saldo remanescente de recursos que captou no Tesouro em anos anteriores e acabou não sendo aplicado nos financiamentos à Inovação de empresas. Esse montante deveria estar claramente informado, para ser somado à previsão de investimentos do ano seguinte, levando em conta as novas demandas de empresas por fomento à Inovação. Isso não ocorre.

Se a Finep informasse o que efetivamente dispõe em caixa referente ao saldo remanescente dos exercícios anteriores, isso claramente elevaria a previsão de aplicação de apenas R$ 4,9 bilhões em 2023 conforme Pansera anunciou ontem na Câmara.

Está claro que a Finep também não informa os valores dos empréstimos que foram concedidos pela instituição às empresas e estes já foram quitados. Todo esse dinheiro deveria constar na previsão de aplicações de recursos do FNDCT que ela toma na forma de empréstimos contraídos junto ao Tesouro Nacional para os anos seguintes.

A instituição buscar mais dinheiro no FNDCT acaba pagando juros ao Tesouro Nacional. Como este não cobra a devolução daquilo que não foi aplicado pela Finep junto ao mercado, o dinheiro fica no caixa da instituição para aplicações em fundos de investimento no mercado financeiro. Fato demonstrado de forma inconsequente ontem por Pansera aos deputados durante a audiência na Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara.

Por que omite?

Somente a Finep ou o MCTI, gestor do FNDCT, poderiam explicar claramente o motivo. Mas dá para avaliar que, ao manter esse dinheiro em caixa numa espécie de contabilidade paralela, a instituição de fomento pode estar apresentando em seu balanço uma lucratividade criada artificialmente pela não devolução ao Tesouro do dinheiro que tomou emprestado e depois não concedeu às empresas. Além do que recebeu delas quando terminaram de pagar pelos empréstimos.

Isso pode estar favorecendo a instituição de pagar dividendos internos muito maiores para diretores e funcionários, sob o argumento de terem obtido “fantásticos lucros” nas operações de crédito que captou para fomentar a Inovação no Brasil.

*Com a palavra o Tribunal de Contas da União.