Independentemente do currículo que tenha a nova vice-presidente de Tecnologia e Digital da Caixa Econômica Federal, Adriana Salgueiro, a escolha do nome dela confirma duas situações peculiares num terceiro Governo Lula: primeira, a escolha foi corporativista e, mesmo tendo um currículo bom, a escolhida passou por cima de uma norma prevista no próprio processo de seleção de candidatos, que não valeu para ela mas aparentemente impediu outros de conseguirem a vaga. Já a segunda peculiaridade deixou claro que, o candidato não sendo do PT de São Paulo ou Santo André e não tendo trabalhado na prefeitura com Fernando Hadadd, mesmo que fosse alguém do partido, acabou tratado como um integrante de segunda categoria na legenda, independentemente se o currículo mostrasse aptidão para a função.
Seleção na Caixa
Para escolher o nome para a vice-presidência de Tecnologia e Digital da Caixa, a instituição decidiu fazer um processo de seleção. Este blog não tem informações sobre quantos candidatos se inscreveram, mas dispõe de pelo menos três casos inexplicáveis de vetos. Nos três casos, dois são notórios filiados ao PT. O terceiro nome não consta que seja do partido, mas teve recomendações feitas por lideranças da legenda e já trabalhou nos governos anteriores de Lula.
A seleção foi claramente dirigida para não ter petistas históricos ocupando o cargo ou profissionais com um currículo que, no comparativo com o de Adriana, a nova vice-presidente, dificilmente perderiam a vaga num processo de seleção de empresas privadas.
Num dos requisitos do processo de seleção da Caixa, a instituição deixou claro que o candidato deveria ter “Formação acadêmica mais aderente à área do cargo de Vice-Presidente da Caixa pretendida”. E ainda o candidato deveria ter “experiência mais aderente à área do cargo que pretende ocupar”.
Subentende-se que a CEF queria encontrar no mercado ou em seus quadros um profissional com as qualificações acadêmicas necessárias para ocupar o mais alto posto da tecnologia no banco oficial. Mas essa regra não valeu para Adriana Salgueiro, enquanto que foi preponderante para vetar outros candidatos. E nesse processo de escolha eles foram usados como argumento para vetar até mesmo candidatos do PT que tinham as qualificações profissionais previstas pelo banco oficial.
O corporativismo e o veto político a nomes do PT ficou patente na apresentação do currículo de Adriana Salgueiro publicado em Fato Relevante pela Caixa Econômica Federal. Nele não consta que ela tenha formação acadêmica em alguma área da Tecnologia da Informação e nem tampouco tenha ocupado algum cargo relevante na TI da Caixa em São Paulo. Qual foi então o critério que pontuou mais a Adriana, em detrimento dos demais?
Há ainda um outro critério no processo de seleção um tanto complicado de explicar. Por que a Caixa ao querer conferir a competência profissional do candidato para ocupar o cargo de vice-presidente de Tecnologia e Digital, fixou o prazo nos últimos 10 anos?
Ao fixar esse prazo a Caixa simplesmente excluiu do processo todo e qualquer petista ou candidato não filiado ao partido, que tenha desempenhado alguma função na área de Tecnologia da Informação e tenha dado alguma contribuição para o setor e o órgão ou empresa em que comandou.
Pelo prazo, um eventual petista só poderia comprovar que desempenhou alguma função relevante nos dois últimos anos de Governo Dilma Rousseff, mesmo que tenha desempenhado papel relevante na tecnologia nos dois governos de Lula, anteriores ao dela.
É preciso lembrar ainda que os dois últimos anos de Governo Dilma foram conturbados politicamente por uma ação orquestrada pelo PSDB, com apoio do PMDB do então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que culminaram com um golpe contra o mandato dela. Como algum petista poderia comprovar sua relevância para o cenário da TI Federal num período desses? Além disso, nessa mesma época o Governo Dilma estava sendo comandado por “tucanos” na área econômica, o que seria dificílimo algum petista mostrar serviço na área de TI dos bancos públicos ou estatais.
Candidatos vetados
O processo de seleção da Caixa Econômica Federal vetou pelo menos dois nomes que marcaram presença nos Governos Lula e no primeiro mandato de Dilma nas áreas de Tecnologia. O primeiro deles foi Rogério Santanna, que chegou a se candidatar ao processo de seleção. Poderia ter se valido dos contatos políticos que acreditava ter no PT, do qual é filiado, mas por sugestão de amigos submeteu-se ao escrutínio profissional da CEF.
O currículo mostra que ele tem graduação em Engenharia Mecânica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Engenharia Civil pelo Instituto de Ensino Superior Planalto e mestrado em Engenharia de Sistemas e Computação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Rogério Santanna durante os Governos Lula foi Secretário de Logística e Tecnologia da Informação, o que lhe conferia poderes para comandar toda a TI Federal baixando normas nas áreas de compras, redes e serviços. Foi o responsável durante sua gestão pela criação do Portal de Compras do Governo Federal, da Infovia Brasília e de diversos sistemas administrativos que ainda estão em operação no Executivo Federal. Santanna ainda foi designado por Lula para reativar a presidir a Telebras pós privatização do setor de Telecomunicações. Deixou o governo justamente no segundo mandato de Dilma ao defender que a inclusão digital em áreas remotas e que não davam lucro para as empresas de telefonia deveria ser feita pela Telebras.
Comprou uma guerra com as teles e seus apoiadores do PT que comandavam o Ministério das Comunicações. Entre eles, o ministro Paulo Bernardo e o secretário-executivo do ministério, Cezar Alvarez. Ambos queriam adotar o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), que trouxe resultados pífios para o país em termos de conectividade, sem contar que há um fosso em exclusão digital estimado em 7 milhões de brasileiros sem Internet e pelo menos 29 milhões com 10 anos de idade que não usam a rede. Deste total de brasileirinhos, segundo dados do IBGE de 2022, pelo menos 3 milhões são estudantes.
Mas o caso de veto mais inexplicável pela atual direção da CEF foi do nome de Clarice Coppetti, ex-vice presidente de Tecnologia da própria Caixa Econômica Federal durante o Governo Lula. No comparativo com o currículo da nova vice-presidente de Tecnologia e Digital da CEF, Adriana Salgueiro, pode-se dizer que Clarice também não seria eminentemente da área de TI, embora tenha graduação na área. Tem graduação em Ciências Econômicas pela PUC (RS), Ciências Contábeis pelo Senac São Paulo, MBA pela FGV em Gestão Estratégica da Tecnologia da Informação(2002). Foi diretora de Relações Institucionais e diretora Financeira Interina da Empresa Norte Energia SA; diretora de Operações e Serviços da Autoridade Pública Olímpica, APO, Consórcio Público dos três entes federados para planejar e monitorar as obras e serviços para os Jogos Rio 2016. Ocupou ainda os cargos de vice-Presidente de Tecnologia da Informação da Caixa Econômica Federal; Assessora da Presidência da Caixa e diretora Administrativa, Financeira e Comercial da Procergs-Companhia de Processamento de Dados do Estado do Rio Grande do Sul. Ministrou disciplina de Gestão de Bancos Públicos e Estratégia de TI, como professora convidada no Curso de Pós-graduação Lato Sensu, MBA Executivo Liderança e Gestão de Empresas Estatais, Fundação COGE e FranklinCovey Business School.
Currículos à parte, sua passagem pela Tecnologia da Caixa (2004/2011) marcou um dos momentos políticos mais interessantes para a história do banco oficial. Pois foi ela quem travou batalhas internas para resgatar para a CEF o controle dos sistemas de Penhor e de Loterias, nas mãos da iniciativa privada. O caso mais rumoroso na época foi o da multinacional G-Tech, que ganhava milhões com a operação das Loterias, sem passar pelo efetivo controle do banco oficial. Com ela, o Brasil tornou-se o único país emergente na época a dispor de um sistema próprio de loterias instalado em nove mil unidades lotéricas, distribuídas por 3.628 municípios.
Clarice teve sua indicação política vetada para voltar a um cargo em um banco vinculado ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, não se sabe por quais razões. Seu nome não foi bom o suficiente para a TI da Caixa, mas passou tranquilamente para a Diretoria-Executiva de Relacionamento Institucional e Sustentabilidade da Patrobras, onde atualmente trabalha.
O terceiro veto
Outro nome que não passou pelo exigente crivo da presidente da CEF, Rita Serrano, supostamente escolhida pelo PT de Fernando Haddad para o cargo e que mereceu até posse com a cúpula do partido, entre eles o presidente Lula, foi o de Glória Guimarães, ex-diretora de Tecnologia do Banco do Brasil e ex-presidente do Serpro. Glória não tem filiação partidária ao PT ou a qualquer outro partido que se tenha conhecimento. Sempre foi técnica e atuou em grandes empresas de TI no mercado. Por exemplo, foi Vice presidente da unidade de negocio de Financial Service no Brasil e Vice presidente da unidade de negocio de Financial Service no Brasil da Capgemini. Empresa que chegou a ser o braço de tecnologia da Caixa Econômica Federal através de uma subsidiária brasileira. Hoje Glória é presidente da AYO Group, empresa que congrega a Memora Processos Inovadores, VA Expert e ORAEX Cloud Consulting. Mas isso não foi suficiente para ocupar a vaga na CEF, assim como foi preterida também no Banco do Brasil, onde iniciou sua carreira após indicações vindas do próprio PT. O BB é outra instituição na gestão Fernando Haddad que prefere contar com a “prata da casa”, mesmo que essa seja apontada pelo próprio partido como apoiadora do Governo Bolsonaro.
PT de 2ª categoria
Esse problema na Caixa Econômica Federal ou no Banco do Brasil tem sido recorrente neste terceiro mandato do presidente Lula. E curiosamente vem ocorrendo em áreas que são do controle do próprio partido. Não se tratam de vetos à presença de petistas por ministros de outras partidos que integram a frágil “Frente Ampla” de Lula. A “bronca” tem sido interna entre as diversas facções que compõem o Partido dos Trabalhadores e respingam em aliados de esquerda.
São os mesmos casos que ocorrem com as nomeações do Serpro e da Dataprev, que após mais 70 dias ainda não conseguiram fechar as diretorias. Nomes do partido são flagrantemente vetados pela ala do PT ligada à Fernando Haddad. Bem como os de partidos aliados ao governo como o PDT e de partidos do Centrão também interessados nas vagas, mas inda não contemplados na composição política do novo governo.
O ministro da Fazenda preferiu nomear para presidente do Serpro um nome ligado ao Centrão do prefeito de Curitiba, Rafael Greca e ao cacique do PSD, Gilberto Kassab – Alexandre Amorim (à direita de quem olha para a foto) – a escolher para a presidência da estatal alguém do partido ligado ao ex-governador Roberto Requião. E que ganhou o apoio de diversas alas do PT e de outros partidos da base de Lula: Marcos Mazoni. Mesmo para as diretorias, nomes do partido e do PDT estão sendo bloqueados na Casa Civil da Presidência da República e pelo PT paulista. Greca chegou a gozar da cara do PT ao afirmar que, Alexandre Amorim foi a “primeira autoridade do Governo Lula a visitar Curitiba”. Quando este foi festejar a sua indicação com o padrinho e prefeito.
Essa situação inusitada já virou piada dentro do partido: “só conseguiremos ajudar Lula quando o PT assumir o governo”, brincam alguns petistas diante da situação.