TCU: Educação Conectada no Brasil é falha e ficou exposta após o confinamento da pandemia Covid-19 (Parte 1)

Em 2020 o ministro do Tribunal de Contas da União, Augusto Nardes, propôs em sessão plenária uma abrangente fiscalização na área de Educação, para conferir de perto quanto já se tinha gasto nos últimos anos com infraestrutura de Tecnologia da Informação e Conectividade, além da preparação e inserção de professores e alunos para o mundo digital. O trabalho foi executado pela Secretaria de Controle Externo da Educação, da Cultura e do Desporto – SecexEducação e os resultados foram aprovados na última quarta-feira, em Acórdão. O estudo mostra o caos na Educação Conectada e traz uma série de recomendações ao Ministério da Educação para sanar o problema, além de novo monitoramento para avaliar o cumprimento dessas ações.

A motivação para a radiografia em 2020 decorreu da constatação do tribunal que, apesar de todas as políticas públicas anunciadas nos últimos anos e dos milhões gastos com equipamentos e conectividade, as escolas públicas continuavam despreparadas para a transformação digital que vive o Brasil. O problema ficou aparente e se agravou ainda mais, após a adoção do isolamento social imposto pela pandemia da Covid-19.

“Na ocasião, destaquei que, no Brasil, das 150 mil escolas públicas de ensino básico, apenas 59% tinham acesso à Internet, sendo esse percentual de 85% para as escolas urbanas e 24% para as rurais, o que refletia o modelo de negócios de telecomunicações no Brasil, em que a infraestrutura se concentrava em áreas densamente povoadas com maior perfil de renda”, disse o ministro Nardes em seu relatório final lido na última quarta-feira.

O ministro foi até bonzinho ao não polemizar publicamente com as empresas de telefonia, de que o “modelo de negócios de telecomunicações” adotado por elas tem sido: “onde não dá lucro, não vamos”.

PIEC

Em 2017 o Ministério da Educação tentou dar ordem ao caos que se transformou os diversos programas de inclusão digital das escolas públicas no Brasil, repleta de iniciativas paralelas de diversos setores do governo que não conversavam entre si. Com posturas de ações diferentes, gastos extraordinários de dinheiro público, no fim o resultado sempre foi o mesmo: zero.

Foi criada a “PIEC – Política de Inovação Educação Conectada” fundamentada, segundo o MEC, em quatro pilares de desempenho, que visam conciliar a tecnologia com os projetos “político-pedagógicos” nas escolas públicas:

a) Visão (conceber e planejar a incorporação das tecnologias digitais no processo de ensino e aprendizagem, compartilhada pelos envolvidos no processo educacional);
b) Formação (desenvolver competência em professores e gestores educacionais sobre o uso didático das tecnologias digitais nas escolas e o seu potencial educativo);
c) Recursos Educacionais (selecionar e disponibilizar materiais, ferramentas e conteúdos digitais de aprendizagem e de gestão acadêmica para apoio ao processo de ensino);
d) Infraestrutura (prover serviços, equipamentos, dispositivos e conectividade necessários ao uso das tecnologias digitais).

O programa tinha metas ambiciosas:

a) Indução, com meta de atendimento de 22.400 escolas urbanas (internet via terrestre) e 6.500 rurais (internet via satélite), de 2017 a 2018;
b) Expansão, com meta de atendimento de 68.500 escolas urbanas (internet via terrestre) e 7.500 escolas
rurais (internet via satélite), de 2019 a 2021;
c) Sustentabilidade: com meta de atendimento de 100% das escolas urbanas e rurais, de 2022 a 2024.

Após três anos de sua implantação, os auditores do TCU concluíram as seguintes falhas encontradas no PIEC, a partir dos questionários respondidos pelos diretores das escolas e os articuladores dessa política. Os principais obstáculos enfrentados pelas escolas públicas para conciliar a tecnologia com as práticas pedagógicas foram os seguintes:

As falhas são evidentes para os auditores da SecexEducação:

1 – A política não cria sinergia de ações em prol do que foi concebido e desenhado pelo programa.

“Ao invés de contemplar intervenções integradas e bem delimitadas que considerem, de forma global, a lógica das suas quatro dimensões, as ações custeadas com recursos do Orçamento Geral da União estão concentradas na expansão da conectividade, ocorrendo de modo fragmentado, com prejuízo à efetividade da política”.

2 – Desarticulação o apoio à incorporação de tecnologias educacionais:

“O plano local de inovação encontra-se institucionalmente enfraquecido e com perda de importância, contrário ao que foi definido no desenho do PIEC, que era de ser o principal documento orientador para a inclusão da inovação e da tecnologia na prática pedagógica das escolas públicas de educação básica. Os núcleos de tecnologia educacional, que foram legados do Proinfo (antigo programa coordenado pelo MEC) e funcionavam como importantes estruturas de apoio à incorporação das tecnologias educacionais, encontram-se desmobilizados ou em condições inadequadas de funcionamento”.

3 – Custo do programa não tem orçamento claro e definido:

“O PIEC não dispõe de levantamento adequado e de planificação dos valores sobre o custo do programa em todas as esferas que nele atuam. O programa, cuja concepção vai muito além de financiar a compra de equipamentos e da sua distribuição às escolas, mostra-se como uma oportunidade para que a União aperfeiçoe a sua função estabelecida no art. 211 da Constituição Federal, no sentido de reduzir as desigualdades educacionais intrarregionais quanto as inter-regionais”.

4 – Falta de preparação do corpo docente para adoção de novas tecnologias educacionais:

“O MEC não tem se articulado com as instituições federais de ensino superior para incluir o componente tecnológico na formação inicial de professores, não utiliza mecanismo para induzir a inclusão desse tema na residência pedagógica e não disponibilizou currículos de referência para formação de professores mediados por tecnologia, alinhados com a Base Nacional Comum Curricular”.

5 – E a formação continuada é limitada

“O PIEC tem atuação muito restrita com relação à formação continuada, considerando que não articula a oferta de outras iniciativas do MEC, das redes de educação e das instituições de ensino superior, que têm grande potencial de oferta. A AVAMEC, que é o principal meio de oferta de formação continuada previsto no desenho do programa, é muito limitada em oferta e em alcance, carece de curadoria eficaz que oriente melhor seu foco, garanta a relevância da oferta para os objetivos do programa e forneça informações importantes para os professores da educação básica que pretendem usá-la”.

6 – Adesão à formação continuada é baixa, se limita a pequenos grupos de professores:

Segundo o relatório, apenas nove (36%) dos 25 cursos de apoio ao uso de TDIC na Educação estavam ativos e permitiram fazer matrícula na Plataforma AVAMEC em maio de 2021. Excetuando o curso voltado para o município de São Bernardo do Campo/SP, apenas oito (6%) cursos de apoio ao uso de TDIC na Educação estavam com inscrições abertas e público-alvo amplo, em universo de 133 cursos da Plataforma.

7 – Programa não chega na ponta:

“Embora o número de escolas públicas conectadas à internet tenha aumentado, ainda há parcela significativa de escolas da rede municipal e localizada em áreas rurais que não contam com nenhum dispositivo com acesso à rede. Embora a velocidade média de conexão das escolas públicas tenha aumentado, em regra, ainda não é suficiente para o uso diversificado da internet e restringe a utilização pedagógica das TDIC. Nem todas as escolas conectadas por meio do PIEC possuem banda larga com qualidade compatível com suas necessidades”.

8 – Obsolescência e a falta de manutenção dos computadores e dispositivos digitais:

“O alcance da estratégia definida pelo atual PNE de triplicar a relação computador/aluno até o fim de sua vigência (2024) está muito aquém do desejado e o índice computador/aluno, no período de 2015 a 2019, piorou, passando de 29,4 computadores por aluno para 35,7”.

Para os auditores do TCU, essas falhas acabam por limitar a efetividade da política quanto ao não aproveitamento do potencial de uso da internet pelas escolas públicas como instrumento de democratização do conhecimento. “Bem como condiciona muitas escolas, que são espaços onde ocorre boa parte do tempo da socialização secundária das crianças e jovens, a não prosperarem como ambientes de inclusão digital”.

O ministro Augusto Nardes destacou essas falhas em sua apresentação do relatório:

*Este Blog apresentará uma série de reportagens com base na auditoria do TCU, destacando as principais falhas encontradas na gestão da Educação Conectada no Brasil.