Por Jeovani Salomão* O mundo está cada vez mais “digital”, embora o conhecimento do significado da palavra não seja compreendido pela maioria das pessoas. É o tipo de conceito que se impregna na sociedade por inércia. Sempre que algo se refere a computadores, Internet, celulares, dizemos que é digital e pronto, todos entendem. Banco digital é um banco que se utiliza da Internet, uma câmera de fotos digital é aquela do celular, como é do celular é digital, simples. Por outro lado, algumas referências analógicas, como discos de vinil, só existem para os colecionadores; fitas cassete e gravações em VHS ou 8mm são apenas lendas para a geração mais nova.
A palavra “digital” vem do latim “digitalis” e se refere aos dedos, como no caso de impressões digitais. Assim como as crianças, a humanidade começou a contar usando as mãos, de forma que “digital” se associou a dígitos, no sentido de números. Digitalizar, portanto, é representar a realidade em números, mas nãos qualquer um, em especial, quando estamos falando de tecnologia da informação. Como os computadores foram idealizados com código binário (0 e 1), desligado e ligado, as representações iniciais eram limitadas.
Em matemática o que é analógico é contínuo e o que é digital é discreto. Significa que se você pensa em dar uma nota “analógica” para algo, digamos de 0 a 10, você pode pensar em todo e qualquer número no intervalo: 0, 1, 5, mas também 8,34768547, π, , 1/3, ou qualquer outro número racional ou irracional. No entanto, a mesma avaliação se fosse “digital” poderia incluir apenas 0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 e 10, ou seja, números inteiros. Um gráfico “analógico” é desenhado por curvas, enquanto um “digital” pontos e retas.
Continuando os exemplos, imagine que você decide ir para cozinha fazer uma saborosa refeição. Se você for como minha mãe, dona Geny (89), você será um exímio cozinheiro analógico. Isso porque minha mãe define as quantidades pelo sabor que ela está sentindo durante o preparo da comida. A experiência de anos trouxe uma maestria de compreender o gosto, o cheiro, a textura, o aspecto daquilo que ela está cozinhando e permite que ela faça os ajustes necessários para uma sempre deliciosa comida caseira. Se você, no entanto, possui um restaurante, ou participou de um bom curso de gastronomia, é possível que você se incline mais para o lado “digital”. Você mede cada ingrediente de forma precisa, eventualmente com uma balança, e segue a receita passo a passo, usando exatamente aquilo que está escrito. Uma robotização adequada para cozinhar de forma a criar um padrão.
As fronteiras do digital estão se ampliando, uma vez que as técnicas e capacidades computacionais avançam. Aquilo que se repete, que é mera e facilmente reproduzido por zeros e uns, vai se tornando cada vez mais domínio do artificial. Ao mesmo tempo que a digitalização cria avanços, nos campos mais diversos, traz desafios em relação a substituição progressiva das atividades humanas pela máquina. O futuro dos computadores é evoluir mais e mais, ganhando cada vez maior espaço na sociedade. Por sua vez, o futuro da humanidade precisa ser cada vez mais analógico, dedicado a aquilo que não é alcançado por algoritmos. Os sentimentos, o acolhimento ao próximo, o aconselhamento, o cuidar, o tratar adequadamente, o apreciar a beleza e até o julgar, são elementos analógicos que nos caracterizam.
Durante anos, nos reunimos aos domingos para apreciar a comida da minha mãe, sempre um momento especial. Ela ainda cozinha divinamente bem, e espero que continue assim até ultrapassar o seu centenário, mas agora sou eu que estou cozinhando aos domingos, pois o trabalho de fazer almoço para uma família grande já é demasiado para ela. Não tenho nenhuma esperança de cozinhar nem perto do que minha mãe consegue, mas, desde que comecei, tomei uma decisão, sempre serei um cozinheiro analógico!
*Jeovani Salomão é empresário do setor de TICs e ex-presidente do Sinfor e da Assespro Nacional.