WideLabs: mais novo fenômeno da Inteligência Artificial, que pode faturar até R$ 1 bi no Governo Lula

Com um ano e três meses de vida completos, um capital social de apenas R$ 20 mil, mas “parceira” de multinacionais poderosas como a Oracle e a NVIDIA, a startup WideLabs poderá se tornar nos próximos meses no maior fenômeno comercial e financeiro do mercado brasileiro de Inteligência Artificial. A empresa caiu nas graças da ministra da Ciência, Tecnologia e Inovações, Luciana Santos, e tem grande chance de receber um aporte financeiro, cujo orçamento estimado pelo governo no Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA) será de R$ 1,1 bilhão. Basta que ela torne a sua plataforma de IA generativa “Amazônia” como principal instrumento de uso pelo governo.

A meta do governo no Plano Brasileiro de Inteligência Artificial é aplicar esses recursos no desenvolvimento de uma Inteligência Artificial Generativa tupiniquim. Solução que já existe no mercado, mas outras empresas não contaram com o prestígio da WideLabs, que ganhou uma “madrinha/ministra” para apoiar os seus interesses comerciais dentro do governo.

Em Brasília não é normal ministros de Estado abrirem espaço nas suas agendas para audiências com microempresários. Isso somente ocorre quando as empresas contam com alguma interferência política. A ministra Luciana Santos, por exemplo, só costuma receber grandes empresas nacionais ou estrangeiras em seu gabinete. Quem vem bancando politicamente a WideLabs? O blog tentou levantar a questão no Ministério da Ciência e Tecnologia com 15 perguntas encaminhadas à pasta. Mas não obteve nenhuma resposta.

Startup gaúcha

A WideLabs Tecnologia da Informacao LTDA (CNPJ 50.255.849/0001-84) é uma startup com sede no Rio Grande do Sul. Teve a data de abertura registrada na Receita Federal em 10 de abril de 2023, com capital social de R$ 20 mil.

No Rio Grande do Sul acabou ganhando notoriedade ao contribuir para o esforço do Estado com um aplicativo que “conecta demandas de abrigos e de instituições que estão ajudando vítimas das enchentes à população e às empresas que queiram contribuir”, segundo informação no site do governo.

Supostamente pode ter recebido um investimento no exterior de U$ 95 mil, de acordo com informações do site crunchbase. Mas a empresa não confirmou e nem desmentiu tal informação. A empresa possui página no LinkedIn na qual está hospedada no exterior (.com) e apresenta esse mesmo investimento. De quem? Não se sabe.

Sua principal atividade registrada no fisco brasileiro é o “desenvolvimento e licenciamento de programas de computador”. A empresa alegou ao blog que tem “quatro anos de história com a entrega de mais de 15 projetos, que combinam IA com a criatividade humana para resolver desafios reais que melhoram a vida das pessoas”. A informação não bate com o registro oficial de sua abertura na Receita Federal.

A empresa em seu site informa que desenvolveu as soluções “AI Creative Powerhouse, Agentes conversacionais, Tailor made LLMs, Amazonia-IA, AI for Health, Ad-Hoc projects, Smart cities, AI Driven IoTs, AI empowerd Drones”.

Conta oficialmente com três sócios no contrato social da empresa: Nelson Leoni, Rodrigo Mor Malossi e Marcelo Chapper. Um quarto sócio, André Beck, pode ter se agregado posteriormente ao grupo, embora ainda não conste na documentação da empresa. Mas nas redes sociais Beck já se apresenta como tal. Existem ainda dois outros supostos sócios, Julian Benatti e Carlos Caviolla, que assim como Beck não aparecem no contrato social da empresa, mas são tratados como tal por Nelson Leoni. Consta ainda a participação de Beatriz Ferrareto, mas também não figura oficialmente no contrato social.

Privilégio

Não há ilicitude alguma WideLabs estar se reunindo com o governo, que fique claro. Porém, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação deveria explicar a motivo de conceder somente à ela, o privilégio de se reunir duas vezes com a ministra Luciana Santos em seu gabinete, para falar de aplicação generativa de interesse do governo, quando existem outras soluções no mercado.

O MCTI, através de Rubens Diniz Tavares, atual Chefe de Gabinete de Luciana Santos, chegou a fazer prospecções por telefone com outras duas empresas que também desenvolvem a mesma tecnologia “LLM”, para a IA generativa. Uma delas foi a Maritaca AI, empresa aberta em novembro de 2022, com um capital de R$ 100 mil. A Maritaca desenvolveu um chatbot de IA em língua portuguesa, como alternativa ao ChatGPT no mercado nacional.

Em contato com o blog, a empresa confirmou que foi procurada no início de julho por telefone pelo Chefe de Gabinete de Luciana Santos. Este teria pedido detalhes da solução “MariTalk”, mas depois não houve mais contato. A direção da Maritaca AI chegou a nutrir esperanças de ser chamada pelo MCTI para participar do lançamento do Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA), mas o convite nunca existiu.

Outro fato curioso foi a cúpula do MCTI não ter chamado para uma conversa a empresa Neuralmind, que também desenvolve solução de IA generativa. A empresa, uma sociedade anônima que tem sede em Campinas, foi fundada em setembro de 2015, com um capital social de R$ 1,2 milhão. Por que essa empresa foi excluída pelo MCTI, que não se interessou de ter um contato que fosse além do telefone, para conhecer melhor a ferramenta dela?

Não há registro da presença de outras startups na agenda da ministra Luciana Santos no MCTI nos últimos meses. Porém a WideLabs conseguiu a façanha de realizar duas reuniões no gabinete dela e contou com a presença das principais autoridades deste ministério. E nenhum desses encontros aparentou ter o caráter de uma mera aproximação de empresa com o governo. Ao contrário, as duas reuniões tinham assuntos predefinidos e deixavam claro que a empresa estava participando diretamente do Plano Brasileiro de Inteligência Artificial.

O primeiro contato ocorreu no dia 14 de maio deste ano e consta na agenda oficial da ministra Luciana Santos. No registro do encontro feito pelo MCTI informa que a reunião seria para tratar de “Inteligência Artificial Aplicada”, com dois assuntos predefinidos: 1 – LLM em Português brasileiro e, 2 – Infraestrutura de GPUs e estrutura de nuvem pública. Luciana fez questão de ter presente no encontro o secretário de Ciência, Tecnologia para a Transformação Digital, Henrique Miguel, além do presidente da Finep, Celso Pansera.

É interessante saber que num primeiro encontro de apresentação entre uma startup de IA e o MCTI, a ministra queira a presença do presidente de uma instituição de fomento, que controla mais de R$ 5 bilhões de recursos reembolsaveis do Fundo Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). Dinheiro que está sendo canalizado para o plano de Lula com apoio do BNDES. Pansera no final acabou não comparecendo à reunião. Pelo menos não consta nas fotos oficiais do encontro registradas pela imprensa do MCTI e que o blog utiliza nessa reportagem.

Quatro diretores da WideLabs estiveram presentes, além de dois acompanhantes que não guardam relação direta com a empresa ( todos do lado direito da foto). Porém, o que chama a atenção é a presença, de forma remota, do executivo da área de vendas e Marketing da NVIDIA, Marcel Saraiva (no telão).

Investimentos

O motivo para a pequenina WideLabs ter circulado nos últimos meses com tamanha desenvoltura no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) é um mistério. Supostamente ela deu ao presidente Lula aquilo que ele mais exigiu dos “cientistas brasileiros”: um robusto modelo de linguagem em português (LLM), que servirá de base para uma IA generativa brasileira, um “ChatGPT tupiniquim”.

Interesse do presidente por uma IA generativa que chega a causar estranheza, pois ninguém sabia que o “analógico” Lula estava cobrando do MCTI uma tecnologia até então desconhecida para milhões de brasileiros. Mas seja quem for que passou as informações para Lula, esta pessoa omitiu para o presidente, que a tecnologia não chega a ser novidade no país.

Criaram para Lula a falsa ideia de que a WideLabs é a única dona de uma tecnologia sem similares no país e isso é preocupante. Pois essa versão acaba conferindo para ela a exclusividade de obter recursos do governo voltados para ampliação do projeto, privilégio que outras não terão. Somente para o desenvolvimento da IA generativa com dados nacionais o MCTI pretende destinar R$ 1,1 bilhão; sendo boa parte recursos não reembolsáveis aos cofres públicos. A fonte do dinheiro será o FNDCT – Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

O Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA) do Governo Lula pretende destinar até 2028 um total de R$ 3 bilhões com o processamento e o desenvolvimento da aplicação generativa no Brasil. Para se ter uma ideia do isso representa para os cofres públicos, o governo tem a mesma quantia para conectar 40 mil das 139 mil escolas públicas federais que receberão Internet banda larga até 2026. O dinheiro é proveniente do leilão do 5G, das licenças adquiridas pelas operadoras móveis para explorar o serviço.

Interesses paralelos

Mas foi o segundo contato da WideLabs com o governo que chamou mais a atenção, ocorrido no dia 26 de julho, a apenas quatro dias da realização da 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (5CNCTI). Na agenda oficial de Luciana Santos, a ministra deveria se reunir com três diretores da WideLabs para definir o “lançamento do LLM Amazônia”, a IA generativa da empresa.

Ou seja, o MCTI teve uma reunião para fechar os últimos detalhes da participação da startup na 5ª Conferência como se já tivesse sido definido pelo MCTI que a ferramenta da empresa gaúcha será a futura plataforma de IA generativa do governo. Também chama a atenção que no lugar do “sócio” Julian Benatti, quem esteve presente nesta reunião foi o sócio-controlador e líder da área pública da FSB Holding, Renato Salles (paletó azul). Porém, o seu nome foi omitido na agenda oficial do encontro pelo MCTI, embora tenha recebido até plaquinha de identificação na mesa durante a reunião.

A FSB não tem nenhum vínculo contratual com o MCTI, mas está fazendo assessoria de imprensa para a startup gaúcha. Procurado para explicar a sua presença numa reunião em que a WideLabs fechou os detalhes de sua participação na Conferência de C&T, Salles se limitou a explicar o seguinte, via Whatsapp: “A WideLabs é uma empresa privada que é atendida pela FSB em São Paulo, sem qualquer envolvimento com a vertical pública, da qual faço parte. O trabalho se dá exclusivamente na frente de assessoria de imprensa, totalmente focado no relacionamento com jornalistas. As agendas da Widelabs foram conduzidas diretamente pela empresa e tiveram acompanhamento da FSB, assim como qualquer cliente do setor privado”.

Se a startup gaúcha não tem “qualquer envolvimento com a vertical pública da FSB”, que até 2022 ocupou a posição de liderança entre as empresas de Marketing e Comunicação no governo fedral e provavelmente ainda ocupa, então qual a razão para estar presente no segundo encontro da WideLabs com a ministra Luciana Santos, um dos principais sócios da FSB, que justamente controla todas as agendas e ações dela no governo? Essa audiência não devria ter sido acompanhada por um jornalista, que ficaria encarregado de cobrir a reunião para depois divulgar? Dá para verificar pelas fotos registradas no MCTI, que Renato Salles teve participação ativa na reunião. Não estava lá apenas para “acompanhar um cliente”.

Esse é mais um dos mistérios que rondam a presença da startup WideLabs na 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (5CNCTI). Do dia para a noite a microempresa virou a maior estrela da solenidade de lançamento do Plano Brasileiro de Inteligência Artificial. Ganhou até mais notoriedade que a Positivo Tecnologia, outra fabricante privada de PCs a patrocinar a conferência. A WideLabs conseguiu até levar a ministra Luciana Santos ao seu estande, onde ela testou a IA generativa e discursou para a platéia que participou do lançamento do “Amazônia IA”.

Quem banca politicamente essa empresa dentro do Governo Lula, que faz com que uma startup goze de tamanho prestígio no MCTI, ao ponto de virar a estrela no lançamento do Plano Brasileiro de Inteligência Artificial, que contou com a presença do presidente da República?