Você sabia que a Receita Federal autorizou o Serpro a vender seus dados pessoais?

Por Carmina Hissa* – No dia 19 de abril a Receita Federal publicou a Portaria 167 autorizando o Serpro a vender, para terceiros, uma lista imensa de dados pessoais que estão sob a guarda da Receita Federal.

É fato público que o Serpro tem uma loja que vende diversos serviços para as empresas, como por exemplo, o Datavalid que visa reduzir a fraude de identidade. Para oferecer esse serviço o SERPRO, consulta as bases originais de governo e faz a verificação dos dados e/ou imagens para confirmar se os dados fornecidos por uma pessoa são verdadeiros ou falsos. (https://www.loja.serpro.gov.br/datavalid)

Ocorre que, para vender esse serviço, o SERPRO utiliza nossos dados pessoais, tais como nome completo, CPF, RG, sexo, filiação, data de nascimento, fotos, dentre outros obtidos dos dados que fornecemos para emissão da nossa Carteira Nacional de Habilitação.

E os valores cobrados pelo Serpro depende da quantidade de dados pessoais que a empresa quer usar para validar e confirmar se se trata daquela pessoa mesmo.

Tem o pacote básico, mas também o facial, ou o digital. Se a empresa quiser pode acessar todos os dados, incluindo o facial e o digital. Pagando a empresa acessa todos os dados pessoais de quem quiser.

E isso é exatamente o contrário do que está escrito nos Termos Gerais de Uso e Declaração de Privacidade e Proteção de Dados dos Sítios Corporativos e de Comércio Eletrônico do Serpro disponibilizado no seu site (link https://www.serpro.gov.br/privacidade-protecao-dados/termos-gerais-de-uso-tgu_v3-2.pdf).

De acordo com o item 6.6 o SERPRO “não repassará a terceiros, parceiros ou em qualquer negociação comercial, as informações coletadas. Toda e qualquer informação a respeito dos clientes e usuários do Serpro somente serão repassadas mediante aprovação expressa destes ou por ordem judicial.

Você deu seu consentimento para o SERPRO vender seus dados?

Se você tiver dúvida, ou não quiser que seus dados sejam utilizados, exerça seus direitos que estão no site do SERPRO https://www.serpro.gov.br/lgpd/cidadao/quais-sao-os-seus-direitos-lgpd e manda e-mail para encarregado@serpro.gov.br

Não estamos querendo criar barreiras ao desenvolvimento de negócios e políticas públicas, mas apenas que a LGPD seja cumprida e os direitos dos titulares de dados respeitados.

O SERPRO pode e deve oferecer serviços como o Datavalid, desde que os dados pessoais sejam utilizados de acordo com a finalidade para a qual foram coletados. Se os dados tinham a finalidade de emissão da Carteira de Habilitação, não podem ser vendidos para outra finalidade, sem informar e pedir o consentimento do titular dos dados.

Mas não é apenas o SERPRO que pode estar utilizando indevidamente os dados coletados.

Será que a Receita Federal também tem autorização para vender dados pessoais que foram informados por pessoas e empresas devido a obrigação legal de declararem imposto de renda ou pagarem impostos, por exemplo?

Vai ser muito interessante acompanhar esse processo, saber quais os parâmetros usados para a avaliação de risco institucional e/ou individual da pessoa física ou jurídica, e se os dados e informações são usados para a finalidade que se destina e ao fiel cumprimento de políticas públicas, conforme prevê o art. 4 da Portaria.

A ANPD publicou uma nota oficial informando a instauração de um processo administrativo de fiscalização da referida Portaria.

Talvez esse seja o melhor momento para se investigar e tornar público em quais bases legais e finalidades o SERPRO trata cada um dos dados pessoais dos serviços oferecidos, se existe transferência internacional de dados e se de fato está em compliance com a LGPD.

*Carmina Hissa, sócia fundadora de Hissa & Galamba Advogados. Professora de Direito Digital desde 1997. Especialista em Direito Cibernético e em Privacidade e Proteção de dados. Data Protection Officer-DPO.