Dá para acreditar que as redes de farmácias e drogarias queiram defender os interesses dos titulares de dados pessoais? Ou que a indústria de máquinas e equipamentos e também a de Comércio Eletrônico tenham o mesmo objetivo? Para a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) dá. Tanto que inseriu as duas, além de outras entidades notadamente empresariais, no edital nº2 que visa escolher os representantes das “Organizações da Sociedade Civil com Atuação Comprovada em Proteção de Dados”.
Nesse edital, os candidatos a representantes da Sociedade Civil que nitidamente estariam do lado dos titulares dos dados e não necessariamente em defesa das empresas encontram-se em minoria. Por exemplo, organizações como o ITS (Instituto de Tecnologia e Sociedade) e o Data Privacy Brasil de Pesquisa, estão disputando a primeira das três vagas e ainda terão de enfrentar sozinhas o lobby das seguintes organizações empresariais: ABCOMM – (Comércio Eletrônico); ABINC ( Internet das Coisas); ABRAPP (Previdência Complementar – Planos de Saúde).
Na segunda vaga destinada às “organizações da Sociedade Civil com atuação comprovada em proteção de dados pessoais”, o Instituto ALANA – uma ONG de impacto socioambiental para as crianças – irá enfrentar as seguintes entidades empresariais: ABF (reúne empresas de Franchising); ABIMAQ (Indústria de Máquinas), ABMES (Faculdades e Universidades particulares); ABRAFARMA (redes farmacêuticas e drogarias); 12AI (associação internacional de Inteligência Artificial).
Também disputa a segunda vaga a gov.Dados – uma associação criada com o objetivo de congregar profissionais da área de privacidade de dados que se relacionam ou trabalham com o poder público.
Há ainda uma espécie de “conflito de interesses” nessa representação empresarial que busca a segunda vaga do CNPD. A advogada especialista em Direito Digital Patrícia Peck não apenas defende os interesses dessas associações notadamente empresariais, mas também usa a força política delas para entrar como representante do “Istart – Instituto Internet no Estado da Arte”.
O “Istart” foi criado por Patrícia em 2010 com o objetivo de “difundir a cultura e a educação digital de jovens em todo o país, buscando assim contribuir para o desenvolvimento de uma sociedade tecnológica consciente, ética e segura, pautada pela Cidadania Digital”. Ficou muito claro que, desde que a advogada consiga estar no CNPD, tanto faz se representará os interesses das empresas que apoiaram o seu nome ou da sua própria ONG.
Já para a terceira vaga no edital nº2, que visa nomear representantes da Sociedade Civil, o fato curioso é a presença da Sociedade Brasileira de Computação (SBC), que embora seja uma sociedade científica sem fins lucrativos, tem por objetivo “fomentar o acesso à informação e cultura por meio da informática, promover a inclusão digital, incentivar a pesquisa e o ensino em computação no Brasil, e contribuir para a formação do profissional da computação com responsabilidade social”.
Talvez fosse mais apropriado inseri-la no edital nº3, voltado para a escolha dos representantes das “Instituições Científicas, Tecnológicas e de Inovação”. Mas dá para passar despercebida essa migração. Os demais candidatos são o Instituto de Pesquisa em Direito e Tecnologia do Recife (IP.rec) e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.
Caberá à Casa Civil definir o processo de composição do Conselho dentro da ANPD. A julgar pela disposição de lidar com o assunto – há sete meses ainda não foi sequer nomeado o novo presidente do CNPD, designação que fica à cargo deste órgão vinculado à Presidência da República – não se espera alguma atuação mais criteriosa da Casa Civil na escolha dos nomes.