Por Jeovani Salomão* – Uma pesquisa social, para ter validade científica, precisa cumprir um conjunto rigoroso de critérios. Há cuidados relativos à amostra, grupos de controle, metodologia de aplicação dos questionários e vários outros fatores.
Com a pandemia, veio a prática de aulas on-line, e eu, na condição de pai de 5 filhos, fiquei curioso para saber qual o impacto educacional do processo. O ideal seria realizar uma pesquisa formal, no entanto, conforme já mencionei, tal intento exigiria um esforço compatível com as teses de mestrado e doutorado que, com certeza, vão surgir em breve sobre o tema. Diante do quadro, limitei-me a fazer algumas perguntas para as minhas filhas, uma vez que o Henrique, meu único filho homem, não teve a experiência de vivenciar este tipo de ensino. Um universo restrito, em termos de rigor científico, mas muito interessante.
As perguntas foram respondidas pela Bianca, 23, estudante de medicina, pela Luíza, 18, que concluiu o ensino médio em 2020, pela Gabriela, 15, cursando o primeiro ano do ensino médio e pela Camila, 12, no sétimo ano do ensino fundamental. Nenhuma delas viu a resposta das outras e não conversaram entre si antes de responder, de forma que as eventuais influências nas opiniões, caso tenham ocorrido, foram anteriores ao questionário.
Como está sendo sua experiência de aula on-line?
Bianca: Não consegui me adaptar 100% na faculdade, mas acho que por conta da metodologia que é diferente da que estudei a vida inteira.
Luíza: Felizmente ou infelizmente, não estou tendo aulas neste momento, mas devo compartilhar então da minha experiência com as aulas que tive no ano passado e foi horrível. Não consegui acompanhar muito bem nem um dos conteúdos e, além disto, estar em casa era uma grande distração! Sempre coisas melhores para fazer do que ver aula…
Gabriela: Ruim.
Camila: Difícil.
- Quais são os pontos positivos da aula on-line? E os negativos?
Bianca:
Pontos positivos: você não perde tempo com deslocamento, dá para reassistir as aulas aceleradas porque ficam gravadas, maior flexibilidade
Pontos negativos: fico mais acomodada porque sempre posso ver depois, é MUITO cansativo passar o dia todo no computador, bem mais desgastante e rendo menos porque canso mais rápido (por causa das telas), tenho tido dor de cabeça acredito que pelo mesmo motivo (telas), perde-se muito na interação aluno professor quando os grupos não são muito pequenos, perde-se na troca com os outros alunos, é mais fácil perder o foco e a atenção e a qualidade da conexão com a internet influência muito.
Luíza:
Pontos positivos: Para o envio dos trabalhos e organização deles, esse modelo on-line é melhor.
Pontos negativos: Muitas distrações, falta do contato com os amigos presencialmente, dificuldade de uma comunicação melhor com o professor.
Gabriela:
Ponto Positivo: Poder acordar mais tarde.
Ponto Negativo: Ser mais difícil prestar atenção.
Camila:
Ponto positivo: É só acordar e entrar na aula.
Ponto negativo: É mais difícil de se concentrar.
- Do que você sente mais falta das aulas presenciais?
Bianca: contato com as pessoas.
Luíza: Meus amigos.
Gabriela: Poder ver meus amigos.
Camila: Dos meus amigos.
- Você está aprendendo mais ou menos que nas aulas presenciais?
Bianca: bem menos.
Luíza: menos.
Gabriela: menos.
Camila: Acho que igual.
- Conte uma história legal sobre aula on-line? e uma que você ficou triste ou com raiva?
Bianca: acho que as histórias mais legais são as gafes kkkk quando o povo deixa a câmera ou o microfone ligado sem querer e faz ou fala alguma coisa que não era para a turma ver.
Luíza: Não me lembro de uma história específica legal, mas lembro que adorava quando caia a internet do professor e tínhamos a aula liberada, eu ia direto para a cama voltar a dormir kkkk. Ah, lembrei! Teve um dia que todos os alunos combinaram de abrir as câmeras nas aulas, as reações foram lindas, os professores ficaram tão felizes!! Agora uma história triste, seria um dos desabafos de um professor, dizendo que estava sendo muito difícil para ele, a falta de contato com seus alunos e muitas vezes a falta de participação nas aulas on-line.
Gabriela: Uma legal, meu professor de química deu a aula dentro de um jogo online. Uma chata, teve um dia que os alunos do presencial estavam mexendo no celular e em todas as aulas a gente teve que ouvir os professores darem sermão.
Camila: uma legal não sei, mas é chato quando está tendo aula híbrida e os professores ficam brigando com os alunos que estão no presencial porque eles não ficam quietos.
- Se você pudesse escolher o modelo de aula que você quisesse, como seria?
Bianca: híbrido, algumas coisas específicas não precisam da interação que o presencial proporciona e é até melhor que seja gravado (e não ao vivo) para que você possa rever e adaptar na sua rotina nos horários que quiser, dá mais flexibilidade para trabalhar e estudar por exemplo. E algumas coisas precisam ser presenciais.
Luíza: Acho que o modelo que eu gostaria ainda precisa ser criado! Ainda preciso pensar nele, pois vejo muitas falhas no sistema de educação do nosso país, mas se devo escolher entre as aulas presenciais e on-line, escolho a presencial.
Gabriela: Presencial.
Camila: On-line.
Em alguns aspectos, as respostas coincidiram com minha expectativa, como, por exemplo a mencionada ausência dos amigos. Somos seres sociáveis e sentimos falta da companhia, do olhar, do toque, do aconchego, do abraço, da cumplicidade que somente se obtém quando estamos ao lado da outra pessoa. Imaginava, também, menções à dificuldade de concentração e as distrações normais provenientes do conforto caseiro. No entanto, imaginava uma adaptação mais natural ao ambiente virtual, afinal, todas elas já nasceram em uma fase digital. As mais novas ainda mais digitais que as mais velhas.
Três, das quatro, acreditam que estão aprendendo menos agora do que antes. Mesmo que isto não seja uma verdade absoluta, inclusive porque a avaliação sobre o aprendizado realmente adquirido somente poderá ser feita de forma mais segura daqui a alguns anos, o fato de a crença estar presente é algo preocupante. A despeito das dificuldades metodológicas, práticas e de adaptação, as aulas virtuais oferecem oportunidades incríveis, como o fato de o estudante poder fazer pesquisas, de forma simultânea à aula, na internet, sobre tópicos específicos ou mesmo curiosidades a respeito do conteúdo ministrado. Ter acesso posterior ao material gravado é outro benefício, o aluno pode estudar e recapitular quantas vezes for necessário para sanar suas dúvidas. Em síntese, tenho a convicção de que as pesquisas futuras sobre o tema vão convergir para equiparar, sem grande margem de diferença, as dificuldades e as virtudes do ambiente on-line, motivo pelo qual precisamos trabalhar como as nossas crianças para derrubar a tese do menor aprendizado neste modelo.
Não posso afirmar o corrido em termos gerais na sociedade, mas em nossa casa houve um enorme benefício, cuja menção esperava de todas as filhas, a despeito de nenhuma ter citado: a maior proximidade da família. Para não ficar apenas como especulação, imaginação ou vontade da minha parte, termino por aqui meus escritos para perguntar a elas se eu tenho ou não razão.
P.S.: Após conversar com as filhas, compreendi que apesar delas considerarem que este período de maior presença em casa foi extremamente positivo para a convivência familiar, estranhamente, nenhuma delas fez conexão com as aulas on-line!
*Jeovani Salomão é fundador e presidente do Conselho de Administração da Memora Processos SA e ex-presidente do Sinfor e da Assespro Nacional.