A próxima sessão plenária do TCU promete ser imperdível. Ficará exposta a insatisfação da casa com a “tropa de choque do 5G”, que atropelou todos os procedimentos conferidos a um organismo de controle, ao desconsiderar pareceres que apontaram para uma série de irregularidades num edital de venda de frequências elaborado pela Anatel. Um edital que estima investimentos futuros no Brasil da ordem de R$ 45 bilhões.
Essa insatisfação deverá vir pelo voto do ministro Aroldo Cedraz (foto), que foi “tratorado” pelos seus pares num procedimento corriqueiro da casa, até então nunca contestado: prazos de pedidos de vista em processos.
Cansei de ver ministros do TCU atrasando a conclusão de processos em até 60 dias, prazo máximo estimado pelo tribunal, sob alegação de que precisavam “fundamentar mais o seu voto”.
No caso de Cedraz, pela primeira vez, esse prazo foi desconsiderado, sob o argumento de que o “Brasil não pode perder essa janela de oportunidade de investimentos proporcionada pelo 5G”. Ora, senhores ministros do TCU, o Brasil vem perdendo “janelas” na Ciência e Tecnologia há anos!
Estamos vendo agora mesmo com a pandemia do Coronavírus, por exemplo, que o Brasil, embora considerado mundialmente como “expert” em vacinação em massa, não tem uma única fábrica para a produção de insumos para vacinas.
Na tecnologia móvel 5G essa “janela”, senhores ministros, está escancarada há pelo menos uns 50 meses, sem que ninguém deste governo tenha se mexido para olhar através dela. Portanto, não seriam 30 ou 60 dias que ela estaria “em risco”.
Essa desculpa para a pressa é muito interessante vinda da parte do TCU. Cedraz ficou apenas com uma semana para proferir o seu voto, não teve direito nem ao prazo mínimo regimental de 20 dias.
Foi tratado de forma desigual pelos seus pares, se comparado ao que ocorreu na Anatel. Na agência reguladora quando o edital estava para ser votado no dia 1º de fevereiro deste ano, o presidente Leonardo Euler de Morais entrou com um pedido de vista. E não foi contestado pelos demais conselheiros da agência. Ganhou 23 dias para apresentar o seu voto, o que ocorreu no dia 24 daquele mês.
Perde-se “janelas de oportunidades”, quando não se tem gente preparada para apreciar a paisagem ou, quem sabe, por má-fé. Os auditores deixaram claro que essa “janela do 5G” está escancarada demais. Alguém será responsabilizado no futuro por deixá-la assim. Espero estar vivo para assistir a isso.
Querem exemplos de janelas de oportunidades desperdiçadas por este país, senhores ministros do TCU?
Perdeu-se lá atrás, por exemplo, uma fábrica de semicondutores da Intel no Brasil. Porque nenhum burocrata foi capaz de entender o alcance da proposta da fabricante para a implantação dela. Outro exemplo mais recente e também está passando agora pelas mãos dos senhores: o desmonte da pequena estatal de chips Ceitec ocorre justamente num momento de crise na indústria mundial derivada de uma pandemia.
Chega a ser curioso ver essa pressa num tribunal que na mesma semana publicou a movimentação de um processo de tomada de contas que é de 2012. E que o argumento utilizado para atropelar procedimentos investigatórios em um edital, com nítidos indícios de que algo não está cheirando bem, tenha sido justamente o do “interesse público”.
Que seja muito bem vindo o voto do ministro Cedraz, única voz que se insurgiu contra essa pressa infundada da Corte de Contas ao avaliar um processo de desestatização. Que, como tantos outros em curso neste governo, vem mostrando uma série de incongruências.
E que os argumentos utilizados por ele sejam na mesma direção do “interesse público”, só que desta vez contra a pressa em se aprovar algo mal feito, com danos futuros para o brasileiro.
*Como podem dormir tranquilos esses ministros que deixam passar brechas num edital de R$ 45 bilhões, se sabem que lá na frente há uma grande chance deles terem de punir quem se aproveitou delas. Ainda mais se foram os responsáveis por elas?