TCU investiga migração do Gov.br para a nuvem AWS

O Tribunal de Contas da União decidiu centralizar num único processo o trabalho de investigação que já vem realizando a pedido do Ministério Público Federal junto ao TCU, que visa averiguar a possibilidade de estar ocorrendo irregularidades na migração para a nuvem da Amazon Web Services (AWS), da base de dados “BRCidadão – que alimenta a plataforma Gov.br”.

O tribunal acaba de publicar o Acórdão de Plenário nº2269/2022, cujo relator foi o ministro Antonio Anastasia, no qual o processo TC-020.510/2022-5 (Representação) foi apensado ao processo TC 019.801/2022-0, que já está em andamento na Corte de Contas por inspiração do Ministério Público Federal e o relator é o ministro Vital do Rego. Pelo Ministério Público quem acompanha esse processo é o Procurador Sergio Caribé.

A tramitação do processo principal relatado por Vital do Rego vem desde o dia 2 de setembro. Diversas formalidades e atividades administrativas já foram cumpridas. Mas no campo político fica evidenciada a preocupação da direção do Serpro com esse processo de investigação. Tanto que cúpula da estatal se reuniu com Vital no dia 6 de outubro para prestar esclarecimentos da migração do Gov.br para a nuvem AWS.

O processo relatado pelo ministro Anastasia, agora apensado ao do ministro Vital do Rego, foi movido junto ao TCU pelos deputados Fernanda Melchionna (PSOL-RS) e André Figueiredo (PDT-CE) e buscava – além das investigações de possíveis irregularidades na migração da base de dados Gov.br para a AWS, sob custódia do Serpro – obter uma cautelar para suspender tal atividade. Não ficou claro no Acórdão de Anastasia se foi concedida a cautelar mas, a julgar pelo texto da decisão, não.

A migração dessa base de dados para a nuvem da AWS, em si, é estranha. Dados dos cidadãos brasileiros correm o risco de irem parar no exterior sem sequer haver a autorização dos mesmos. Trata-se de uma decisão compulsória, a alegação de que há um “consentimento” do cidadão para isso é uma falácia. Para se ter acesso aos serviços digitais da plataforma Gov.br o cidadão é obrigado a consentir. A ANPD é omissa neste caso, e a julgar pela recente decisão que tomou para investigar tema correlato, nada sairá desta nova autarquia.

Caso contrário seu acesso fica prejudicado em algumas funcionalidades, se não dispuser de uma credencial “prata” ou “ouro” concedida pelo governo. O cidadão, que paga impostos, só tem acesso aos serviços do governo se entregar seus dados para um banco ou um provedor de nuvem multinacional.

O Serpro neste caso é apenas cortina de fumaça, não tem nuvem própria; o que tem é um acordo de multinuvem com diversos provedores e atua com aquele que mais lhe interessa. Nesta caso específico é a Amazon Web Services, a queridinha deste governo em diversos órgãos federais. O processo é discricionário dele, não há competição no ambiente da estatal para a escolha da empresa com o melhor serviço.

E justamente isso é o que chama mais a atenção neste governo. Uma indagação que sistematicamente vem sendo feita por esse blog nunca foi respondida por nenhuma autoridade: Por que o governo gasta para ter duas multinuvens absolutamente iguais?

O Serpro opera no mercado como broker de uma multinuvem composta pelos provedores AWS (Amazon Web Services); Oracle; Huawei; Microsoft e IBM. E faz concorrência direta com a da Secretaria de Governo Digital do Ministério da Economia – de quem supostamente seria subordinada – e tem os mesmos provedores AWS; Huawei, além do Google. Este último já esteve no Serpro no início do Governo Bolsonaro, mas acabou escanteado pela estatal.

Há uma parceria fechada entre a Receita Federal e o Serpro, o que coloca a estatal na posição de concorrente com a SGD. A Receita simplesmente autoriza o Serpro a usar as informações de contribuintes que dispõe na sua base de dados com terceiros. Vem daí estranhos acordos com empresas de monetização de dados, que a estatal se nega a esclarecer sobre o que faz.

Nesse cenário temos coisas absurdas como, a AWS vai operar a hospedagem do Gov.br, via Serpro, ao mesmo passo em que já opera serviços de nuvem para o Ministério da Saúde; só que via multinuvem da Secretaria de Governo Digital do Ministério da Economia.