Superior, tem certeza?

Por Jeovani Salomão* – “Pare de se importar com as opiniões alheias. Se eu ouvisse tudo o que me diziam, não teria conseguido deixar de ser camelô para me tornar banqueiro.”Silvio Santos

Um atrevido parafuso, ultrapassando os objetivos de sua concepção, decidiu, de forma sorrateira, interagir invasivamente com o pneu do meu carro. Após o episódio, não tive opção; fui procurar um borracheiro. Parei na Borracharia do Ivan e, apesar dos vários trabalhadores do local, tive o privilégio de ser atendido pelo dono que, naquele dia, contava com um ajudante especial: seu neto.

Lembrei-me de quando, ainda criança, ajudava meu pai em sua oficina de conserto de eletrodomésticos, motivo pelo qual nutri uma simpatia imediata pelo lugar. Perguntei ao menino o que ele gostaria de ser quando crescesse e a resposta veio sem qualquer hesitação: quero ser borracheiro como meu pai e meu avô. Descobri, falando com o Ivan, que o borracheiro já atuava no ramo há mais de 30 anos, tinha uma filial do negócio e que o filho havia montado uma loja, com o mesmo nome, em uma cidade vizinha..

Cobrindo uma das paredes do estabelecimento, estavam várias medalhas e fotos de inúmeras cidades, refletindo a participação de Ivan em eventos de corrida de rua. Criara sua família com dignidade e, já há algum tempo, está usufruindo de certa prosperidade, podendo praticar sua modalidade preferida, viajando Brasil afora. Seu negócio, pelo visto, foi pouco afetado pela pandemia, sinal de que os parafusos que entram em pneus jamais estiveram em regime de confinamento.

Minha casa contém uma grande quantidade de madeira. Para a conservação por longo prazo, com o mesmo aspecto, beleza e funcionalidade, é necessário um tratamento regular e especializado. Atualmente, uma equipe comandada por Francisco está cuidando disso para mim, assessorado pelo filho. Eles possuem uma agenda cheia e são bastante requisitados, em função de uma experiência de diversos serviços executados com sucesso, alta qualidade e preço justo.

Nem meu pai, nem o Ivan, nem o Francisco fizerem curso superior, no entanto, conseguiram, em patamares diferentes, cumprir os seus papéis como sustentáculos de suas famílias. Profissionais com boa formação técnica são requisitados pelo mercado e, quando possuem habilidade para conduzir o próprio negócio, têm grandes chances de prosperar.

O Brasil já possui algumas entidades de excelência no ensino profissionalizante – SENAI, SESI e Senac são os expoentes– e isso pode se confirmar pelos resultados internacionais que temos obtido ao longo dos anos. Desde 1950, a International Vocational Training Organization (IVTO) promove, a cada dois anos, a competição denominada WorldSkills, que nada mais é do que um Torneio Internacional de Educação Profissional.

Os jovens competidores são selecionados em seus países, dentro das suas competências, compreendendo uma grande gama de profissões, tais quais: mecatrônica, marcenaria, web design, vitrinismo, eletrônica predial e industrial, serviços de restaurante, instalação e manutenção de redes, tornearia, mecânica de automóveis, dentre muitas outras. Desde 2007, o Brasil ocupa uma das cinco primeiras posições no ranking, sendo que em 2015 vencemos na edição realizada em São Paulo.

Participei do evento tanto em São Paulo (2015) quanto em Leipzig, na Alemanha (2013), na condição de um dos representantes da Federação das Indústrias, em especial, com foco nas competições ligadas ao setor de Tecnologia da Informação (TI). O ambiente do festival é extraordinário, pulsa um clima de competição, respeito, entusiasmo e intercâmbio. As autoridades presentes, em comitivas de diversos países, são prova da importância que esse tipo de formação recebe pelo planeta.

O desenvolvimento de qualquer vocação econômica depende de recursos humanos capacitados. Nos últimos anos, o setor de TI, apesar dos bons salários e condições de trabalho, tem sofrido para contratar e reter mão de obra qualificada. Apenas na minha empresa, em 2020, chegamos a ter mais de 50 vagas em aberto. Com o home office, não mais importa onde o técnico reside, de forma que competimos com empresas localizadas em grandes centros urbanos nacionais e internacionais. Em função das taxas de câmbio, ganhar em dólar, neste momento do tempo, é bem atrativo, assim como, para as empresas multinacionais, é bastante vantajoso pagar em dólar para profissionais de países cujas moedas estão menos valorizadas.

Tenho feito uma defesa histórica para que o Brasil se reposicione internacionalmente por intermédio de investimentos em tecnologia da informação. Uma economia baseada em conhecimento é mais próspera, mais democrática e mais independente, justamente o oposto de economias baseadas em commodities. Para tanto, precisamos, dentre vários outros fatores, qualificar a nossa população. Sempre serão muito bem-vindos os graduados, mestres e doutores, motivo pelo qual a aproximação do setor com as faculdades é vital. Mas há um grande espaço para formação de nível médio profissionalizante, técnico e tecnólogo. Assim como meu pai, o Ivan e o Francisco, o futuro pode estar repleto de especialistas, sem curso superior, que sustentam suas famílias dignamente.

Já temos as instituições de ensino, uma massa populacional adequada e, inclusive, a compreensão de governos nessa direção, tanto é assim que contamos com iniciativas como o Pronatec – Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego – e, recentemente, tivemos a reforma do ensino médio, que prestigia, mais do que o modelo anterior, a qualificação voltada para a inserção no jovem no mercado de trabalho. Dispomos, ainda, das escolas técnicas nacionais e estaduais, além dos já mencionados SESI, Senai e SENAC. Precisamos apenas de uma modificação na crença de que ter um curso superior é sempre o melhor para o indivíduo. Bill Gates, Steve Jobs, Mark Zuckerberg e Michael Dell, bilionários e ícones do setor, não ostentam diplomas da faculdade pendurados em suas paredes!

*Jeovani Salomão é empresário do setor de TICs e ex-presidente do Sinfor e da Assespro Nacional.