
O diretor de Infraestrutura de Dados Públicos, Secretaria de Governo Digital, do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, Renan Gaya, colocou lenha na fogueira da discussão sobre uma IA Soberana e Nacional. “Sim, é necessário desenvolver a tecnologia dentro do país. Mas, no artigo 69 (PL 2338/23, em análise na Câmara) há um dispositivo que nos preocupa: que diz que todos os sistemas de IA do governo devem buscar o estímulo ao desenvolvimento de IA nacional. Todos nos parece demasiado”, afirmou o diretor. Para ele, se todas as soluções do governo tiverem que aderir ao estímulo ao desenvolvimento de IA nacional, essa restrição poderá engessar o setor público.
“No estágio em que estamos, isso pode ser um entrave para adoção de IA no setor público, que precisa da tecnologia para melhorar”, destacou Renan Gaya.
As declarações de Renan Gaya foram feitas ontem (16), na Comissão Especial de Inteligência Artificial da Câmara. Ele participou da audiência pública sobre o tema: ” Sistemas de IA; IA no serviço público e em infraestruturas críticas”.
O avanço acelerado da inteligência artificial (IA) no setor público e privado tem gerado entusiasmo e preocupações em igual medida. Entre 2012 e 2024, estudos mostram que a tecnologia ultrapassou gradualmente a média humana em tarefas específicas, com uma adoção massiva pelas empresas: segundo relatório da Universidade de Stanford, 78% delas já utilizam ferramentas de IA.
Mas o mercado é altamente concentrado: em 2024, apenas Estados Unidos (40 modelos) e China (15) responderam pela quase totalidade das soluções relevantes, enquanto a França apareceu em terceiro, com apenas três.
Segundo ele, apesar da rápida expansão, os desafios são expressivos. Dados do Gartner indicam que 98% dos trabalhadores demonstram interesse em usar IA generativa, mas 72% enfrentam dificuldades práticas, sobretudo ligadas a custos — muitas vezes subestimados em testes. O resultado: mais da metade dos projetos (52%) falha antes de chegar à produção. Além disso, permanecem em debate riscos relacionados a viés, segurança, legislação, impacto social e reputação.
Setor público
Gaya informou que o governo federal vem estruturando o Plano Brasileiro de Inteligência Artificial, publicado em 2024, tendo como um dos principais eixos o serviço público, sob coordenação do Ministério da Gestão e Inovação (MGI). O objetivo é usar dados estratégicos da Infraestrutura Nacional de Dados para desenvolver soluções, capacitar servidores e criar plataformas comuns entre órgãos. O chamado “núcleo de IA do governo” reúne, além do MGI, instituições como Serpro, Dataprev, Finep, MCTI, Enap e a Universidade de Brasília.
Segundo ele, já existem 117 soluções de IA em operação no Executivo federal, distribuídas por 42 órgãos, e oito deles já implementaram políticas de ética e governança. O Brasil aparece como líder latino-americano em prontidão para uso de IA no setor público, à frente de Chile e Uruguai, segundo a Oxford Insights, mas ocupa apenas a 36ª posição mundial.
O alcance é expressivo: enquanto a declaração do Imposto de Renda envolve cerca de 40 milhões de pessoas, o Gov.br já reúne 170 milhões de usuários. “Qualquer falha em sistemas desse porte pode ter impacto significativo”, destacou.
Desafios locais e heterogeneidade
O avanço, porém, é desigual, na avaliação feita pelo diretor de Infraestrutura de Dados Públicos. Municípios pequenos já digitalizam serviços — 92% das prefeituras com até 10 mil habitantes oferecem atendimento online —, mas ainda carecem de infraestrutura de proteção de dados e segurança da informação. Entre cidades maiores, os índices de adoção tecnológica são mais robustos. Essa diversidade, alerta o governo, precisa ser considerada no desenho da regulação.
Propostas do governo
Na análise do Projeto de Lei 2.338/2023, que cria regras para o uso da IA no Brasil, o governo federal apresentou cinco propostas de aperfeiçoamento:
1 – Avaliação preliminar de risco obrigatória – deve ser simples, mas necessária para definir a carga regulatória; a metodologia deveria ser criada antes da lei entrar em vigor.
2 – Classificação de alto risco em serviços públicos essenciais – só quando houver alto grau de autonomia da IA, para evitar sobrecarga regulatória em sistemas de apoio à decisão.
3 – Explicação e supervisão humana – exigidas apenas quando a decisão for automatizada; em casos de decisão humana apoiada por IA, não haveria necessidade de revisão adicional.
4 – Governança aplicável a todos os setores – sistemas de alto risco que não possam mitigar ameaças devem ser descontinuados, independentemente de estarem no setor público ou privado.
5 – Incentivo à IA nacional com cautela – diretriz deve estar nas políticas públicas, mas não pode ser regra totalitária para todas as aplicações, sob risco de travar a adoção.
Dosimetria regulatória
Para o representante do MGI, a regulação deve equilibrar inovação e segurança, com alívio regulatório quando os riscos forem baixos e maior rigor em aplicações críticas. O conceito de “inteligência regulatória” foi defendido como forma de lidar com um ecossistema heterogêneo, que envolve desde grandes empresas globais até startups e pequenas prefeituras.
O texto também reforça a necessidade de reduzir a dependência do Brasil em relação a Estados Unidos e China, fomentando soluções próprias. Mas, segundo o governo, esse estímulo precisa ser implementado sem engessar a transformação digital do setor público.