Serpro suspende escolha de parceiro que beneficiaria empresa do grupo Softplan

A regional Brasília do Serpro deveria estar recebendo hoje (30) as propostas de empresas interessadas em fechar uma parceria com a estatal, para distribuição de uma “Solução SaaS Gestão de Processos Digitais” voltada para prefeituras e órgãos públicos em todo o país. Mas teve de suspender o processo, depois que três empresas acusaram formalmente a estatal de estar direcionando o edital para fechar a parceria com a empresa 1Doc Tecnologia, que faz parte do grupo Softplan.

As denúncias foram registradas na área que está buscando esse acordo comercial – Superintendência de Aquisições e Contratos (Sugpa). Mas também foram parar na AudContratações – unidade que verifica essas contratações em órgãos públicos, do Tribunal de Contas da União. Ainda não há um posicionamento ou decisão. Porém, numa das petições, um escritório de Advocacia alertou para a possibilidade de estar ocorrendo até “improbidade administrativa”.

Barriga de aluguel

Esse é mais um capítulo das constantes histórias que se ouve do Serpro no mercado, em que a estatal se tornou numa espécie de “barriga de aluguel”, na qual apenas entra com o seu poder de compra junto às prefeituras e órgãos publicos federais e estaduais, já que é dispensada de participar de licitações. Do outro lado, as empresas ganham quando entram para dentro dos governos em todas as instâncias com as soluções tecnológicas, sem serem obrigadas a disputar contratos com os concorrentes. Depois “racham” os valores que recebem dos contratantes públicos.

Só que nessa suposta “parceria” que estava em andamento no Serpro com a 1Doc Tecnologia, o direcionamento para essa contratação foi tão descarado, que as concorrentes decidiram por a boca no trombone. Não haveria uma razão lógica para a estatal favorecer uma empresa privada, já que ela tem as características de ser a “lider de mercado”. Provavelmente a empresa se sujeitou a isso, pelo fato de que este é o caminho mais fácil para ganhar contratos com cara de “vitalícios” em governos. Já que será o Serpro quem terá o trabalho de correr atrás das prefeituras para fechar os contratos, sem disputa de licitação, enquanto ela entra depois com a solução, com prazo de contratação a perder de vista.

“O edital em questão exige uma vasta gama de documentos e cumprimento de normas técnicas e de sustentabilidade que vão além das práticas recomendadas para chamamentos públicos similares, o que promove indícios de pretensão a atendimento de uma só contratada que possa atender tamanha complexidade do chamamento”, informa o escritório RFA Advogados, que representa uma empresa interessada no processo.

O edital, por exemplo, vedou a participação de empresas em consórcio, sem mostrar uma justificativa para a não adoção de um expediente previsto em lei. Assim como forçou as empresas a adotarem parâmetros de sustentabilidade que são fora do comum em licitações públicas. Num claro sinal de que a maioria estaria impedida logo de cara de disputar um contrato, pois este já endereçado a alguém.

E o suposto favorecimento à 1Doc poderia estar sendo discutido desde 2019, quando a empresa participou de videoconferência com equipe de uma superintendência do Serpro, privilégio que outras não tiveram ou sequer foram consultadas depois no mercado. O escritório apresentou provas dessa reunião através da agenda da própria estatal:

Além disso, o escritório apresentou dois editais, sendo uma da Prefeitura Municipal de Tietê (SP) e a outra do Consórcio Público Intermunicipal de Desenvolvimento Sustentável do Alto Paranaíba, nos quais as exigências para aquisição desta mesma solução contém textos iguais ao que o Serpro supostamente “elaborou” para chamar as empresas para o seu processo de contratação de parceria. E a 1Doc Tecnologia foi a “grande vencedora” nos dois certames.

O escritório apresentou outros exemplos de como o edital foi criado sem nenhum preocupação até de disfarçar a padronização do texto, a partir de outros documentos de processos de concorrência pública feitos por prefeituras onde a 1Doc já vem prestando o serviço. Um claro sinal de que a proposta de parceria com o Serpro seria vantajosa para ela, pois economizaria tempo e disputa com outras empresas pelo mercado público municipal, além de outros órgãos federais e estaduais.

O nível de exigência, segundo a petição da RFA Advogados era tamanho, que dificilmente outra empresa faria frente à documentação da 1Doc Tecnologia. Por exemplo: 1- Implantação e operação da Solução em pelo menos três regiões brasileiras; 2 – Implantação e operação da Solução em pelo menos 10 Estados da Federação; 3 – Implantação e operação da solução em pelo menos 100 prefeituras; 4 – Implantação e operação da solução em pelo menos 10 Autarquias, Conselhos ou Câmaras Legislativas; 5 – Possuir certificação de gestão ambiental ABNT NBR ISO 14001.

“Tal certame e uma possível contratação/parceria podem formar um monopólio de mercado que frustra a competitividade de outras empresas que operam com SaaS destinados a prefeituras no mesmo teor do objeto do edital. O Serpro ao contratar e distribuir tal solução, gera um potencial “profit share” (participação nos lucros e resultados) com uma solução privada, onde o produto desta empresa em parceria com a estatal será vendido por inexigibilidade para todas as prefeituras brasileiras e esta terá distribuição sem qualquer barreira regulatória, no caso um procedimento licitatório e terá vantagens econômicas imensuráveis perante outras empresas nacionais”, destacou o escritório RFA Advocacia, que levantou até mesmo a hipótese de estar havendo improbidade administrativa”.

  • O Texto da petição da RFA Advogados pode ser baixado no link abaixo:

https://capitaldigital.com.br/wp-content/uploads/2024/09/RFA-20240923c01_impugnacao-SEPRO_03-RICARDO-1.pdf