No último dia 30 de março o presidente Jair Bolsonaro vetou um parágrafo num artigo da chamada “Lei das GovTechs”, que impediu os órgãos da administração pública e empresas estatais, de cobrarem pelo acesso aos seus bancos de dados, das empresas que fazem mineração de dados públicos e abertos. Foi uma vitória para as empresas, sobretudo as startups, que não teriam como pagar pelo acesso às informações, inviabilizando o negócio.
A decisão foi publicada por este site, mas a Secretaria de Governo Digital e as estatais contestaram alegando que o veto presidencial não afetaria ao negócio delas. Se não afetasse, por que esse “jabuti” teria sido colocado no projeto das GovTechs quando ele tramitou no Congresso Nacional? Foi colocado justamente para dar o amparo legal de uma prática comercial que existe desde 2016, mas juridicamente é questionável.
Qual o amparo legal para estatais cobrarem pelo uso de seus bancos de dados por empresas de mineração dos mesmos?
Atualmente o Serpro atua no mercado cobrando pelo acesso a pacotes de dados apenas com base em Portarias da Receita Federal que as asseguram tal prática comercial. O acesso e a cobrança feita pelo Serpro é baseado na Portaria nº 457 de 8 de dezembro de 2016.
Que no Art. 3º diz: “o Serpro será remunerado diretamente pelos terceiros, usuários da solução de disponibilização de dados e/ou informações, de modo a ressarcir os valores necessários à sustentabilidade dos sistemas informatizados envolvidos”.
Mas qual a base legal que essa Portaria de 2016 usou para a Receita Federal autorizar o Serpro a comercializar os dados? A pista estaria no “parágrafo único, inciso I do Artigo 87 da Constituição Federal“ citada pelo fisco. Que diz apenas:
“Art. 87. Os Ministros de Estado serão escolhidos dentre brasileiros maiores de vinte e um anos e no exercício dos direitos políticos.
Parágrafo único. Compete ao Ministro de Estado, além de outras atribuições estabelecidas nesta Constituição e na lei:
I – exercer a orientação, coordenação e supervisão dos órgãos e entidades da administração federal na área de sua competência e referendar os atos e decretos assinados pelo Presidente da República;“
Ou seja, o Serpro cobra pelo acesso aos seus bancos de dados públicos, porque “Ministros de Estado” são responsáveis pela gestão das suas pastas e tem como competência “referendar os atos e decretos assinados pelo Presidente da República”.
Como não há nenhum decreto, nenhuma lei aprovada no Congresso – e apenas um veto presidencial, justamente contra essa cobrança – o Serpro está agindo no mercado com base apenas em portaria publicada pela Receita Federal.
Atualização
A Receita Federal publicou nesta segunda-feira (19), no Diário Oficial da União, mais uma nova portaria (nº 27/2021), que altera procedimentos para o Serpro disponibilizar para terceiros os dados e informações de contribuintes. E tem sido assim desde 2016 quando foi publicada a Portaria nº 457. Que “Altera a Portaria RFB nº 2.189, de 6 de junho de 2017, e autoriza o Serpro a disponibilizar acesso, para terceiros”, sobre os dados e informações das Declarações de Importação (DI ).
*Ao que parece, nem a decisão presidencial de impedir essa comercialização fará o Serpro parar de lucrar com a venda de dados de contribuintes brasileiros, sejam pessoas físicas ou jurídicas. E a estatal já lucrou R$ 128 milhões em 2020 em negócios realizados com mais de 10 mil empresas brasileiras, segundo o seu balanço do ano passado.