Renúncia fiscal de FUST para conectar escolas é um bom negócio para quem?

O Ministério das Comunicações, através do Comitê Gestor do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST), está promovendo uma renúncia fiscal que irá beneficiar empresas do setor, com a devolução de dinheiro que depositaram como contrapartida das receitas que ganharam com a prestação de serviços de Telecomunicações. A desculpa é que, graças à essa renúncia fiscal, escolas públicas serão conectadas à Internet pelas empresas beneficiadas pelo programa.

Ação questionável, já que o governo dispõe de R$ 3,1 bilhões ( a valores da época) para conectar escolas públicas, graças ao dinheiro arrecadado com o leilão do 5G. O dinheiro está encalhado na EACE – Entidade Administradora de Conectividade de Escolas, devido a uma briga entre as operadoras móveis e o Ministério das Comunicações. Até agora apenas 500 escolas teriam sido conectadas de um universo de 40 mil previstas.

Por decisão do Comitê Gestor do FUST, entidade criada para debater o uso dos recursos do fundo, que envolve governo, empresas e teoricamente Organizações da Sociedade Civil, que não tem assento lá, o governo esta devolvendo para empresas este ano 40% da arrecadação que elas fariam para o FUST, quando entrarem em programas de inclusão digital. No ano que vem esse percentual sobe para 50%.

O Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações foi criado pela Lei nº 9.998/2000 e tinha por objetivo “cobrir a parcela de custo exclusivamente atribuível ao cumprimento das obrigações de universalização de serviços de telecomunicações que não pudesse ser recuperada com a exploração eficiente do serviço”.

Ele incide 1% sobre a receita operacional bruta das empresas de Telecomunicações e de 2000 para cá a meta inicial era investir os recursos na construção de redes de telefonia fixas. Só que os anos foram passando e as redes de telefonia fixas deixaram de ser uma necessidade para o país, após a explosão das redes móveis que atendem a cerca de 250 milhões de linhas ativas.

Agora o Ministério das Comunicações conseguiu nova destinação para o uso do fundo, que no ano passado arrecadou R$ 1,3 bilhão. Criou, entre outros programas, um que visa a conectividade das escolas públicas, com garantia de renúncia fiscal de 40% do FUST para as empresas que participarem dele.

Conexão

Foi assim que este ano o ministro Juscelino Filho, das Comunicações, anunciou pela primeira vez e com festa um programa que visava conectar 37 mil escolas públicas com o apoio de empresas de Telecomunicações, que em contrapartida poderiam abater os 40% no recolhimento ao Fundo.

Após o processo de seleção, que ninguém viu, o ministério anunciou que apenas 16 mil escolas tiveram o interesse das empresas de participar do programa de conectividade à Internet. A desculpa é a de sempre: as teles só vão onde pode dar algum lucro e não precise de esforço para construir infraestrutura, além da que ela já dispõe na região.

Deste total de 16 mil escolas públicas; 13,5 mil serão atendidas diretamente pela Vivo/Telefônica; 1,7 mil escolas pela Claro; 266 escolas com a provedora de Internet regional Unifique e outras 264 com a provedora Brisanet.

Ainda de acordo com o MCOM, houve uma economia de 24% obtida com a disputa pelas empresas, que levará ao governo a aplicar uma renúncia fiscal de R$ 534 milhões, quando estipulado no primeiro edital desta modalidade estimava um desconto de R$ 701 milhões na tributação das empresas.

Custo x benefício

Os números são bastante curiosos, se levado em conta quanto cada empresa deve recolher para o FUST, em função de suas receitas operacionais brutas e quanto dizem que precisam abater para chegar à conta da conexão de escolas que escolheram.

A Vivo/Telefônica, por exemplo, em 2023 apurou uma receita operacional bruta da ordem de R$ 72,1 bilhões, segundo seu balanço financeiro. Neste caso, aplicando 1% de recolhimento ao FUST, a empresa repassou para os cofres da Anatel (leia-se Tesouro, pois a agência apenas faz o recolhimento) a quantia de R$ 720 milhões.

Como agora o Comitê Gestor do FUST autoriza um desconto (renúncia) de 40%, para quem participar do programa de conectividade das escolas, isso significa que a Vivo/Telefônica pode abater R$ 288 milhões na hora de recolher a parte que lhe cabe das receitas operacionais brutas ao Fundo (R$ 720 milhões).

Resta a dúvida: os R$ 288 milhões de renúncia da Vivo/Telefônica serão aplicados integralmente pela operadora/concessionária em 13,5 mil escolas públicas nas áreas que escolheu?

Claro

Essa dúvida fica mais evidente quando comparados os números da Claro sobre renúncia fiscal em contraparte da conectividade de escolas. A Claro teve uma receita operacional bruta em 2023 da ordem de R$ 52,5 bilhões, de acordo com o seu balanço financeiro. Aplicando a contribuição de 1% para o FUST, a empresa terá de recolher R$ 525 milhões.

Com a permissão do Conselho Gestor do FUST de abater 40% da contribuição à título de renúncia fiscal do programa de conexão das escolas, a Claro terá o benefício de abater R$ 210 milhões. A Claro ficou com o encargo de conectar 1,7 mil escolas públicas. Vai precisar de R$ 210 milhões para isso, considerando que a escolha foi em sua área de cobertura?

Os números de renúncia fiscal de FUST da Vivo/Telefônica e da Claro não batem com as necessidades de investimento em redes que farão nas escolas públicas. Alguém está lucrando com o programa, se não forem as duas, guardadas as suas proporções de conectividade.

Neste caso, foi um bom negócio para elas deixarem de contribuir para o FUST, pois o dinheiro que gastaram no recolhimento ao fundo, parte está retornando limpinho para elas.

Qual a governança?

Este blog solicitou o edital, termo de referência e a relação das escolas publicas que serão atendidas pelas empresas ao Ministério das Comunicações, que se negou em responder à demanda. Nem mesmo o link onde foram armazenadas as informações foi fornecido.

Como não se tem acesso à proposta de programa criado pelo ministério e aprovado pelo Comitê Gestor do FUST, que é controlado pela Secretaria de Telecomunicações, não se sabe como será feito o acompanhamento da instalação dessa rede escolas à Internet. Por que esconderam tal informação, que deverá estar prevista em edital? O que não está claro, por exemplo, é qual o custo médio para conectar escolas em função das regiões do país, entre as empresas. Pela discrepância apresentada no desconto de 40% e o volume de escolas, ao que parece conectar escolas pela Claro sairão muito mais caro que na Vivo/Telefônica. Por que?

Essa é uma resposta que o TCU deveria cobrar do ministério, tal como faz quando se trata de apurar os custos de construção e restauração de rodovias. ao DNIT. Sem informações claras do MCOM, o que parece é que tem alguém enrolando no projeto. Isso, sem contar os dois provedores que este blog não conseguiu informações financeiras para comparar.

*Chama a atenção, também, que o Ministério das Comunicações esteja fazendo essa cortesia para as empresas, quando neste primeiro semestre a pasta alegou que não tinha recursos para cobrir os custos da Telebras no programa GSAC (Governo Eletrônico, Serviço de Atendimento ao Cidadão) e foi obrigado a suprimir 10 mil pontos de conexão. Destes, cinco mil atendiam escolas públicas.