
A história é incrível, ainda mais em se tratando do Partido dos Trabalhadores, mas está ocorrendo nos bastidores do Serpro. Numa reunião da Diretoria Executiva realizada nesta segunda-feira (13), foi tomada a decisão de demitir cerca de 800 trabalhadores no Serpro “em razão da obsolescência das atividades do cargo”, segundo informa nota oficial distribuída internamente pelo comando da estatal. A decisão não foi unânime e acabou sendo tomada com o “voto de minerva” do diretor de Novos Negócios, André Agatte (paletó azul), já que o presidente do Serpro, Alexandre Amorim, tirou férias. Supostamente para ganhar sobrevida no comando da estatal, onde já estaria com a substituição definida pelo governo, para atender a um pedido do Centrão.
O mais incrível nessa nova confusão interna na empresa pública, seria o fato da empresa estar convivendo com essa suposta “obsolescência” desde 2011, ou seja: há mais de 14 anos (isso considerando apenas o tempo em que os executivos precisaram avaliar a situação, que remonta contratações feitas no Serpro antes da Constituição de 1988).
Somente agora é que a direção entendeu que chegou a hora de demití-los por não atenderem mais aos interesses da estatal. São pessoas que entraram para os quadros da empresa como “digitadores” e uma boa parte foi trabalhar para a Receita Federal. Profissão que, de fato, hoje não mais existe. A decisão tomada agora pela direção do Serpro, entretanto, não atingirá os trabalhadores que ainda permenecem vinculados ao fisco. Apenas aqueles que trabalhavam na área meio da estatal ou que teriam retornado para a empresa após dispensa da Receita, é que serão atingidos com a demissão.
“A situação de obsolescência do cargo remonta a 2011. Na Reunião da Diretoria Executiva nº 04/2011, realizada em 16 de março de 2011, foi deliberado que “a Diretoria do Serpro decide, de forma irrevogável e irretratável, declarar abstenção administrativa de futuras contratações do cargo de Auxiliar”.
Sim, há uma decisão tomada pela Diretoria Executiva (nº 04/2011), realizada em 16 de março de 2011, de não contratar mais “auxiliares” para os quadros da empresa. Mas em nenhum momento a demissão dos trabalhadores terceirizados e que já ocupavam vagas no Serpro foi cogitada. A atual diretoria do Serpro fez transparecer ontem em sua nota oficial, de que a demissão foi aprovada em 2011 e que apenas estaria agora cumprindo essa determinação.
A decisão de 2011 – de impedir novas contratações de “auxiliares” foi uma imposição do Ministério Público do Trabalho, que não aceitava as contratações no Serviço Público sem a realização concurso. O Serpro na época assinou um “Termo de Conciliação Judicial” com o MPT no qual a empresa se comprometia em regularizar o quadro de funcionários, acabando com as terceirizações.
A conduta da empresa mereceu até elogios na época, da procuradora que estava à frente desse processo: “É um avanço e demonstra que o Serpro está disposto a observar a importância do concurso público”, resumiu na época a procuradora do Trabalho Ludmila Reis Brito. Isso inclusive foi registrado em nota oficial divulgada naquele período pela Imprensa do Serpro, com base em matéria publicada pelo jornal Correio Braziliense:
Dois PTs
A nova posição comunicada ontem pela diretoria do Serpro expõe a briga interna que existe entre duas facções do PT pelo controle da estatal, que começou ainda na época da transição do Governo Bolsonaro para o terceiro mandato de Lula.
O PT de São Paulo, empoderado com a presença do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e contando com o apoio do então ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, passou a controlar os comandos do Serpro e da Dataprev, deixando de fora outras tendências do partido nos demais cargos de direção. Principalmente a ala do PT apoiada pela base sindical e o setorial de TI.
A partir daí as brigas se intensificaram, ao ponto do Serpro levar quase dois anos para preencher todos os cargos de diretoria. Quase todos os nomes indicados para a empresa, se não contassem com o apoio de Padilha acabavam sendo vetados.
Na indecisão do PT, outras legendas do Centrão que apoiam o governo no Congresso Nacional passaram a olhar para as vagas ainda em aberto na estatal. E, ao tomarem conhecimento de que além dessas vagas em aberto, a atual direção também não contava apoio integral no PT, parlamentares do Centrão, entre eles o presidente do Congresso, Davi Alcolumbre, passaram a entrar na disputa pelo comando da estatal.
Nos bastidores é dado como certo de que o presidente, Alexandre Amorim, será substituído por um nome apoiado por Alcolumbre e pela senadora Professora Dorinha (União-GO), primeira vice-líder do Bloco Parlamentar Democracia, que tem votado com o governo em pautas pontuais.
O nome indicado pelos dois para ocupar a presidência no lugar de Amorim é o do atual diretor de Operações, Wilton Motta. O PT paulista não conseguiu até agora impedir essa nomeação, pois Wilton é funcionário no Serpro e já ocupou postos de direção, estando plenamente habilitado ao cargo.
É em meio ao fogo cruzado petista que os 800 trabalhadores, que já viviam a humilhação de serem considerados “carreira em extinção”, correm o risco de serem sumariamente demitidos. Fica a indagação: se não são mais necessários por serem “obsoletos”, então o que faziam no Sepro nestes últimos 14 anos?
Com toda a certeza, sentados de papo para o ar é que não estavam. Alexandre Amorim, que entrou de férias para dar tempo ao seu grupo político de tentar reverter a sua demissão, precisa explicar qual a real situação desses trabalhadores dentro da empresa.