*Reportagem de Matheus Leitão e Rodrigo Haidar, iG Brasília
Os contratos de informática eram, de acordo com o inquérito da operação Caixa de Pandora, a principal forma de desvio de dinheiro público do Governo do Distrito Federal. Um vídeo inédito do ex-secretario de Relações Institucionais do GDF Durval Barbosa, delator do escândalo, revela como funcionava a suposta corrupção nesses contratos. Mostra ainda o total desrespeito ao princípio constitucional da isonomia durante a licitação para contratar uma prestadora de serviços tecnológicos do governo.
Um dos artifícios usados pelo GDF para desviar dinheiro público era fazer aditivos contratuais após o fechamento do negócio. As empresas que iriam vencer as licitações eram previamente indicadas e, de acordo com os investigadores, tratava-se de um jogo de cartas marcadas. O novo vídeo obtido com exclusividade pelo iG é um exemplo disso. Assista abaixo:
De acordo com a Polícia Federal e o Ministério Público, o vídeo foi entregue às autoridades por Durval Barbosa, ex-secretário de Relações Institucionais e pivô do escândalo do DF, em um CD identificado com a inscrição Agenor/Fábio Simão. Foi gravado no dia 6 de novembro, no gabinete de Durval e faz parte do inquérito 650.
Na conversa, o representante de empresas de informática Agenor Damasceno Beserra trata dos detalhes de uma licitação, dizendo quem irá ganhar a disputa e como deve ser feito um aditivo de R$ 4 milhões. Questionado por Durval Barbosa, Beserra confirma que é Fábio Simão, ex-chefe de gabinete do governador preso e afastado José Roberto Arruda, que quer a liberação do contrato e o aditivo.
O vídeo mostra Agenor Beserra dizendo que o contrato será fechado com a segunda colocada na licitação, a empresa de gestão e tecnologia Sofhar. A licitação, para a contratação de serviços informática, foi aberta pela Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda (Sedest) em 2008. Mas o resultado a que se refere Beserra só acontece quatro dias depois da gravação (leia aqui), dia 10 de novembro, com a desclassificação da primeira colocada na disputa.
Agenor Beserra diz a Durval que, cerca de dois meses depois do fechamento do contrato, teria de ser feito um aditivo do qual sairiam R$ 4 milhões que seriam usados para pagar uma pesquisa de campo com as famílias beneficiadas pelo programa de transferência de renda da Sedest – objeto inicialmente estranho ao contrato. Beserra supõe, no vídeo, que o negócio é feito com o conhecimento do governador. O contrato é de cerca de R$ 18 milhões, informa ele a Durval.
Na conversa (veja alguns trechos), Durval pergunta ao empresário: “No caso do Fábio, do Fábio Simão, ele quer que você libere, ele quer liberar o contrato?”. Beserra responde: “Quer, sim senhor”. A conversa segue:
Durval – “Mas quem é que libera? Ele ou o Arruda?”
Beserra – “Ele deve estar falando do Arruda, né? Aí libera o contrato, aditiva esse contrato…”
Durval – “Esse contrato é o contrato da Sedest, né?”
Beserra – “É, sim senhor. Aí libera pro segundo colocado, não pro primeiro, né”.
Durval – “Que é o Gerar… A Sofhar”.
Beserra – “A Sofhar. É, sim senhor”.
Durval – “E depois?”
Beserra – “Aditivar o contrato. E contratar esse Paulinelli”.
Durval – “Mas como é que vai aditivar o contrato no início do contrato?”
Beserra – “Não. Depois de um mês ou dois”.
Em outro trecho da conversa, Beserra fala de novo para Durval qual será o valor do contrato e de quanto deve ser o aditivo. E emenda: “Mas também não tiro um centavo do que é nosso porque o senhor sabe… Tá tudo muito apertado”. Ouvido pelo iG, o representante de vendas não soube explicar a que se referia quando disse que não tiraria “um centavo do que é nosso”. Mas afirmou que estava ali fazendo um favor para Durval Barbosa, nada mais.
A reportagem do iG teve acesso ao processo de licitação do qual Durval e Beserra tratam na gravação. A empresa Sofhar, segunda colocada na licitação, venceu a disputa da maneira que foi tratado no vídeo. A primeira colocada, Fundação Israel Pinheiro, foi desclassificada e o pregão reaberto quatro dias depois da conversa.
O contrato ainda não foi fechado porque o resultado da licitação foi revogado no último dia 4 de fevereiro, sete dias antes de Arruda ser preso. Um recurso da empresa Sofhar contra a revogação da licitação está em análise na Central de Compras do Distrito Federal. Os investigadores suspeitam que, ao saber do vídeo gravado em poder dos investigadores, a licitação foi revogada.
História da licitação
No dia 10 de junho de 2009, a Fundação Israel Pinheiro foi declarada vencedora da licitação com uma proposta de R$ 18,5 milhões para prestar os serviços pedidos pela Sedest. Pouco mais de um mês depois, com a fundação habilitada para assinar o contrato, o ex-secretário de Planejamento do DF, Ricardo Pinheiro Penna, pediu a anulação do pregão.
O argumento do secretário foi o de que sua mãe, Maria Ignês Uchoa Pinheiro, e sua irmã, Helena Pinheiro Penna, fazem parte do conselho curador da Fundação Israel Pinheiro. Como Penna é quem responde pelas compras de serviços do Distrito Federal, havia, segundo ele próprio, evidente conflito de interesses na contratação da fundação. Em 3 de agosto, a assessoria jurídica da Central de Compras do DF anulou a licitação.
As empresas recorreram e a deputada distrital Eliana Pedrosa (DEM), que na ocasião comandava a Sedest, pediu a reconsideração da decisão – o que não é ilegal. Segundo ela, que nunca foi acusada de participar do esquema por Durval Barbosa, seria muito mais oneroso para os cofres públicos iniciar nova licitação do que corrigir a primeira. Barbosa implicou, em depoimentos, diversos colegas de Eliana.
Em novembro do ano passado, depois de diversos recursos das empresas serem rejeitados, o ex-secretário Ricardo Penna decidiu levar em conta os argumentos da Secretaria de Desenvolvimento. Resultado: a Fundação Israel Pinheiro foi excluída da corrida pelo contrato no dia 10 de novembro. Ou seja, depois de Beserra e Durval acertarem que a segunda colocada levaria a licitação. Em seguida, as empresas remanescentes foram convocadas para a reabertura das negociações.
Em 8 de dezembro, a Sofhar venceu o pregão. Vinte dias depois, foi lavrada a ata que a declarou vencedora da licitação. Exatamente como foi tratado no gabinete de Durval. No portal de compras do governo do DF, há o resultado da licitação da qual a empresa saiu vencedora com uma proposta de R$ 17,8 milhões.
A empresa apresentou a documentação e foi habilitada para a assinatura do contrato, mas a licitação foi novamente anulada. Desta vez, por força de um problema legal. O governo sustentou que a licitação não se enquadrava na modalidade de pregão porque não se tratava de compra simples. A Sofhar contestou o argumento e o recurso aguarda análise da assessoria jurídica da Central de Compras do DF.
“Não estamos envolvidos”, diz dono de empresa
Procurado pela reportagem do iG, o diretor-presidente da Sofhar, Wilmar Prochmann, negou com veemência que a empresa tenha participado de qualquer negociação para ganhar a licitação, mesmo ficando em segundo lugar. “Não estamos envolvidos. Nós participamos regularmente do processo de concorrência desde o seu início, no dia 10 de dezembro de 2008. Não houve qualquer irregularidade por parte da empresa, nem a combinação de qualquer resultado”, afirmou.
Prochmann disse que não conhece Agenor Damasceno Beserra: “Não sei quem é esse senhor. Nunca o vi, nem mais gordo, nem mais magro. Não dei procuração para ninguém, não tenho representação em Brasília. Não faço ideia de quem seja. Ele não tem procuração, nem autorização para falar em nome da Sofhar, que está no mercado há 24 anos”.
O diretor da empresa afirmou, ainda, que fica “muito preocupado” com o fato de “ficar exposto sem nem ao menos ter conhecimento disso”. Ele disse que nunca tratou de qualquer aditivo contratual e só tomou conhecimento da existência desse vídeo e da conversa entre Beserra e Durval quando procurado pelo iG. “A licitação se iniciou muito antes dessa tal negociação e estávamos participando dela desde o começo. Se estava tudo combinado, por que a licitação foi revogada? Por que eu não levei?”, questionou.
O empresário nega qualquer envolvimento no caso: “Depois que a licitação foi reaberta houve uma negociação de preço de quase duas semanas com o pregoeiro. Chegamos inclusive a manifestar nosso interesse em não mais participar do processo. Mas o pregoeiro insistiu para que continuássemos porque isso atingiria 140 mil famílias de Brasília etc. Essa acusação expõe o nome de uma empresa que não participou e não participará de nenhuma negociata”.
Também procurado pelo iG, Agenor Beserra disse que nunca teve qualquer relacionamento com a Sofhar. “Pediram no gabinete do doutor Durval para que eu olhasse um processo e eu dei meu parecer. Iriam substituir, modernizar o programa de cadastramento das famílias sem fazer o necessário recenseamento em um caso desses. Eu, então, opinei que deveria ser feito um aditivo para fazer a pesquisa com essas famílias”, disse.
Beserra disse que nunca esteve com Fábio Simão, mas não explicou os motivos de ter falado em nome dele, como mostra o vídeo. “Não conheço o Fábio Simão, nem o governador Arruda. Não tenho qualquer relação com eles. Não sei explicar, assim como não sei por que falamos de algo que aconteceu depois. Achava que já tinha acontecido”, diz.
Agenor Beserra não deu explicações sobre o fato de, enquanto falava do valor do contrato, ter dito a Durval a seguinte frase: “Mas também não tiro um centavo do que é nosso porque o senhor sabe… Tá tudo muito apertado”. “Não sei por que disse isso. Vou me dar o benefício da dúvida”, afirmou ao iG.
A reportagem do iG quis mostrar o vídeo a Beserra para que pudesse esclarecer os fatos, mas ele não quis ver a gravação. “Vai me fazer mal. Não sei por que eles estão fazendo isso comigo, mas sou um homem de bem, que vive uma vida simples. E vou abrir minha vida para quem estiver investigando o caso se for chamado, para verem que não participei de nada”, concluiu.
A deputada Eliana Pedrosa afirmou, por sua assessoria, que, apesar da licitação ser na Sedest, era a secretaria de Governo quem controlava as licitações. O governo do Distrito Federal afirmou, por meio de sua assessoria, que não comentará o novo vídeo publicado pela reportagem. Procurado pelo iG, Fábio Simão não retornou as ligações.