Produtividade em foco: Os limites legais do monitoramento no home office

Por Rafael Mosele – A demissão de cerca de mil funcionários do Itaú Unibanco, sob a justificativa de suposta baixa produtividade em regime de home office, reacendeu o debate sobre os limites do monitoramento digital nas relações de trabalho e o papel da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) nesse contexto.

Segundo o Sindicato dos Bancários de São Paulo, os desligamentos se basearam em registros de inatividade nos computadores corporativos, como ausência de digitação ou uso do mouse por períodos prolongados.

Em nota, o banco afirmou que os cortes não decorreram de uma reestruturação, mas sim por “baixa aderência ao home office” e por “padrões incompatíveis com nossos princípios de confiança, que são inegociáveis para o banco”.

O caso rapidamente ganhou repercussão e levantou dúvidas sobre a legalidade da prática e o respeito às garantias previstas na LGPD (Lei nº 13.709/2018), especialmente no que diz respeito à coleta e ao uso de dados pessoais no ambiente corporativo.

De acordo com Célio Pereira Oliveira Neto, advogado trabalhista entrevistado pelo site O Veredito, o monitoramento de atividades laborais em ambiente remoto é permitido pela legislação brasileira. Contudo, ele ressalta que esse monitoramento deve obedecer aos princípios da LGPD, entre eles, os da finalidade, adequação, necessidade, transparência e livre acesso.

O trabalhador deve ser informado de forma clara e prévia sobre os dados que estão sendo coletados e para qual finalidade. Ou seja, é legítimo avaliar o desempenho, mas é preciso analisar “se houve invasão desmedida da privacidade e intimidade” e “se esse monitoramento é contínuo”, pontua Célio Neto.

Nessa linha, a LGPD estabelece que o tratamento de dados pessoais — o que inclui qualquer forma de monitoramento de desempenho por meio de software — deve ser fundamentado em bases legais claras e legítimas, como o cumprimento de contrato ou o legítimo interesse do empregador. No entanto, esse interesse não pode se sobrepor aos direitos e liberdades fundamentais do titular dos dados — no caso, o trabalhador.

No home office, a fronteira entre o espaço profissional e o privado torna-se mais delicada. Ferramentas que monitoram cliques, tempo de uso de aplicativos ou até mesmo fazem capturas de tela em tempo real devem ser implementadas com cautela. A simples ausência de movimentação ou cliques em uma máquina não pode ser interpretada, de forma automática, como improdutividade.

A realização de monitoramento frequente, sem transparência e além do estritamente necessário, pode violar a intimidade e a dignidade do trabalhador, contrariando os princípios da proporcionalidade, necessidade e finalidade previstos na LGPD, bem como o princípio da proteção no Direito do Trabalho, que impõe limites ao poder diretivo do empregador em respeito aos direitos fundamentais do empregado.

O artigo 6º da LGPD exige que o tratamento de dados observe critérios de proporcionalidade, sendo vedada a coleta de informações em excesso ou desnecessárias à finalidade do controle. Já o artigo 18 garante aos titulares o direito de acesso, correção e até eliminação de seus dados pessoais — direitos que devem ser preservados mesmo dentro da relação empregatícia.

Soma-se a isso que a LGPD, em seu artigo 50, orienta que os agentes de tratamento adotem regras de boas práticas e de governança que assegurem o tratamento adequado dos dados pessoais, com ênfase na transparência, mitigação de riscos e respeito aos direitos dos titulares. Normas internacionais, como a ISO/IEC 27701, reforçam esse compromisso ao estabelecer parâmetros globais para a gestão da privacidade, especialmente relevantes para organizações de grande porte como o Itaú.

As organizações devem não apenas cumprir a legislação, mas também atuar com transparência ativa na relação com seus colaboradores, informando claramente sobre qualquer política de coleta e uso de dados.

A LGPD prevê a figura do encarregado de dados (Data Protection Officer – DPO), responsável por intermediar a comunicação entre a empresa, os titulares e a ANPD, bem como por garantir que os dados sejam tratados com responsabilidade e em conformidade com a lei.

No ambiente corporativo, essa função torna-se ainda mais relevante diante do aumento do uso de tecnologias de controle remoto. Empresas que não adotarem políticas internas de privacidade, cláusulas contratuais claras e canais de atendimento ao titular correm o risco de enfrentar não apenas sanções legais, mas também perdas reputacionais significativas.

O caso Itaú mostra que, embora o monitoramento digital possa ser uma ferramenta legítima de gestão, seu uso deve ser feito com cautela e base legal adequada. A LGPD não impede a coleta de dados no ambiente de trabalho, mas exige que ela seja adequada, transparente e proporcional.

Num cenário em que o home office veio para ficar, é fundamental que empregadores invistam em políticas de privacidade internas, treinamentos sobre teletrabalho, proteção de dados e estruturação de governança de dados, a fim de evitar litígios e garantir produtividade e o respeito à dignidade dos trabalhadores.

A transformação digital das relações laborais impõe o desafio de compatibilizar a eficiência operacional com a observância da privacidade e da dignidade dos trabalhadores.


*Rafael Mosele, advogado e Head de Consultoria Trabalhista Empresarial da Célio Neto Advogados; Master of Law (LLM) pela FGV/Rio; especialista em Direito do Trabalho pelo UniCuritiba; diretor fundador e presidente da Comissão de Relações do Trabalho do Instituto Nacional de Proteção de Dados – INPD; diretor da SOBRATT – Sociedade Brasileira de Teletrabalho; membro da International Association of Privacy Professionals – IAPP; coautor da obra LGPD e Compliance Trabalhista; Coordenador e coautor do Guia de Temporalidade e Conservação, publicado pelo INPD.

Referências

BRASIL. Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).

Carta Capital. Itaú demite em massa por suposta falta de produtividade no home office, diz sindicato. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/sociedade/itau-demite-em-massa-por-suposta-falta-de-produtividade-no-home-office-diz-sindicato/

O Veredito. Monitoramento no home office: o que diz a lei sobre o caso das demissões no Itaú. Disponível em: https://overedito.com.br/seu-direito/monitoramento-no-home-office-o-que-diz-a-lei-sobre-o-caso-das-demissoes-no-itau/

ANPD. Guia Orientativo sobre o Encarregado pelo Tratamento de Dados Pessoais. Dez/2024.