Por Jeovani Salomão – Vivemos sob condições únicas causadas por um fator relativamente comum na ficção, mas que poucos acreditavam ser capaz de assolar nosso cotidiano. O fato é que a maior parte da população mundial está sob algum tipo de restrição, os mais afortunados de deslocamento, outros tantos sob risco iminente da sua estrutura financeira e, os mais carentes, com dificuldades inclusive de alimentação. Empatia, solidariedade e amor ao próximo são respostas universais nesses momentos, motivo pelo qual gostaria de predizer que haverá um aumento significativo desses nobres sentimentos, mas isso é apenas uma esperança sem viés matemático.
Tenho ouvido, dos mais diversos arautos do futuro, predições de toda ordem. Esse cenário de mudanças é propício para tanto. Em especial os ditos especialistas têm abusado da capacidade de prever o que está por vir. No entanto, criar modelos matemáticos preditivos robustos é algo complexo, principalmente quando se amplia o grau de incerteza, o que transforma tais “especialistas” em “palpiteiros” de plantão.
Sendo assim, é recomendável que você, leitor, seja um tanto cético em aceitar qualquer previsão que tenha a pretensão de invocar para si um alto grau de precisão. A única certeza é que existem muitas dúvidas sobre os anos vindouros e os impactos da pandemia na sociedade.
Como indivíduo e, eventualmente, como organização, a despeito da impossibilidade se prever com acuidade, há a premência de se planejar e de se preparar. Partir da premissa que voltaremos a ser exatamente como éramos, a meu ver, é mais arriscado que escolher algumas tendências, mesmo que incertas, e apostar nelas.
Com o objetivo de encontrar tais tendências, uma alternativa sólida é compreender alguns movimentos pré-crise que ganham força nas condições particulares atuais. Merecem destaque, tanto pela transversalidade quanto pela minha incansável crença da capacidade de transformação social, as disciplinas de tecnologia da informação.
Universalização do Acesso – Acesso é uma palavra mágica de transformação. Quanto mais conhecimento chegar aos mais carentes, maior a chance de provocarmos mudanças estruturais no tecido social. Isso significa maior investimento em Internet (por exemplo 5G, ampliação de bandas e Infraestruturas correlatas), aplicativos móveis, redes sociais, bancarização, medicina e ensino à distância, dentre tantos outros.
Realidade Virtual – Segundo a Singularity University, no período entre 20 e 30 anos vindouros, não saberemos mais distinguir realidade de realidade virtual. Com o crescimento exponencial do trabalho Home Office/Study, que não deve declinar para os volumes pré-crise, esse período previsto de 20 a 30 anos deve se abreviar. Isaac Asimov, em sua saga Fundação, primeiro livro em 1951, criou planetas, com colonização humana, nos quais a longevidade da população tinha consequências interessantes. Dentre elas redução demográfica e isolamento social. Em Aurora, um desses planetas, as reuniões já ocorriam se utilizando de hologramas (realidade virtual!).
Jogos Eletrônicos – A indústria de games movimentou mais de 120 bilhões de dólares em 2019, segundo a SuperData. Já é uma realidade, mas vai avançar muito mais. Com a ausência dos esportes, em decorrência do confinamento, os e-sports (se você nunca ouviu falar está na hora de se atualizar) estão batendo recordes. Os sites dos esportes mentais (xadrez, Bridge – meu hobbie preferido, Go, Poker e Damas) nunca tiveram números tão elevados de pessoas on-line.
Inteligência Artificial, Nuvem e Big Data – Essas tecnologias, cada qual ao seu modo, já eram prioridade absoluta de um grande número de corporações e países. Não há qualquer evidência que a crise afete negativamente os investimentos nessas áreas, muito menos qualquer cenário futuro não apocalíptico em que essas tecnologias não estejam presentes. A propósito, Inteligência Artificial tem potencial disruptivo em qualquer predição. Inteligência Artificial criando Inteligência Artificial pode levar a cenários trágicos como em Matrix ou o Exterminador do Futuro, bem como para modelos sociais extraordinários de prosperidade. Aqui cabe mais uma referência a Isaac Asimov e as suas Três (quatro) Leis da Robótica, se você ainda não as conhece, penso ser leitura obrigatória nesse campo.
Serviços Digitais ao Cidadão – Não porque deverão ser, mas porque já deveriam ter sido! Flagrante o atraso de governos nesse aspecto. O “balcão” físico já deveria ser uma exceção. Provavelmente, boa parte daqueles que estão lendo nasceram analógicos. Eu, pessoalmente, ingressei na Universidade sem mesmo saber para que os computadores serviam. Nós, nascidos analógicos e viventes digitais, presenciamos uma transformação incrível. Apesar disso, ainda aceitamos dos governos serviços que demandam nossa presença física. Mas nossos filhos não! Eles nasceram digitais e exigem serviços digitais. Que esta crise, ao escancarar as deficiências governamentais em oferecer digitalmente os serviços que a população necessita, seja propulsora de investimentos maciços, consistentes e generalizados em tecnologia da informação.
A fluidez das dinâmicas sociais pode no levar para muitos caminhos, há aqueles que garantem que o curso do rio foi afetado para sempre, outros que, gradativamente o mundo pós-crise encontrará caminhos parecidos com aqueles que seriam percorridos sem ela. A certeza é que o papel da tecnologia da informação se tornou ainda mais importante.Se você ainda procura um caminho pós-COVID, minha receita é empatia, solidariedade, amor ao próximo com pitadas e mais pitadas de Tecnologia da Informação.
*Jeovani Salomão é empresário do setor de TICs e ex-presidente do Sinfor e da Assespro Nacional.