O preço que se paga pela falta de protagonismo no digital

Sob forte pressão política das suas bases na esquerda, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve anunciar nesta quinta-feira o nome do deputado Paulo Azi do União Brasil (BA) para o Ministério das Comunicações. Que este blog teimou em informar que a pasta ficaria para o PSD, de Gilberto Kassab. Foi uma decisão política do presidente eleito após ouvir os caciques desses partidos. E o apoio de Lula levou em conta apenas uma questão que é considerada crucial para o próximo governo: votos no Congresso Nacional.

A conta é simples. Na PEC da Transição, que assegurou o Auxilio Brasil de R$ 600 reais e deu uma folga de caixa para outras atividades, Lula precisou na Câmara dos Deputados do apoio do PSD, do União Brasil e até mesmo do PP de Arthur Lira, o presidente da casa. Partidos que supostamente são da base de apoio ao presidente Jair Bolsonaro, mas conforme o dito popular “rei morto, rei posto”.

E esses partidos deram a resposta que o presidente eleito queria. No União Brasil, de Paulo Azi, que agora é indicado para o Ministério das Comunicações, 70% dos deputados votaram à favor da PEC. Nas demais agremiações os resultados foram os seguintes à favor da aprovação: PSD 84% dos deputados votaram “sim” e no PP 67%.

E Lula quer manter ao máximo esses índices de aprovação às futuras propostas legislativas do seu governo. Para tanto, negocia a participação deles no ministério. No caso das Comunicações, o presidente eleito acabou sacrificando o próprio PT que já dava como certa a indicação do deputado Paulo Teixeira (SP) para o cargo de ministro.

Reação

A decisão de Lula, que deve ser confirmada hoje, acabou gerando forte reação à indicação de um integrante do União Brasil no Ministério das Comunicações. Mais de 70 organizações não governamentais decidiram criar um manifesto, seguido de abaixo-assinado, que contém as assinaturas também de especialistas e estudiosos na área de Comunicações, protestando contra a nomeação de Paulo Azi ou a qualquer outro político de partidos de direita.

Ainda que a governabilidade seja uma questão no regime político brasileiro, não é razoável cogitar que um partido que até ontem esteve com Jair Bolsonaro controle uma área essencial ao combate à extrema direita”, declarou em nota oficial essas entidades.

Que também emendou com o seguinte argumento, para protestar contra a presença do União Brasil no Ministério das Comunicações: Saímos de mais uma eleição em que ficou nítida a influência da mídia e das plataformas digitais no debate público. A partir desses espaços, o bolsonarismo foi urdido, alcançou a Presidência da República e criou um sistema político e cultural que, à base de muita desinformação, segue ameaçando a democracia. Para mudar esse cenário, é preciso encarar as comunicações como estratégicas, não como moeda de troca política”.

A menos que ocorra uma surpresa de última hora, dificilmente Lula mudará sua decisão de indicar um parlamentar da Câmara para o cargo de Ministro das Comunicações oriundo das bases bolsonaristas. Ele não tem saída, vai precisar contar com a maioria possível de votos desses partidos para passar com folga no Congresso as mudanças que pretende fazer ao longo do seu governo.

Protagonismo

A decisão de Lula reflete um fato que vem ocorrendo desde a queda da ex-presidente Dilma num golpe parlamentar: o PT deixou de lado o protagonismo que tinha durante a sua administração federal no campo da inclusão digital e governo eletrônico. Após Dilma, o partido se omitiu enquanto força política, no debate dos principais temas que surgiram com o avanço da Internet no Brasil e no mundo. Não soube compreender as transformações decorrentes dela na vida das pessoas, embora tenha sido o precursor da digitalização quando apostou no incentivo à criação de uma infraestrutura de rede que era quase inexistente no Brasil. E incentivar a partir daí as iniciativas de acesso a serviços com o programa “E-Gov”.

Essa omissão ficou mais evidente nos últimos anos, quando o partido praticamente não tinha quadros políticos capazes de fazer o enfrentamento do debate legislativo de temas sensíveis como, Transformação Digital, Rede 5G, Proteção dos Dados Pessoais, Segurança da Informação, Compras Governamentais, comportamento das Plataformas de Internet no Brasil, Combate às fake news, etc.

O PT somente reapareceu no cenário e de forma desastrosa, com velhos quadros propagando discursos ultrapassados, na campanha da reeleição de Lula para um terceiro mandato. E chegou na transição de governo vendendo ideias como, subsídios para empresas de telefonia fazerem a universalização da Internet, reestruturação de data center, regulação da mídia sem ser claro sobre o que se quer “regular”. No relatório final foram capazes até de esquecer que dispõem de uma estatal de telecomunicações, com um satélite capaz de conectar o país à Internet. O governo que sai até soube explorar essa empresa estatal e conectou 25 ml pontos de Internet em áreas remotas do Brasil.

Curiosamente o partido tem quadros acadêmicos e nas principais linhas de frente da inclusão digital, através de organizações sociais e não governamentais, que parece não que não foram ouvidos na transição. Se defenderam propostas, estas não foram tornadas públicas, já que a transição para o novo governo comandada por Aloizio Mercadante decretou o sigilo dos diagnósticos apurados no Governo Bolsonaro.

Na nova bancada do partido que atuará no Congresso Nacional na próxima legislatura, quem teria alguma proposta de atuação sobre esses temas? Até agora não se sabe nada sobre os nomes do partido que atuarão na área. E essa questão não está restrita apenas às Comunicações. Nas últimas legislaturas o protagonismo do debate sobre o digital no Congresso Nacional ficou nas mãos do PCdoB, PDT e do PSB.

Na Ciência e Tecnologia, com exceção da breve passagem de Aloizio Mercadante no ministério durante o Governo Dilma, o PT nunca teve ou pensou em atuar efetivamente no setor. Deixou a Ciência para ser organizada pelo PSB, PMDB e até o PSD. Agora no terceiro mandato de Lula já entregou para o PCdoB o comando da pasta. Que até agora a única proposta visível apresentada foi reajustar as bolsas dos cientistas. Decisão importante, mas que não cobre todas as demandas e necessidades do setor.

As presenças agora de Paulo Azi no Ministério das Comunicações e de Luciana Santos na Ciência e Tecnologia, refletem apenas a desimportância que o PT dá para as duas pastas nos últimos de 20 anos ou mais como organismos de governo. Só têm servido para barganha política.

Não guardo expectativas positivas para a atuação dos dois futuros ministros, diante dos temas nacionais que estão na agenda do país. Mas deixo a porta aberta da boa vontade para a cobertura de ambos. Aguardarei a formação dos dois ministérios para ser mais claro na cobertura que o blog dará em ambos os casos. Os nomes que forem levados para as secretarias dessas pastas serão o indicativo, o grau de importância que o futuro governo dará aos dois setores.

*Vamos aguardar os próximos capítulos.