Por Gustavo Paro* –A pandemia global de Covid-19 tem representado um desafio e tanto para toda a humanidade em todas as suas áreas de atuação. Em algumas delas os prejuízos serão altos, e inevitáveis, do mesmo modo que, em outras, haverá ganhos advindos do desenvolvimento forçado pela nova realidade trazida pela necessidade de isolamento social e a criação de novos processos e rotinas de negócios.
É o que estamos assistindo acontecer, no aspecto econômico, com a utilização de tecnologias de Blockchain/DLT (Distributed Ledger Technology). Elas têm sido utilizadas tanto na criação de ativos digitais quanto de moedas ou tokens estáveis, com equivalência financeira em moedas soberanas.
Um caso de uso que vem aparecendo com destaque é a CBDC (Central Bank Digital Currency), que seria equivalente à criação de uma moeda soberana digital com o objetivo de trazer controle, transparência e auditoria ao processo de emissão e distribuição de recursos do Governo, para os Estados e Prefeituras, até mesmo diretamente para a população quando necessário.
Os CBDCs nos mostram uma evolução latente entre os bancos centrais de todo o mundo no estudo, teste e potencial criação destas moedas soberanas digitais. Alguns destes bancos centrais, inclusive, vêm se reunindo em consórcios desde 2015 com o objetivo de entender melhor e testar a dinâmica e o comportamento das plataformas de blockchain/DLT. É o caso, por exemplo, dos projetos Jasper (Canadá), Ubin (Singapura) e Inthanon (Tailândia).
Estas instituições seguem acompanhando de perto a evolução destas plataformas com o objetivo de, um dia, conseguirem viabilizar uma moeda digital emitida por seus respectivos governos. Quando isso acontecer, veremos uma grande aceleração dos processos de pagamentos e liquidação bruta em tempo real e de pagamentos instantâneos.
E o futuro irá além da criação e implementação de moedas digitais. Quando falamos em processos de negócios, por exemplo, o Brasil vem amadurecendo ano após ano o uso das tecnologias de Blockchain/DLT. Várias aplicações de negócios vêm sendo desenvolvidas e testadas desde 2015, no mercado público e privado, e algumas delas, como o PIER (Plataforma de Integração de Informações das Entidades Reguladoras), já estão sendo utilizadas em produção pelos reguladores para troca de documentos entre eles: Banco Central, CVM e SUSEP.
Outros exemplos são a RBSFN (Rede Blockchain do Sistema Financeiro Nacional), criado pela CIP (Câmara Interbancária de Pagamentos) aqui no Brasil, para servir como um provedor de aplicações em Blockchain para a indústria financeira; e do projeto SPUNTA, na Itália, que entrou em produção neste mês de abril, inicialmente com 32 bancos inclusos, redesenhando o processo de reconciliação dos pagamentos interbancários, e englobará em sua fase final todos os bancos italianos (link). E não apenas governos.
Alguns bancos e empresas de diversos setores da economia também têm se aventurado no uso destas tecnologias. Alguns já em estágio avançado, como é o caso do Bradesco, do Itaú-Unibanco e da B3. As instituições brasileiras fazem parte desde 2016 de um grupo de mais de 120 bancos e empresas de todo o mundo conectados à R3, empresa criadora da plataforma Corda. Desde então eles vêm desenvolvendo tanto soluções internas, quanto colaborativas entre eles e demais participantes do mercado. Um exemplo foi a aplicação “Fingerprint”, para compartilhamento informações de cadastro de clientes entre eles, respeitando as regras de privacidade. Esta solução foi apresentada durante o CIAB de 2017.
Ainda sobre as instituições brasileiras, é interessante citar o trabalho do LIFT (Laboratório de Inovações Financeiras e Tecnológicas) do Banco Central do Brasil. É uma plataforma para aceleração de projetos que promovam a inovação financeira e tecnológica em áreas específicas de interesse, como Pagamentos Instantâneos e Open Banking. Todos os anos, durante o LIFT Day, os projetos que foram escolhidos para serem acelerados, são apresentados.
Em 2019, cinco deles escolheram o blockchain como pilar dos seus projetos, sendo que quatro deles utilizaram a plataforma Corda, da R3. Alguns exemplos são o FinID, sistema de identidade soberana digital descentralizada, desenvolvido pelo CPQD; o marketplace de commodities Gavea; e o sistema de pagamento instantâneo desenvolvido pela Blupay. Todos receberam o suporte da R3, que é parceira oficial do LIFT ao lado de empresas como Microsoft, Oracle, IBM, Amazon, Cielo e Multiledger.
Do mesmo modo empresas dos setores de energia, seguros, saúde, comércio internacional, cadeias de suprimentos, agrícola e telecomunicações também estão acompanhando a evolução do blockchain/DLT, discutindo possibilidades e oportunidades de melhoria de eficiência operacional em processos de negócios, assim como de geração de novas receitas. Com a pressão criada pela pandemia, muitas destas discussões têm se acelerado.
Em quase todos os casos, temos visto o uso da tecnologia de blockchain para simplificar e resolver problemas existentes em processos de negócios atuais. Elas são utilizadas com o objetivo de trazer benefícios como a redução do tempo de liquidação destes processos, reduzindo a necessidade de conciliação e reconciliação de dados, prevenção a fraudes e melhoria da eficiência operacional dos processos, além de reduzir custos e abrir novas possibilidades de geração de receitas.
É um processo que já vinha em evolução, e ganha mais força no atual contexto. É questão de tempo – pouco – para verificarmos o impacto destes benefícios em processos de negócios e cadeias de valor.
*Gustavo Paro é diretor de vendas corporativas da R3 para a América Latina