Por Jeovani Salomão* – Meus vários amigos de universidade, em especial aqueles que se decidiram por uma carreira em áreas sem a predominância das ciências exatas, sempre nos acharam, matemáticos e afins, seres incomuns. Uso essa expressão no intuito de suavizar a terminologia realmente empregada pelos meus contemporâneos, com o objetivo de registrar as boas maneiras que possuíam, mas nem sempre verbalizavam.
Para eles, por exemplo, soava completamente estranho quando comentávamos que uma solução para um problema era elegante. Como é possível encontrar elegância em uma porção de números e letras que não guardam nenhuma correlação com a realidade? Se à época tivéssemos tido a oportunidade de estudar filosofia, teríamos um repertório mais adequado para responder à perplexidade dos nossos companheiros.
A defesa da simplicidade na explicação dos fenômenos naturais se iniciou com Aristóteles. A abordagem ficou conhecida como princípio da parcimônia, cuja representação mais comum é: “As entidades não devem ser multiplicadas sem necessidade”, que significa que qualquer elemento adicional ao estritamente necessário deve ser desconsiderado nas explicações de um fenômeno. Em outras palavras, se há mais de uma forma de provar qualquer hipótese, deve se optar pela mais simples, a que contenha um menor número de entidades. Guilherme de Occam, um frade inglês do século XIII, utilizava-se de forma tão enfática do conceito que o princípio passou a ser identificado com o seu nome. A ideia de “Navalha” veio séculos depois como analogia para indicar a necessidade de “cortar” o supérfluo.
Uma solução elegante, quando nos deparávamos com os desafios do universo dos números, era aquela que esbanjava simplicidade. A beleza e o poder de explicar muito com pouco. O princípio me acompanhou nos tempos de programação. Escrever um algoritmo elegante é justamente escrever da forma mais simples e eficiente possível. Os profissionais mais experientes da área sabem distinguir os codificadores que são competentes daqueles que não são, justamente pela clareza e eficiência das linhas de código utilizadas. Menos é mais.
Até a própria língua escrita obedece ao mesmo conceito. De certa feita, durante o período compreendido entre as guerras mundiais, dois correspondentes trocavam cartas em uma colaboração científica, que se transformou em amizade. A carta final de um deles fugiu ao padrão. O remetente soube que sua casa seria invadida e teve que fugir apressado. A missiva enviada ao amigo, após a narrativas dos fatos, tinha uma curiosa observação final: “Perdoe-me pela carta longa, não tive tempo de escrever uma curta”. Na realidade, a autoria da frase é atribuída ora à Pascal, ora à Voltaire, ora à Descartes, ora à Mark Twain. Possivelmente não é de nenhum deles.
A ideia também é extremamente poderosa quando se pensa em procedimentos organizacionais. Simplicidade e eficiência são palavras de ordem. Em linhas de produção, onde cada centavo de custo é multiplicado milhares de vezes, a parcimônia prevalece. A navalha ainda precisa alcançar com mais ênfase as demais áreas, em especial quando o cliente é o cidadão.
Ressalte-se que o princípio não afirma que apenas as soluções simples são possíveis e corretas. Há fenômenos que requerem maior complexidade para sua explicação ou tratamento. Mas se há mais de uma opção, a mais sintética deve ser adotada.
Uma decorrência do enunciado serve para quando você está buscando compreender um fato. Em geral, as explicações mais simples são as mais prováveis, motivo pelo qual as teorias da conspiração requerem cautela. Conexões mirabolantes devem ser substituídas por hipóteses mais fáceis, mais factíveis. Eu sei que é tentador imaginar que o vírus da COVID foi criado em laboratório como uma estratégia de dominação da economia mundial por parte da China, mas é muito mais provável que não.
Vale o mesmo nas relações humanas. Antes de conjecturar sobre milhares de possibilidades para explicar a reação de uma pessoa, opte pela mais singela. Pode lhe parecer que alguém mudou de comportamento com você, que está agindo de maneira estranha, que está lhe tratando de forma diferente sem motivação. É mais provável que seja uma questão pessoal do outro do que uma mudança em relação a você. Ao invés de imaginar, pergunte para a pessoa o que está ocorrendo. A Navalha de Occam nos sugere uma vida mais leve. É apenas um princípio, em termos científicos, mas para a vida deveria ser uma lei.
*Jeovani Salomão é empresário do setor de TICs e ex-presidente do Sinfor e da Assespro Nacional.