Em que pese eu elogiar a decisão da direção da Dataprev de divulgar, pelo menos até ontem, a sua agenda oficial de atividades da diretoria – enquanto o Serpro esconde a sua já há dois dias – não dá para deixar de notar e constatar que coisas estranhas começam a acontecer na área de Tecnologia da Informação e Comunicações do Governo.
Nessa agenda, do dia 13 de março, a presidente da Dataprev, Christiane Edington, participou pela manhã de uma reunião com o Secretário Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital, Paulo Uebel (foto).
A pauta desse encontro foi para discutir “Projetos Estratégicos”. Até aí, tudo bem, o governo quer estabelecer uma estratégia na área de TICs, que mal há nisso?
Nenhum. O problema não reside no encontro dos dois.
Entretanto, na lista dos demais participantes dessa reunião, causa estranheza a presença de executivos de consultorias do mercado privado, que terão acesso à uma reunião da cúpula da Tecnologia do Governo Bolsonaro, que irá discutir “projetos estratégicos”.
Segundo a agenda de ontem da Dataprev, entre as demais autoridades públicas que participaram da reunião, estiveram presentes o “Country Manager” do Gartner para o Brasil, Cesar Velloso (foto), além do Vice-presidente, César Brasileiro. Que na agenda da Dataprev foi descrito como “Vice-Presidente de Vendas de Brasília”.
A consultoria norte-americana Gartner Inc, que tem escritório no Brasil, se descreve como “líder global em pesquisa e aconselhamento de tecnologia”. Entendam que o Gartner não chegou aonde chegou fazendo caridade ou prestando esse serviço de graça. Essa consultoria cobra para fazer o “aconselhamento em tecnologia” para empresas interessadas.
Então é de se perguntar ao secretário Paulo Uebel, como ele abriu as portas de uma reunião de cúpula de governo para uma única consultoria, não por acaso uma multinacional norte-americana, interessada em saber a estratégia digital do governo brasileiro, para depois repassar essas informações estratégicas aos seus clientes?
Não há neste caso um conflito de interesses bem estabelecido entre uma consultoria internacional, que se remunera ao repassar informações e tendências para seus clientes, sobre os possíveis rumos que um ente público pretende tomar na área digital, seja em qualquer parte do planeta?
O governo pode até alegar que também é um cliente do Gartner e que se aconselha com ele sobre qual o rumo ou tendência que a Tecnologia no mundo anda tomando. Mas daí abrir as portas de uma reunião na qual nenhuma outra empresa do ramo foi chamada, para definir uma estratégia e deixá-la com informações privilegiadas no mercado isso não soa bem.
Ademais, se o governo quer se “aconselhar” sobre os rumos da TI mundial, temos algumas grandes empresas nacionais que já se tornaram multinacionais, que poderiam dar essas informações de graça e tenho certeza se sentiriam honradas por isso. Melhor ainda seria chamar, por exemplo, a Brasscom e a Assespro, que além de representar os interesses brasileiros no mercado governamental, conhecem profundamente os problemas do setor no Brasil.
Nem comento sobre a participação das teles nessa discussão, através da Telebrasil, já que este Governo Digital até agora não tocou na questão das redes de telecomunicações. E sequer a Anatel ou a Telebras são lembradas para esses encontros.
Mas para não criar caso eu até concedo o benefício da dúvida. Não tinha só o Gartner nessa reunião de governo, como consultoria voltada para as TICs, interessada em informações. Devemos lembrar que os presidentes do Serpro e da Dataprev são empresários do ramo, por hora exercendo uma atividade pública. Lembro que foram referendados pela Comissão de Ética Pública, portanto, “taoquei”.
Participaram da reunião os seguintes membros da governança digital: Gleisson Rubin, Secretário Especial Adjunto de Desburocratização, Gestão e Governo Digital, SED/ME; Luis Felipe Salin, Secretário Governo Digital, SED/ME; Caio Mario Paes de Andrade, Presidente SERPRO; Christiane Edington, Presidente Dataprev; Fernanda Tsunematsu, Assessora, SED/ME.