Nos últimos meses tenho alertado para um acordo de gaveta entre o Serpro e o Google, que vem possibilitando a multinacional entrar nos contratos do governo federal pela janela, sem passar por licitação, sem disputar com o mercado nacional pelos novos serviços. E tudo leva a crer que em breve a Amazon também estará participando dessa estratégia com serviços de nuvem para órgãos federais que desejarem migrar para sua plataforma, através do projeto “Estaleiro”, criado pela estatal.
Esses serviços de desenvolvimento de aplicativos até então eram prestados por empresas privadas ao governo federal. Mas nos últimos meses o mercado nacional passou a enfrentar a presença da estatal e das grandes multinacionais, que de forma desleal se aliaram ao Serpro para invadir os contratos governamentais sem passar por licitação.
Fornecem aplicativos supostamente desenvolvidos em parceria com o Serpro e futuramente a Dataprev, empresas que curiosamente estão na lista de privatizações do Ministério da Economia.
Conceitualmente as empresas privadas de TICs defendem as privatizações, pois vislumbravam a possibilidade de prestarem serviços ao governo. Porém agora as empresas nacionais, que apostaram suas fichas nesse governo, estão acordando para o fato de que, mesmo com as privatizações, o governo só tem olhado para as grandes multinacionais.
Neste momento, as empresas estrangeiras entram para o governo sem licitação e, em troca, ajudam o Serpro a partir para o mercado privado com aplicativos, por exemplo, de validação de informações de pessoas em transações comerciais com bancos (Datavalid).
“Não é razoável que um governo que prega o liberalismo aceite uma intervenção de um órgão estatal no nosso mercado. Quem quiser empreender e gerar empregos no setor de TIC será muito bem-vindo, mas com nossos recursos de impostos, nossos dados, querer concorrer com nossas empresas é inaceitável”, destacou Italo Nogueira, presidente da Federação das Associações das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação – Assespro Nacional.
Se valendo do fato de o Serpro não ter de disputar com o mercado privado para prestar serviços de TICs ao governo, graças à dispensa de licitação prevista pela Lei 8.666 (Lei das Licitações), o Google fechou uma “parceria com a estatal para criação do núcleo “Team Works”.
Através dele, começam a surgir contratos com órgãos federais, que não se tem ideia de quem está ganhando com isso, em termos financeiros. Isso é fato, basta olhar o contrato abaixo no qual a parceria Serpro/Google já traz resultados comerciais de R$ 7 milhões, embora não se saiba para quem, pois sem conhecimento do teor da tal parceria, quanto desses recursos ficarão com a estatal e com a multinacional?
E isto, sem levar em conta que pode estar embutido no acordo “Team Works” a liberação do acesso aos bancos de dados federais para o Google, uma empresa interessada em comercializar informações de cidadãos brasileiros.
“Era de se esperar em um momento onde a crise afeta milhares de empresas genuinamente brasileiras, principalmente as Micro e Pequenas Empresas que houvesse fomento para a superação deste momento. O que se vê, lamentavelmente, é totalmente o contrário! Empresas públicas que são modelos antieconômicos e contra produtivos para a sociedade brasileira concorrendo com quem gera renda e impostos para o país,” reagiu Christian Tadeu de Souza Santos – Presidente do SINDESEI (o sindicato que reúne as empresas de TICs do Distrito Federal). Christian também é Diretor de Articulação Política da Federação Assespro.
Posição do mercado
Contratos como esse mostram claramente que o Serpro, embora seja uma empresa estatal – cujos objetivos que justificavam a sua existência, mudaram com a reforma do seu Estatuto – passou a operar no mercado privado se valendo da Lei das Estatais e a das Licitações.
Na primeira legislação, foi aberta a brecha para acordos com multinacionais ajudarem no trabalho de desenvolvimento de aplicativos ao governo. Na outra ponta, elas entram junto com a estatal no mercado governamental sem ter de disputar licitações com as empresas nacionais.
A Assespro Nacional divulgou uma nota oficial na qual critica o avanço estatal no mercado privado. Leiam:
NOTA OFICIAL
A Federação das Associações das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação – Assespro Nacional vê com preocupação o futuro do Serpro, a maior estatal de tecnologia do país, quando sua diretoria anuncia, em entrevista à imprensa, que tem em seus planos o objetivo de captar clientes no setor privado passando dos atuais 1,3 mil para 4 mil até o final do ano que vem.
O problema vem de longe.
Desde 2012 quando entramos com uma ação direta de inconstitucionalidade junto ao Supremo Tribunal Federal contra a Lei 12.249/2010 que retirava a necessidade de licitação para a contratação de serviços de TI do Serpro por alguns órgãos do governo federal.
Agora, com o anúncio da expansão, o problema nos parece ainda mais amplificado. O plano de negócios do Serpro ameaça tirar mercado das empresas brasileiras. Trata-se de uma empresa pública e não existe, na Constituição, nenhuma previsão para que ela atue dessa maneira. É o estado trabalhando contra a sociedade usando dinheiro público para gerar lucro para si próprio tirando oportunidades da iniciativa privada.
O anúncio do plano de expansão do Serpro, aliás, vai também de encontro a um recente protocolo de intenções assinado conosco, em abril do ano passado, que previa o incentivo à interação técnica entre as instituições. O acordo visa a promoção de iniciativas que busquem a prospecção de soluções tecnológicas inovadoras para o Estado brasileiro, para os cidadãos e também para criar oportunidades de negócios entre as empresas de tecnologia da informação.
A Federação das Associações das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação – Assespro Nacional é uma entidade sem fins lucrativos, regida por seus estatutos sociais, fundada em 1976 com o intuito de representar, de forma distinta e empreendedora, empresas privadas nacionais produtoras e desenvolvedoras de software, produtos e serviços de tecnologia da informação, telecomunicações e internet. Presente em 13 Estados do país, com diretorias regionais, a entidade reúne mais de duas mil empresas dos mais variados portes.
Diretoria Assespro
Brasília, 17 de setembro de 2019
www.assespro.org.br