MEC assume controle do programa para conexão de escolas que custará R$ 8 bilhões

O ministro da Educação, Camilo Santana, decidiu jogar para o Comitê Executivo da Estratégia Nacional de Educação Conectada (Enec) – onde sua pasta é quem comanda – a discussão do modelo de conexão à Internet das 138 mil escolas públicas previstas para atendimento pelo programa. A decisão foi tomada por Camilo e anunciada pelo Twitter no último dia 7 de outubro, quando também informou que estava revogando a Portaria nº 33 publicada pelo MEC em agosto, na qual a pasta adotava a “conectividade significativa”, que estabelece a velocidade desejável nas escolas .

Na véspera da decisão do ministro – dia 6 de outubro – O Estado de São Paulo publicou uma reportagem denunciando que o governo tinha decidido beneficiar a empresa de satélites de Elon Musk (Starlink), pois seria a única a ter capacidade para atender ao requisito de velocidade de conexão para escolas previsto na Enec. O governo, ao que parece, se incomodou com as constantes denúncias que saem na imprensa sobre decisões que estão sendo tomadas no programa de conectividade na Educação.

Mas a decisão de Camilo foi acertada ou não?

Em parte foi acertada, ao desejar daqui para a frente ter o controle da discussão governamental através do Comitê Executivo da Estratégia Nacional de Educação Conectada (Enec). Uma discussão que vinha sendo realizada pelo segundo escalão do governo, as teles que venceram o leilão do 5G e a Anatel, que acabavam brigando entre si pela hegemonia do projeto.

Embora este blog entenda que não cabe apenas ao Ministério da Educação o controle dessa política pública, já que ela deveria ser conduzida conjuntamente por outras pastas – cada uma de acordo com a sua competência legal – a decisão de Camilo Santana pelo menos coloca o foco dos holofotes em cima dele como o responsável final pelo sucesso da política pública ou o eventual fracasso do projeto.

O erro de Camilo

Mas o ministro da Educação errou ao derrubar o padrão de velocidade desejável de internet para escolas que vem sendo adotado em todo o mundo e beneficiaria estudantes com uma rede veloz e de qualidade para o aprendizado. A revogação da Portaria nº33 do MEC anunciada por Camilo ainda não foi publicada no Diário Oficial da União, mas está sendo aguardada para os próximos dias.

Conectividade significativa

O padrão desejável para conexão de Internet nas escolas foi definido em 2019 a partir de discussões realizadas pela Aliança para a Internet Acessível (A4AI), da Web Foundation. Durante a Pandemia da Covid-19, resolver o problema de conectividade para alunos e professores poderem baixar conteúdos educacionais em suas casas passou a ser uma prioridade em todo o mundo. Ficou estabelecida nos debates das entidades parceiras da Unicef, da qual participou o Nic.br, que a velocidade de 1 Mbps por estudante no maior turno da escola seria a ideal.

O MEC, por sua vez, embora já debatesse o assunto internamente no governo desde março deste ano, oficialmente passou a adotar o padrão de velocidade em agosto, quando publicou a Portaria nº 33. Na época os debates sobre educação escolar via internet começaram a se intensificar no âmbito do Gape/Anatel, o grupo que definiria como e quanto iria gastar com conexão de escolas, através de R$ 3,1 bilhões do leilão do 5G.

Com base nessa “Conectividade Significativa”, a portaria do MEC tornou clara como a velocidade seria distribuída dentro da sala de aula levando em contra o número de estudantes em cada estabelecimento de ensino:

a) o link da internet deve ter velocidade mínima de 1 Mbps (megabit/segundo) por estudante no maior turno;

b) caso a escola tenha número de alunos menor que 50 estudantes por turno ou maior que 1.000 alunos por turno, devem ser respeitadas, sempre que possível, a velocidade mínima de 50 Mbps e a máxima de 1 de Gbps por escola.

Retrocesso

Ao anular a portaria Camilo pode ter gerado um retrocesso nessa discussão e mais tempo será perdido para a retomada em torno dela. A ideia da “Conectividade Significativa” já estava consolidada no Brasil e foi objeto de discussões pela equipe de transição dos Governos Bolsonaro/Lula, que chegou a recomendar essa proposta. Mas então por que Camilo Santana decidiu zerar a discussão e retomar o assunto no Comitê Executivo da Enec?

Elon Musk

A decisão pode erroneamente ter sido motivada por conta de notícias sobre um suposto favorecimento ao empresário Elon Musk com a preferência para uso dos satélites de baixa órbita da Starlink – a divisão de satélites da SpaceX. É notório que hoje somente Musk pode prestar o serviço no Brasil com esse tipo de tecnologia. E a discussão começou em março deste ano no âmbito do Gape – Grupo de Acompanhamento do Custeio a Projetos de Conectividade de Escolas, o gestor dos R$ 3,2 bilhões do 5G destinados às escolas.

De acordo com o estudo do Gape, existem no país 8.365 escolas públicas sem conexão de Internet, sendo 5.432 na Região Norte. Em áreas onde não há nenhuma infraestrutura alternativa de rede próxima à elas. Para o Gape, somente o satélite de baixa órbita poderia ser a solução para essas escolas, como infraestrutura de rede definitiva. Nessa mesma reunião, o Gape chegou a cogitar de colocar outras 40 mil escolas para atendimento por satélite, já que segundo informações do MEC elas alegaram não ter boa conexão com a Internet.

Chama a atenção que o grupo excluiu qualquer possibilidade de debate sobre o uso do satélite geoestacionário da Telebras, estatal que não foi chamada para compor o Gape e não participa de nenhum outro fórum decisório sobre educação conectada. Somente agora a Telebras terá assento no Comitê Gestor da Enec mas, mesmo assim, estranhamente dividirá espaços com a Rede Nacional de Ensino e Pesquisa, uma organização privada mas vinculada ao MCTI. A RNP terá o privilégio, enquanto entidade privada, de acompanhar todas as reuniões estratégicas do governo. Quem pariu esse absurdo que explique.

Os integrantes do Gape ligados à Anatel sustentaram que a alternativa do satélite de baixa órbita seria a ideal, pela capacidade deles poderem chegar com velocidades mínimas de 50 Mbps, o que estaria dentro do modelo de “conectividade significativa” já debatido no mundo e dentro do MEC. Satélites geoestacionários como o da Telebras perdem em velocidade porque estão a 36 mil quilômetros da superfície da Terra. Os de Elon Musk estão a uma distância entre 500 a 2 mil quilômetros, o que resulta em menor latência do sinal.

Só que durante a reunião, na hora de se discutir quanto custaria conectar com os satélites de Elon Musk as escolas sem nenhuma conexão de Internet, os técnicos no Gape mostraram a salgada conta de R$ 1,032 bilhão. A conversa não chegou a um resultado final, pois ficaram de “refinar” esses números. Diante do altíssimo custo somente para conectar 8.365 escolas, ninguém do Gape arriscou prosseguir com o assunto de envolver outras 40 mil escolas que alegaram ter conexão ruim.

Musk no GESAC

Só que a ideia de fechar um contrato com Elon Musk para conexão de escolas continua vivinha dentro do Ministério das Comunicações de Juscelino Filho, mas não necessariamente é compartilhada por todos os técnicos da Secretaria de Telecomunicações (Setel). Ela vem sendo tocada pelo diretor do Departamento de Projetos de Infraestrutura e de Inclusão Digital, Rômulo Barbosa.

Está em curso uma tomada de preços para contratação de serviços de satélite no Ministério das Comunicações, realizada pelo diretor. O ministério visa buscar novo parceiro para executar o programa GESAC – Governo Eletrônico, Serviço de Atendimento ao Cidadão . O programa atende cerca de 16 mil escolas públicas através do satélite geoestacionário da Telebras e o contrato vence em dezembro.

As empresas já receberam um comunicado do ministério de que terão de apresentar até o próximo dia 23 as suas propostas de preços para os dois lotes distintos de prestação do serviço. O Ministério das Comunicações está trabalhando com dois lotes com velocidades que variam entre 20, 30, e 40 Mbps (lote 1) e um segundo lote, no qual a velocidade sobe de forma exorbitante. O ministério estipulou a velocidade de conexão à internet de 60 Mbps para “download” e de 10 Mbps para “upload”. Padrão que somente a Starlink tem no mercado mundial neste momento.

O que alunos e professores farão com esse tamanho de banda, que permite subir vídeos com qualidade de UltraHD (4k) é um grande mistério. Somente o jornalista e diretor do Departamento de Projetos de Infraestrutura e de Inclusão Digital, Rômulo Barbosa, pode explicar. Homem de confiança do ministro das Comunicações Juscelino Filho e pela experiência que tem ao trabalhar na TV Mirante, no Maranhão, de propriedade da Família Sarney, Rômulo certamente sabe dizer o que um colégio fará com vídeos no padrão 4k de imagem.

Musk/Bolsonaro

A discussão sobre usar os satélites de baixa órbita de Elon Musk no Brasil começou ainda no Governo Bolsonaro, quando o então ministro das Comunicações, Fabio Faria, anunciou uma parceria com a Starlink para 19 mil conexões de escolas do programa WiFi Brasil. Musk chegou a vir ao Brasil em 2022 para um encontro com o presidente Jair Bolsonaro, só para anunciar essa parceria “fake” com o governo brasileiro. Esse acordo sempre foi negado pelos técnicos do Ministério das Comunicações; nunca foi além da fake news criada por Fabio Faria. Sendo mentira ou não, agora parece que Juscelino Filho está atrás do mesmo parceiro, apesar de o governo do PT aparentar ser contra.

*A conferir.