Ibama compra software da Cognyte para investigar crimes ambientais na Internet

No último dia 17 de abril o Instituto Brasileito do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama) habilitou a polêmica empresa Cognyte Brasil S/A, subsidiária da empresa norte-americana Verint, mas com origem israelense, no pregão eletrônico 90010/2024. A empresa sagrou-se vencedora numa disputa com outros oito fornecedores e irá fornecer 10 licenças do software “ORBIS” ao custo unitário de R$ 365,5 mil (cerca de R$ 3,6 milhões no total). O pregão está na fase de adjudicação/homologação, mas já é dada como certa a contratação.

O software ORBIS é uma poderosa ferramenta de OSINT (Open source intelligence), que opera na coleta massiva de informações em ambientes de fontes abertas como redes sociais e serviços de mensagerias. Através de Inteligência Artificial, a solução é capaz de extrair e transformar em diversos bancos de dados, toda a comunicação feita em perfis nas redes sociais de pessoas e empresas, em formatos como vídeos, imagens, conversão de fala para texto etc. A ferramenta inclusive faz a tradução em centenas de idiomas, segundo descreve a própria empresa.

Embora a apresentação da Cognyte sobre o “ORBIS” seja classificada como “sigilosa”, o Ibama quebrou essa regra ao apresentar durante o processo de licitação toda a documentação que foi apresentada por ela para garantir a sua presença na disputa pelo contrato. Isso permite que se conheça ainda mais as potencialidades do”ORBIS” no trabalho de investigação do Ibama:

Em seu “Estudo Técnico Preliminar”, que contém 178 paginas, o órgão justifica a contratação pelo fato da Internet estar sendo utilizada para o cometimento de diversos crimes ambientais.

Há a necessidade de contratação de solução integrada de inteligência para, por meio de motores de buscas, realizar monitoramento, disparo de alertas, coleta, transformação, análise e estabelecimento de vínculos de dados disponíveis na internet provenientes de fontes abertas, mídias sociais, redes sociais, surface web, deep web e dark web com a identificação de alvos, ilícitos e consciência situacional e produção de alertas e relatórios; incluindo na solução a aquisição de software, hardware, fornecimento de equipamentos e prestação de serviços de instalação, capacitação e suporte técnico operacional, atendendo os requisitos de Inteligência de Dados Abertos (Open Source Intelligence – OSINT)” explica o Ibama.

O órgão deixou claro na fase de contratação o que desejava da solução que fosse contratada:

Para justificar a compra, o Ibama apresentou dados que demonstram a necessidade de adquirir uma ferramenta que seja mais qualificada na sua operação de fiscalização ambiental. Com o seu atual sistema “Linha Verde de Ouvidoria”, entre o período de 2017 a 2023, o Ibama foi capaz de registrar 478 ocorrências envolvendo diretamente o whatsapp. Deste total:

  • 05 denúncias de maus tratos a animais silvestres,
  • 23 de degradação ambiental,
  • 19 de desmatamento,
  • 2 de estabelecimento sem licença,
  • 04 de maus tratos a animais domésticos,
  • 02 de mortandade de peixes,
  • 11 de pesca predatória,
  • 11 de poluição ambiental,
  • 04 de queimada e incêndio,
  • 15 de caça e matança de animais silvestres,
  • 02 de captura e recolhimentos de animais,
  • 01 captura de animal (sem abate do animal),
  • 19 de cativeiro de animais silvestres,
  • 04 de comércio e transporte de produtos de fauna,
  • 06 de comércio e transporte de produto de pesca, 02 de comércio de produto animal exótico, – 52 comércio e transporte de animais silvestres,
  • 04 comércio e transporte de produto florestal,
  • 01 comércio e transporte de produtos químicos,
  • 01 corte de árvores protegidas por lei e.
  • 172 crimes ambientais na internet.

Somente durante a Operação Teia deflagrada (2023) pelo Ibama, com o objetivo de combater ilícitos contra a fauna divulgados nas redes sociais, foi constatada a exposição e a venda de 1.342 animais silvestres, sendo aproximadamente 50% de espécies protegidas por legislação“, afirmou.

Controle

É inquestionável que os órgãos integrantes do Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN) – do qual o Ibama faz parte desde a instituição do decreto nº 4.376/02 – precisam estar preparados para combater o crime organizado na Internet. Porém volta e meia há uma discussão que nunca foi resolvida, sobre os limites legais para o uso dessas ferramentas de captura de informações nas plataformas de redes sociais e quem controla ou fiscaliza essa aplicação pelos órgãos de segurança.

Na legislação vigente, apenas com ordem judicial a Polícia Judiciária e o Ministério Público estão habilitados a realizar tais investigações. Mesmo assim, hoje caberia uma discussão mais profunda sobre violação da privacidade com a Lei Geral de Proteção de Dados no âmbito do cidadão que é usuário das redes na Internet.

“Inexiste no repertório legal brasileiro permissão para que qualquer agência de inteligência, força armada, órgão público, ou polícia ostensiva (militar), tenham acesso ao conteúdo das comunicações de qualquer cidadão brasileiro. Não existindo, portanto, formula legal para tal”, afirmou o agente da policial federal, Vladimir de Paula Brito, especialista em Sistemas de Banco de Dados, e posteriormente em inteligência competitiva e inteligência de Estado e segurança, num estudo sobre feramentas de espionagem publicado pelo site “Observatório da Democracia”.

No Estudo Técnico Preliminar, o Ibama informou que conta hoje com 53 agentes de inteligência. “No que tange a operações remotas, cerca de 40 agentes de inteligência estão capacitados para operar em ambiente cibernético. Parte desse efetivo atua também em operações de campo e de análise” informou.

O Ibama alega que não foi necessário contratar a solução para os 53 agentes. Apenas serão compradas licenças de software que garantam o acesso simultâneo aos agentes que executam operações de campo. “Conclui-se, portanto, que um pacote com o número mínimo de 10 acessos simultâneos seja suficiente para a composição da solução a ser contratada”, detalhou no estudo técnico.

Mas o que estará em discussão futuramente é: 1 – quem irá fiscalizar a conduta desses 10 funcionários?; quem são eles e como tem sido o comportamento político deles?; 2- como irão atuar sem ordem judicial para isso?

A Cognyte vem sendo investigada pela Polícia Federal por venda de um outro software, o “First Mile”, à Agência Brasileira de Inteligência. Também se envolveu em outros casos durante o Governo Bolsonaro. Então é de se indagar agora, no Governo Lula, sobre quem irá garantir a lisura das operações desses agentes e o comportamento da empresa com relação ao repasse de informações para o exterior, já que a base de dados estará numa nuvem. Somente o Ibama?

*Imagem extraída de reportagem no site “Seguinte” em Gravataí.