Governo usa a “proteção de dados de gestores” para não liberar acordos com Organizações Sociais

Passou despercebido, mas não por muito tempo, mais uma manobra do governo para não conceder acesso à informação previsto pela LAI (nº 12.527/11) aos acordos e parcerias que vem realizando com as Organizações Sociais. Se antes tentava impedir o acesso à informação de diversas ações de governo, sob o frágil argumento de estar “cumprindo a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD)”, agora ele se vale do próprio direito fundamental adquirido pelo cidadão na recente mudança do texto constitucional sobre esse tema.

No dia 24 de maio, o presidente Jair Bolsonaro encaminhou mensagem ao Congresso Nacional, em que comunicou a decisão de sancionar, com veto parcial, a Lei nº 14.345/2022. O veto ocorreu na decisão dos congressistas de criarem um “inciso VIII no Artigo 7º da Lei de Acesso à Informação (LAI)”, que garantiria a possibilidade do “acesso integral a qualquer informação, documento ou sistema de controle relacionados a parcerias disciplinadas pela Lei nº 13.019. (o Marco Regulatório das Organizações Sociais).

Bolsonaro explicou que a Controladoria-Geral da União e o Ministério da Economia recomendaram o veto “por inconstitucionalidade e contrariedade ao interesse público”. Para ambos, conceder o acesso irrestrito às informações de convênios, acordos ou parcerias entre a União e as Organizações Sociais, iria ferir a Constituição, já que de forma indiscriminada todo documento estaria aberto para consulta pública.

*Mas isso não seria do Interesse público?

Desta vez o veto presidencial se sustentou na tese de que liberar documentos de acordos com as “OS” iria ferir o preceito constitucional da proteção de dados pessoais: “nem todo documento ou informação é de livre acesso, consoante o disposto no inciso LXXIX do art. 5º da Constituição, o qual assegura, nos termos da lei, o direito à proteção dos dados pessoais, inclusive nos meios digitais”, argumentou.

Na ótica da CGU e do Ministério da Economia, conceder o acesso à informação, via LAI, em toda a documentação dos acordos e convênios assinados entre a União e as Organizações Sociais, acabaria por contrariar “o interesse público, haja vista a proteção legal das hipóteses de restrição de acesso a informações pessoais, sigilosas ou classificadas, inclusive a restrição especial sobre documentos preparatórios, utilizados para fundamentar a tomada de decisão dos gestores públicos”.

Talvez o dispositivo tenha sido mal redigido no Congresso ao não ressalvar a questão da liberação de documentos sigilosos por conta da sua classificação legal imposta, mas daí para impedir todo e qualquer convênio assinado parece ser um exagero do governo em resguardar tudo com base no “interesse público”.

E teve mais explicação esdrúxula. Para o governo, liberar a documentação de um convênio com uma “OS” (estudos e pareceres que sustentaram o fechamento de tal acordo), assinados por gestores públicos e solicitadas via Lei de Acesso à Informação, colocaria em risco não apenas a “proteção de dados” desses gestores, mas poderia “inviabilizar a restrição ao acesso a tais documentos, de modo a impossibilitar a atividade de auditoria e ações de tomada de decisão”. 

Foi mais um claro ataque do governo ao jornalismo investigativo, que já vinha ocorrendo desde que o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República passou a usar a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), para negar acesso à Informação requeridas por veículos de imprensa. Esse novo veto inviabilizará qualquer pedido de acesso à informação desses convênios, pois os gestores públicos poderão alegar que seus dados pessoais estarão na documentação e isso fere o seu direito fundamental à proteção estabelecida pela Constituição.

Como o GSI não teve condições de sustentar os argumentos para negar informações apenas com base na LGPD, criaram esse novo “jabuti” para impedir que a opinião pública fique sabendo que acordos estão sendo fechados com Organizações Sociais e envolvem dinheiro dos cofres públicos.

A nova lei Lei nº 14.345/2022 faculta apenas a ex-prefeitos e ex-governadores terem acesso aos convênios e acordos que fizeram com essas organizações durante a sua gestão. Fora esse grupo político, ninguém mais. Qualquer denúncia que a imprensa receba sobre o fechamento de maus acordos envolvendo recursos públicos da União e as “OS” não poderão ser investigados.

Quando tramitou no Congresso o dispositivo que permitia o acesso pela LAI (inciso VIII” no Artigo 7º) foi criado pelo Senado, justamente para garantir a lisura nos gastos com programas de interesse público pagos por meio das receitas de impostos. Foi na Câmara que os deputados tentaram derrubar esse dispositivo para ajudar o governo e certamente tiveram apoio das Organizações Sociais, pelo menos, as que não querem ser investigadas.

Ao voltar para o Senado com essa alteração, após aprovação da Câmara, os senadores resgataram o texto original e mantiveram a liberação das informações para consulta pública, via LAI a todo e qualquer interessado. E não apenas os ex-chefes de executivos estaduais e municipais. Agora a regra original somente voltará ao texto da lei, se o Congresso Nacional em reunião conjunta das duas casas decidir derrubar o veto de Bolsonaro.