Governo não explica mudanças em programa de conexão das escolas públicas

A Comissão de Ciência e Tecnologia do Senado discutiu em audiência pública realizada nesta quarta-feira (6) a “Estratégia Nacional de Educação Conectada (Enec)”, lançado pelo presidente Lula em setembro. O que foi dito pelo convidados presentes acabou confirmando as informações que este blog publicou no dia 27 de novembro, sobre uma tentativa de mudança na governança do programa “Aprender Conectado” da Anatel, para o Comitê Executivo da Enec que é controlado pelo Ministério da Educação. Os detalhes podem ser lidos na reportagem: “Governo reduz controle da Anatel nos R$ 3,1 bilhões do 5G para conexão de escolas“.

Esperava-se na audiência do Senado que o MEC e o Ministério das Comunicações fossem mais claros quanto aos seus interesses nessa mudança do controle do uso dos recursos do 5G geridos pela Anatel, mas isso não ocorreu. Os convidados dos dois ministérios presentes não explicaram, por exemplo, qual o amparo legal para sustentar tais mudanças, que esvaziam poderes da Anatel e basicamente são quatro:

1 – Caberá ao MEC comprar os equipamentos para as escolas e não mais a EACE/Anatel;
2 – Além das escolas, a conectividade também deverá abranger as Unidades Básicas de Saúde;
3 – O prazo de implementação do projeto cai de 36 meses para 24 meses. A partir daí o MEC, os Estados e Municípios seguirão compartilhando atribuições para a manutenção dele.
4 – Além dos postos de saúde, o Gape (Anatel) também ficará encarregado de gerir através da EACE (operadoras móveis) a conexão de 40 mil escolas públicas. E não apenas as 8.365 unidades de ensino que estão em localidades onde não contam com nenhum tipo de infraestrutura de rede para acesso à Internet.

Como não tinha nenhum convidado da Casa Civil da Presidência da República para explicar as mudanças que anunciou na constrangedora reunião de agosto na Anatel, esse papel coube aos representantes do MEC, Ana Úngari Dal Fabbro (Coordenadora-Geral de Tecnologia e Inovação) e Pedro Lucas da Cruz Pereira Araújo (Diretor do Departamento de Investimento e Inovação do Ministério das Comunicações). Mas eles se limitaram a fazer apresentações protocolares sobre os benefícios e desafios da conectividade escolar.

Na reunião também se esperava que o conselheiro da Anatel, Vicente Aquino, que é o presidente do grupo que controla a operação das empresas para conectar as escolas públicas com o dinheiro do 5G, manifestasse ou antecipasse a posição da agência reguladora, quanto aos aspectos jurídicos desta mudança de controle. Nada, Aquino fez uma apresentação errática, sem ser claro no seu posicionamento.

Em alguns momentos pareceu concordar com as mudanças na governança do uso do dinheiro do 5G das escolas e em outros evitou conflitos que questionassem do ponto de vista legal as medidas tomadas pela Casa Civil com apoio do MEC e do Ministério das Comunicações. Desde agosto o governo se arrasta em apresentar essas mudanças ao público. Aparentemente ainda não encontrou uma saída jurídica para alterar o edital do leilão do 5G, aprovado pelo Tribunal de Contas da União, que definiu regras claras sobre como seria a aplicação do dinheiro na conexão de Internet das escolas públicas.

Esse descompasso jurídico/administrativo e a demora na tomada de uma decisão sobre quem manda nos recursos do 5G, está atrasando ainda mais a execução pelas empresas na conexão das escolas públicas, segundo explicou a presidente da EACE (Entidade Administradora da Conectividade de Escolas), Paula Martins. Até agora as operadoras móveis só conseguiram bancar um projeto piloto em 177 escolas, embora desde julho pudessem ter dado início à segunda fase do projeto, que pretende conectar até cinco mil unidades de ensino.

As empresas já aportaram parte dos R$ 3,1 bilhões do 5G destinados para a conexão das unidades de ensino. Só que até agora o dinheiro apenas vem rendendo juros em aplicações financeiras, porque o governo é lento para tomar decisões. Isso já levou o TCU a constatar que nos últimos anos foram criados mais de 12 programas de conectividade à Internet, e praticamente todos falavam em conectar escolas públicas, entre outras atribuições.

Ou seja, gastou-se muito nos últimos anos, mas não se sabe quanto ou com o quê. Porém está claro que ainda continuam querendo gastar usando a boa e velha desculpa da conexão de unidades de ensino. Para completar o cenário, agora a Casa Civil quer incluir no dinheiro do 5G as unidades básicas de saúde, sem nenhuma previsão legal para isso. O dinheiro do 5G foi carimbado pelo TCU para conectar apenas as escolas. Na audiência não houve o interesse de ninguém de cobrar um posicionamento do tribunal sobre essa questão.

A Audiência foi marcada ainda pela presença da RNP – Rede Nacional de Ensino e Pesquisa, entidade que não foi criada para conectar escolas públicas, mas há anos tenta colocar o pé na distribuição desses recursos. Este é um caso à parte a ser considerado pelo blog em nova reportagem, Aguardem.

A audiência no Senado foi comandada pelo senador Izalci Lucas (PSDB-DF) e contou com as presenças das seguintes autoridades:

  • Pedro Lucas da Cruz Pereira Araújo – Diretor do Departamento de Investimento e Inovação do Ministério das Comunicações (MCom)
  • Ana Úngari dal Fabbro – Coordenadora-Geral de Tecnologia e Inovação na Educação Básica do Ministério da Educação (MEC)
  • Luiz Fernando Ururahy de Souza – Auditor Chefe Especializado em Telecomunicações do Tribunal de Contas da União (TCU)
  • Vicente Bandeira de Aquino Neto – Membro do Conselho Diretor da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel)
  • Paula Martins – Presidente da Entidade Administradora da Conectividade de Escolas (Eace)
  • Nelson Simões da Silva – Diretor-Geral da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP)

*Foto: Roque de Sá/Agência Senado.