Governo gasta em Internet para escolas com empresas privadas e exclui a Telebras

Se o Comitê Executivo da “Estratégia Nacional de Educação Conectada (Enec)” for um organismo sério, comprometido com o projeto, não deixará de rediscutir o papel da Telebras no processo de conexão de pelo menos parte das 138 mil escolas públicas previstas até 2026. Há pelo menos dois casos exemplares de má aplicação de recursos públicos ocorrendo na Paraíba que ninguém viu ou discutiu até agora. E mostram claramente como a estatal está sendo sabotada no processo pela Anatel e o Ministério das Comunicações.

Nem o Tribunal de Contas da União, enquanto órgão de controle e responsável pelo “acompanhamento” da aplicação dos R$ 3,1 bilhões do 5G destinados para as unidades de ensino se manifestou até agora.

O caso Baía da Traição (PB)

Nunca o nome de uma cidade foi tão apropriado, para explicar o que vem ocorrendo nas entranhas do governo em relação à Telebras. A estatal vem sendo sistematicamente sabotada desde o governo Bolsonaro e sua situação não melhorou nos últimos 10 meses de Governo Lula. A Telebras está andando de lado, sem rumo. Não que ela não tenha projetos ou esse “rumo”. Simplesmente ela não encontra dentro do governo quem a queira ouvir.

Por exemplo, a fase 1 do projeto de educação conectada do governo já foi concluída através de um projeto piloto em 177 escolas realizado pela EACE – Entidade Administradora da Conectividade de Escolas; que reúne as operadoras móveis e tem caráter privado, mas é controlada pelo Gape – Grupo de Acompanhamento do Custeio a Projetos de Conectividade de Escolas. O Gape reúne diversos entes do governo e é o responsável final pela aplicação dos R$ 3,1 bilhões obtidos pelo governo com a venda das frequências de 26 Ghz no leilão do 5G.

Dentre as cidades escolhidas para o piloto estava Baía da Traição, na Paraíba. De acordo com a vistoria feita e o projeto piloto já em fase de conclusão, segundo Ata da reunião do Gape de junho deste ano, essa cidade litorânea paraibana tem 17 escolas públicas a partir de agora conectadas com Internet considerada adequada para os padrões do MEC (1Mbps por aluno ou 50 Mbps no mínimo).

Não se tem informação de quais empresas receberão recursos do 5G para conectar essas escolas, mas sabe-se que o uso da Telebras nesse processo sequer foi cogitado. Embora a estatal tenha um backbone passando próximo a essa cidade, distante apenas 82,8 km, em João Pessoa. Por que a Telebras não foi chamada a discutir a venda de links para provedores locais executarem o serviço de levar a Internet por meio de fibra óptica (o mais recomendável) para as 17 escolas?

Essa pergunta quem pode responder é o Gape/Anatel, ou o Ministério das Comunicações, mas dependerá se o Comitê Executivo da Estratégia Nacional de Educação Conectada terá o interesse de indagar. Ou se também fingirá que a estatal de telecomunicações não existe.

“Construção editalícia”

A sabotagem contra a Telebras – excluída de qualquer projeto de conectividade educacional, além das 14 mil escolas que mantém com o GESAC – ficou claríssima durante audiência pública na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos deputados, realizada no dia 4 de setembro. Ao responder perguntas do deputado Aureo Ribeiro (Solidariedade-RJ), que presidiu a audiência pública, o Conselheiro da Anatel e presidente do Gape, Vicente Aquino e o Diretor do Departamento de Investimento e Inovação, Pedro Lucas Araújo, depois de rebolarem na cadeira, deram uma desculpa esfarrapada para explicar ao parlamentar porque a Telebras não participava de nenhuma discussão sobre educação conectada.

A empresa tem mais de R$ 1 bilhão no caixa do Tesouro Nacional e não pode gastar, desde que o ex-ministro Paulo Guedes a transformou numa estatal dependente do Orçamento da União. O dinheiro terminou represado pelo então Ministério da Economia, quando poderia estar sendo aplicado pela estatal para a contínua melhoria de sua rede, no mínimo. Ou mesmo seria mais uma fonte de recursos para investimentos na Estratégia Nacional de Educação Conectada que já conta com R$ 8 bilhões para a sua execução.

Mas foi excluída pela Anatel e o MCOM porque nenhum dos lados quer abrir mão do poder de ditar as regras e gastar como quiser com o projeto, sem os olhos técnicos de uma estatal acostumada a lidar com redes deste a sua reativação em 2010.

João Pessoa (PB)

Este caso aqui de sabotagem à Telebras é ainda mais gritante. A capital paraibana está em fase final de vistoria técnica realizada pela EACE à mando do Gape e já produziu números bem interessantes. Ao todo são 297 escolas públicas, todas já vistoriadas. E o resultado foi o seguinte:

  • 80% das 297 não dispõem de Internet com velocidade suficiente.
  • 18% tem Internet com velocidade suficiente
  • 2% não Tem Internet
  • E apenas 2,9% delas tem cobertura WiFi, exigência prevista pelo MEC para cada escola ter uma rede interna de conexão móvel.

O backbone da Telebras passa por João Pessoa, o que significa que apenas seria necessária a contratação da chamada “ultima milha”. Bastaria ligar as escolas por meio das fibras ópticas de empresas de provimento de acesso à rede ou as próprias empresas de telefonia, desde que comprassem o link da Telebras. A velocidade de conexão exigida pelo MEC seria um mero detalhe: bastaria saber qual o equipamento empregado para se chegar até à exorbitante velocidade de 100 Gbps, um absurdo completo se assim fosse.

Não seria estranha essa estratégia. Na Copa de 2014 as teles usaram o backbone da Telebras para levar seu sinal de rede para dentro dos estádios de futebol. Ou seja, quando interessa…

Para implantar o projeto piloto do “Aprender Conectado” nas 177 escolas, em 10 municípios (2 em cada região do Brasil), o investimento foi da ordem de R$ 33 milhões. O projeto incluiu fornecimento de conexão de alta velocidade podendo ser por fibra, rádio ou satélite, implantação de rede WiFi em todo o ambiente escolar e fornecimento de kits de informática contendo notebook para aluno e professor, tela e projetores e carrinhos de armazenamento e recarga.

*Se o ministro Camilo Santana tiver um mínimo de compromisso com o dinheiro público entenderá o motivo dessa exclusão estatal na área de redes. Ele precisa rediscutir o assunto no âmbito do Comitê Executivo que presidirá.