Por Jeovani Salomão* – Brasília vive eleições apenas de quatro em quatro anos. Em decorrência das características da Unidade da Federação – na qual nasci e vivi toda a minha vida –, não temos eleições municipais por aqui. Em termos eleitorais, o Distrito Federal se comporta como um Estado e não como um município. Apenas uma única nomenclatura se diferencia. Em vez de Deputados Estaduais, temos Deputados Distritais. Nos demais cargos, votamos igual aos demais, ou seja, para Presidente, Governador, Senador e Deputado Federal.
Lembro-me bem de disputas passadas, algumas épicas, quando a Capital se dividia entre o azul e o vermelho. A rivalidade era tamanha que superava, inclusive, a aquela entre os bois Garantido e Caprichoso da famosa festa folclórica de Parintins, com a coincidência das cores, um vermelho e outro azul.
A política, em especial, a campanha eleitoral, acontecia nas ruas e transformava o panorama da cidade, com comícios, shows, bandeiras, cartazes, “santinhos” e adesivos nos carros. Uma verdadeira e, momentaneamente, deliciosa, poluição visual.
Sempre exerci o meu direito ao voto. Já modifiquei agenda de passeios para participar do escrutínio e, mesmo quando a viagem era inevitável, fui até um cartório eleitoral para votar em trânsito. Além disso, nunca votei em branco ou nulo. Embora compreenda e respeite teses diversas, tenho uma premissa de que eu preciso fazer parte da escolha, ainda que, conquanto em condições desfavoráveis, nas quais os candidatos estão distantes do meu modelo ideal de político. Se tiver que escolher entre o “menos pior”, que assim seja.
Em minha primeira experiência, quando eu não tinha a menor ideia de política, políticos, partidos, esquerda ou direita, escolhi um candidato por ter gostado das propostas dele, que li em um cartaz colado nos corredores da Universidade de Brasília. Por capricho do destino, o cidadão foi eleito mais de uma vez com o meu voto. Ao todo, acredito que tenha votado nele 5 vezes e votarei novamente no próximo pleito. Sinal de que minha avaliação inicial não estava equivocada. Para minha alegria, a pessoa em questão, por força de muitas ocasiões e escolhas, tornou-se um amigo próximo.
A mudança para os tempos atuais é gritante. As campanhas majoritariamente saíram das ruas e foram para a Internet. Aqui em Brasília, já em 2018, elegemos um novato na política cuja propaganda foi baseada exclusivamente nas redes sociais. O candidato era um influencer digital e conseguiu se destacar a ponto de ter eleitores suficientes para tornar-se Deputado Federal. Não votei e não acompanhei o trabalho legislativo parlamentar, mas, por alguma razão, ele decidiu migrar, em 2022, sua candidatura para o estado de São Paulo.
Sou um entusiasta da política, por acreditar que a sociedade somente é capaz de solucionar seus problemas por meio dela. Por um lado, a digitalização, em especial neste período eleitoral, traz um conjunto enorme de possibilidades, à medida que a Internet tem o potencial de levar mensagens de forma mais democrática para um número maior de pessoas. Por outro lado, a mesma Internet provoca desafios gigantes que merecem muitos debates.
A questão das fake news é seríssima. Existe uma guerra sanguinolenta de narrativas. São tão bem elaboradas, poderosas e com a capacidade de polarizar que já não me admiro tanto ao ver amigos inteligentíssimos repetirem algumas asneiras sem fundamento. Pelo menos este problema já foi identificado e está sendo combatido com uma aliança de atores públicos e privados.
Há, no entanto, um imbróglio, pelo menos em potencial, o qual sequer estamos debatendo, até pelo desconhecimento geral. Refiro-me aos algoritmos das redes sociais. Quando alguém faz uma postagem, ela precisa ser distribuída aos amigos virtuais e aos demais usuários da plataforma. O objetivo maior de qualquer empresa é reter o seu cliente, não é diferente com as redes sociais. Sendo assim, o algoritmo é “ensinado” a distribuir as informações de tal forma que possa “segurar” o máximo possível o usuário em seus domínios.
Desta forma, se você gosta de futebol, adivinhe? Vão aparecer várias informações sobre o seu time ou jogador preferido, do mesmo jeito se for música, arte, religião, mensagens de autoajuda ou qualquer outro assunto do seu interesse. Existe um problema ético, o qual já debati em outros artigos, pois o algoritmo não se preocupa se o conteúdo é bom ou ruim para você, sua família, sua saúde física, mental ou para sociedade. O programa simplesmente quer criar elos que te viciem na plataforma para a qual ele “trabalha”.
Imagine, então, se o dono da plataforma tiver uma tendência política e quiser utilizá-la para favorecer um ou outro candidato. Basta criar uma programação que propague mais as mensagens do lado preferido. Os efeitos serão devastadores. Um ataque gravíssimo à democracia, inclusive porque fiscalizar tal manobra não é trivial. Diferentemente, se uma rede de televisão ou de rádio forem acusadas de privilegiar alguém, é possível acompanhar, avaliar e julgar as ações efetuadas. A produção de notícias é centralizada, a divulgação é pública e homogênea para toda a audiência. A auditoria, portanto, é viável.
Ao contrário, milhões de postagens são feitas diariamente por milhões de pessoas, e o comportamento do algoritmo não é facilmente rastreado. Apenas um exemplo, quando eu faço um post em uma determinada rede social, tenho em torno de 100 likes. A primeira vez que fiz uma publicação em apoio a minha candidata a deputada distrital, eu obtive apenas 3. A diferença é gritante. Será que o comportamento é sempre o mesmo para assuntos políticos? Possivelmente sim. Neste caso, ainda mais por se tratar de um cargo de menor visibilidade. Será a distribuição também igual para os majoritários? Espero que sim. No entanto, é uma discussão que precisa ser aprofundada com um levantamento correto de dados e tratamento estatístico.
Nesta fase de virtualização de tudo, há uma imensa necessidade de conscientizar a sociedade sobre as mudanças que estão acontecendo a cada dia. São gigantes, mas ocorrem gradativamente, motivo pelo qual são quase imperceptíveis. Vamos nos acostumando aos poucos, nosso cérebro é projetado para isso. Mas já não há tempo hábil, então espero que nas próximas eleições cada cidadão exerça com consciência o próprio voto e possamos eleger bons representantes. Desejo, também, que o pleito não seja influenciado ilegalmente pelas redes sociais. Por fim, rogo para que não façamos uma próxima eleição presidencial sem debater com a devida atenção a participação dos algoritmos nas campanhas políticas.
*Jeovani Salmão é presidente da Memora Processos Inovadores, membro do conselho na Oraex Cloud Consulting e escritor do Livro “O Futuro é analógico”.