Desempenho

Por Jeovani Salomão* – No final dos anos 80 e no começo dos anos 90, eu prestava serviços para uma loja de materiais de construção chamada Construdantas. Meu trabalho era dar manutenção no software de gestão da empresa, desenvolvido na linguagem de programação Clipper. No início, o computador que eu tinha disponível era um PC 286. Assim que eu terminava as alterações solicitadas, colocava o computador para “compilar”, o que significa, em poucas palavras, o processo de transformar o código que eu escrevi em um arquivo que fosse executável, um aplicativo, no linguajar moderno. Isso tomava quinze minutos de processamento, o que me deixava, de alguma forma, constrangido, afinal, eu recebia por hora.

Um erro na minha programação significava que eu teria que compilar duas vezes, ou seja, metade do pagamento que eu recebia naquela hora seria consumido por aquele procedimento. Felizmente, sempre fui cuidadoso e conseguia entregar um bom resultado, motivo pelo qual, continuei sendo contratado até quando minhas demais atividades não mais permitiam. Com o passar do tempo a capacidade dos computadores foi aumentando. Já ao final do contrato, a empresa havia adquirido um Pentium e, o que levava quinze minutos antes, começou a ocorrer em apenas quarenta segundos. Um aumento de 2.200% de performance!

Há dois aspectos relevantes na história, o perceptível aumento da capacidade de processamento e um segundo menos visível. Com o mesmo computador, o tempo para o procedimento era sempre similar, com variações minúsculas. O desempenho das máquinas, regidas pelas ciências exatas, é regular, estável e passível de ser calculada.

Com os seres humanos a situação é muito diferente. Alguns dias, o indivíduo acorda sentindo-se bem, daí, vai praticar a atividade física que gosta (ou nem gosta tanto, mas faz assim mesmo por disciplina) e performa extremamente bem.  Fica feliz, passa um bom dia, dorme bem e, no dia seguinte, apesar de todo ânimo, se desempenha muito mal em exercício idêntico ao dia anterior. Não somos regidos pela matemática ou pela física e sim pela biologia.

Esse é um dos fatores pelos quais é tão difícil prever o impacto das doenças em cada organismo, em especial, no caso dos vírus, em função da sua alta capacidade de mutação. Não é incomum, desta forma, que pessoas supostamente mais saudáveis respondam pior ao coronavírus do que pessoas em grupos de risco. Certamente, o leitor vai se lembrar de casos em que pessoas próximas tiveram reações muito diferentes da esperada. Por outro lado, não significa que os sintomas e reações sejam aleatórios. Quanto mais se conhece da doença e quanto mais houver avanços na engenharia genética, mas previsível será o comportamento do organismo.

Ademais, quando a ocorrência acontece um número muito grande de vezes, que é o caso da atual pandemia, há a possibilidade de se trabalhar de forma segura com estatísticas. Atualmente, o número de infectados passa de 100 milhões e o número de mortes passa de 2 milhões, o que nos traz uma taxa de mortalidade na casa de 2%, segundo a Universidade Johns Hopkins. Os casos leves correspondem a 80,9% das infecções, enquanto 13,8% são severos e 4,7% críticos. As comorbidades são decisivas em relação aos obtidos. Apenas 1% dos falecimentos ocorrem em pessoas sem doenças crônicas, enquanto 25%, 26% e 48% correspondem, respectivamente, a uma, duas, três ou mais comorbidades.

De volta a questão computacional, a evolução da velocidade dos equipamentos possui um papel extremamente relevante na prevenção, no combate à doença e na criação de vacinas. Atualmente, por exemplo, já é possível identificar se você viajou , de trem ou avião, com alguém infectado por meio de um aplicativo da Chinesa Qihoo 360. Basta informar os dados da viagem.

Com as estatísticas sobre taxa de contágio de um vírus e a disposição em um mapa da população mundial, seria perfeitamente possível fazer simulações sobre o número de infectados, incluindo medidas restritivas de movimentação. Outro estudo, poderia determinar o impacto na economia de cada modelo de confinamento, considerando horários, grupos populacionais, atividades econômicas viáveis e vedadas. Essas simulações, multidisciplinares, deveriam ser o núcleo central de inteligência para a decisão dos governos, ao contrário do que vimos até agora.

A inteligência Artificial já está sendo utilizada tanto para detecção da COVID-19, como em um desenvolvimento efetuado por especialistas da Universidade de Oxford, quanto para a produção de vacinas, como é o caso de várias entidades e empresas chinesas como a Sinovac, a CanSinoBio, a Sinopharm e a Academia de Ciências da China.

O avanço da engenharia genética e a identificação de uma quantidade maior de substâncias, pode levar a um cenário de uso de Big Data (análise e interpretação de grandes volumes de dados) muito interessante, tanto pelo estudo de informações e resultados clínicos ao redor do mundo quanto, também, por uso de simulações. Nesse ponto há uma oportunidade que deveria ser explorada pelo Brasil. Ninguém no mundo tem tanta biodiversidade quanto nosso país. O teste de substâncias novas com uso de Big Data e Inteligência Artificial tem um potencial gigante na descoberta de novos elementos de cura.

No site da EBC, Empresa Brasil de Comunicação, há uma ótima matéria com o professor Dalton Cunha, sobre a história das pandemias e epidemias pelo mundo. Não é difícil constatar que a crise atual não foi a primeira e não será a última. É mandatório que a humanidade esteja mais bem preparada para os desafios futuros e se utilize das tecnologias disponíveis. Esse caminho é uma oportunidade de reposicionamento para o Brasil. Temos excelentes Cientistas de Dados, fazemos simulações extremamente complexas (quem não conhece o assunto pode explorar o tema na extração de petróleo em águas profundas feita pela Petrobras), temos a maior biodiversidade do planeta, temos ótimos institutos de pesquisa na área biomédica. Não temos estratégia. Acorde gigante adormecido!

*Jeovani Salomão é empresário do setor de TICs e ex-presidente do Sinfor e da Assespro Nacional.