Estava no final do primeiro semestre do mestrado de Pesquisa Operacional na Universidade de Brasília, curso que na maioria das vezes pertence ao Departamento de Matemática, mas no caso estava sendo ministrado pelo Departamento de Estatística, quando eu e um colega fomos abordados por alunos do mestrado de economia. Eles estavam sofrendo com a quantidade imensa de cálculos que tinham que enfrentar e disseram que era muito comum alunos de exatas, como nós, atuarem com econometria. Confesso que senti uma certa tentação em migrar de curso, mas era um sonho distante.
A propósito, não consegui terminar meu mestrado. Já no segundo semestre, estava trabalhando em três períodos e fazendo apenas uma disciplina, Pesquisa Operacional II, justamente com o professor que era meu orientador, figura inteligente, gentil e dedicada. Erámos apenas dois alunos em sala, meu companheiro, Marquinhos, pessoa bem humorada, divertida e sempre com um caso novo para contar. Para resumir uma história longa, certo dia o sujeito faltou, fui assistir aula sozinho e dormi! Apesar do constrangimento, meu professor manteve a linha, mas eu tinha chegado ao limite. Conclui a disciplina, expliquei as razões a ele e fui me dedicar exclusivamente à minha vida profissional.
Antes de sair, no entanto, tive tempo de estudar, em aprofundamento ao feito na graduação, sobre distribuições estatísticas, dentre elas, sobre Curvas Normais. É impressionante a frequência que essas últimas se aplicam em nossa vida prática, como no caso da evolução de contaminações durante a pandemia.
Por coincidência, também se aplicam ao ciclo de adoção de novas tecnologias (ou produtos), cuja primeira versão apareceu em 1957, para práticas agrícolas, em um trabalho assinado pelos pesquisadores Beal e Bohlen. Em 1962, foi aperfeiçoada por Everett Rogers, normalmente citado como autor da teoria.
Posteriormente, Geoffrey Moore escreveu detidamente sobre o “abismo”, momento no qual há o risco que seja interrompida a disseminação de algumas tecnologias. Quem não consegue atingir os pragmáticos ou a maioria inicial (vide figura acima), que constituem 34% do total, fracassa.
A partir da maioria tardia, ou conservadores, prevalecem perfis que são mais avessos ao risco. Aqueles que preferem ter mais certeza de que um produto ou tecnologia já estão consolidados.
Em 2008, Kurt Matzler, Sonja Grabner‐Kräuter, Sonja Bidmon escreveram sobre a relação entre evitar correr risco e a fidelidade. Em síntese, quando a imagem de uma marca é positiva, aqueles que possuem aversão ao risco tendem a ser mais leais a essa marca do que aqueles que estão mais propensos ao risco.
É possível depreender, portanto, que aqueles que aderem a uma tecnologia mais tardiamente, justamente porque são mais resistentes a mudanças, são justamente os mais fiéis. A tecnologia depende para sua popularização daqueles mais ousados e para sua fixação dos mais conservadores. Isso em tempos normais.
Com a pandemia, fomos forçados a assumir novos produtos, tecnologias, metodologias e comportamentos. Não estamos fazendo reuniões virtuais ou compras on-line por uma opção natural. Fomos arremessados em uma nova realidade, não porque somos de vanguarda, mas por imposição da vida. A curva normal de Rogers, perdoem o trocadilho, passou a ser absolutamente anormal, com a chegada abrupta de uma imensidão de usuários/clientes nos estágios que seriam os iniciais.
Decorre daí uma questão relevante, com a volta gradativa da possibilidade de circulação, que varia de cidade a cidade, respeitando as particularidades locais, como serão os padrões de comportamento de regresso para o modus operandi anterior? Qual o percentual de fidelidade ao novo? Devo comprar ações das empresas aéreas, muito desvalorizadas agora, ou ações das empresas de reuniões on-line e e-commerce, atualmente muito valorizadas?
Relembrando o episódio ocorrido no meu mestrado, poderia imaginar que a economia é regida majoritariamente por decisões racionais, características das ciências exatas. Ou seja, como nos movemos para o momento atual por uma força externa, impositiva, manteríamos fidelidade aos modelos adotados simplesmente baseados nas nossas concepções anteriores de risco versus benefícios. Os mais conservadores voltariam ao “velho normal” e os mais inovadores assumiriam o “novo normal”. O “novo normal” precisaria então superar o “abismo” ou senão estaria fadado ao insucesso.
Para mim foi uma surpresa descobrir o psicólogo Daniel Kahneman, afinal nunca havia imaginado que alguém com essa formação pudesse ser agraciado com o prêmio Nobel de Economia. Ao formular a Teoria dos Prospectos, juntamente com Amos Tversky, o autor demonstrou que as tomadas de decisão são influenciadas por fatores psicológicos e que ganhos e perdas possuem relevâncias diferentes. Imagine o seguinte exemplo, extraído do livro Rápido e Devagar de Kahneman:
Problema 1: O que você prefere?
Conseguir novecentos reais com certeza OU 90% de chances de conseguir mil reais.
Problema 2: O que você prefere?
Perder novecentos reais com certeza OU 90% de chances de perder mil reais.
Provavelmente você foi avesso ao risco no problema 1 e escolheu novecentos reais de forma garantida, mas no problema 2 preferiu arriscar. Embora as opções sejam equivalentes matematicamente, a sensação de perder algo de forma certa é muito intensa. A motivação para manter o que conquistou, na maioria das pessoas, é muito maior que a motivação para ganhar algo novo. Assim, é mais comum tomar um grande risco para evitar a perda, do que se arriscar para aumentar os ganhos. O ponto de referência, principalmente se você já possui ou não algo, conta muito mais do que os economistas imaginavam antes da Teoria dos Prospectos.
O cotidiano vindouro se estabelecerá não por uma questão racional e lógica de custo benefício, mas pela referência gerada pelos ganhos obtidos, ainda que involuntariamente, em função da transformação vivida. Você conquistou ficar mais tempo em casa, conviver mais com sua família, sair do estresse do trânsito e de algumas aglomerações indesejadas. É claro que vai querer voltar a ir ao cinema, ao teatro e aos shows, encontrar e abraçar os parentes e os amigos, jogar conversa fora na mesa de um bar e comemorar seu aniversário com uma festa. Mas desperdiçar o que conquistou, você não vai se permitir. Bem-vindo ao “Novo Normal”.
*Jeovani Salomão é empresário do setor de TICs e ex-presidente do Sinfor e da Assespro Nacional.