Data Center: o desafio do planejamento da transmissão no Brasil

O crescimento explosivo dos projetos de data centers de grande porte no Brasil entrou de vez no radar do planejamento elétrico nacional. Durante apresentação em evento do setor, Daniel José Tavares de Souza, da Superintendência de Transmissão de Energia – da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), detalhou os desafios e as estratégias que estão sendo adotadas para lidar com uma demanda que se aproxima de 20 GW em pedidos de conexão, número que já supera projeções iniciais.

Um dos pontos centrais apontados por ele é o descompasso de prazos. Enquanto a implantação de linhas de transmissão leva, em média, sete anos desde o estudo até a entrada em operação, os data centers são construídos em dois a três anos. Isso cria gargalos e antecipa problemas que só eram previstos para a próxima década.

“Segunda corrida do ouro”

O fenômeno foi comparado ao movimento das energias renováveis no início da década passada. Assim como ocorreu na “corrida do ouro” dos parques eólicos e solares, os data centers passaram de projetos modestos de alguns megawatts para empreendimentos que chegam a centenas de megawatts em poucos anos. Essa transformação altera completamente o horizonte de planejamento, tradicionalmente baseado em um crescimento orgânico e previsível da carga das distribuidoras.

Pressão sobre prazos

Um dos pontos centrais é o descompasso de prazos. Enquanto a implantação de linhas de transmissão leva, em média, sete anos desde o estudo até a entrada em operação, os data centers são construídos em dois a três anos. Isso cria gargalos e antecipa problemas que só eram previstos para a próxima década.

Para mitigar esse risco, a EPE vem utilizando estudos prospectivos, que permitem antecipar soluções e colocá-las na “cesta” de obras indicativas do planejamento. Quando os pedidos de acesso surgem, já há alternativas em fase avançada para autorização ou licitação, encurtando o cronograma em até 18 meses.

Dos 62 projetos mapeados no país, 33 estão em São Paulo, especialmente no eixo que vai de Barueri à região de Campinas. Essa concentração se explica pela infraestrutura já existente, mas gera um risco de sobrecarga em pontos específicos da rede paulista.

O mapeamento da EPE mostra que apenas São Paulo soma 8,1 GW em pedidos de portaria, volume equivalente a quase metade da carga total dos demais estados. Outros polos emergem no Nordeste, onde os projetos de data centers disputam espaço com planos de hidrogênio verde, e no Rio Grande do Sul, que já tem 1,8 GW protocolados.

O dilema do ovo e da galinha

O planejamento esbarra num impasse clássico: investidores precisam da garantia de conexão para avançar, mas a conexão depende de obras que só se justificam com a confirmação da carga. Para quebrar esse ciclo, a saída tem sido trabalhar com dados prospectivos, inserindo projetos estruturais no planejamento mesmo antes da formalização dos pedidos.

Diante da urgência, a EPE também aposta em soluções tecnológicas de curto prazo, como linhas dinâmicas (DLR), dispositivos de controle de fluxo (SSSC), baterias e recapacitação de corredores já existentes. Outra discussão é a clusterização de data centers, evitando concentração excessiva em poucos pontos, e até a adoção de mecanismos de flexibilidade controlada da carga, tema que vem sendo debatido internacionalmente.

Estudos prospectivos recentes já destravaram 1,5 a 2 GW de carga na região de Campinas, o que viabilizou R$ 800 milhões em investimentos em transmissão apenas em São Paulo. Esses resultados mostram que a antecipação pode reduzir gargalos e permitir que grandes consumidores encontrem condições de conexão em prazos compatíveis com seus negócios.

Conclusão

O boom de data centers inaugura uma nova fase do planejamento elétrico brasileiro, marcada por incertezas, concentração regional e forte pressão por prazos. A comparação com as renováveis ilustra bem o desafio: enquanto os parques eólicos e solares se multiplicaram rapidamente, o país precisou adaptar sua rede para escoar essa geração. Agora, a lógica se inverte — em vez de geração abundante, o sistema precisa se preparar para receber grandes cargas concentradas.

Para o executivo, o sucesso dessa transição pode definir a capacidade do Brasil em atrair investimentos bilionários em infraestrutura digital, garantindo competitividade no cenário global da economia de dados.

Daniel participou do “Paniel 3: A expansão da rede para atender as novas cargas digitais” – no workshop: “Horizonte Renovável: A era dos Data Centers no Brasil”, promovido pela Aneel – Agência Nacional de Energia Elétrica.