Se seguirmos uma regra mundialmente consagrada por investigadores de acidentes aéreos, a queda de um avião sempre ocorre por uma sucessão de circunstâncias e erros cometidos. Que, quando somados num determinado momento, criam o ambiente favorável para o desastre.
Em todo o episódio da passagem de Christiane Edington pela presidência da Dataprev, uma questão sempre ficou obscura e chamou a atenção: por onde andava o Conselho de Administração, que não tentou evitar o desastre?
Oportunidades não faltaram para a instância administrativa máxima da estatal comparecer ao trabalho.
Por exemplo, ficou evidente que o CA fechou os olhos para a presença de um “diretor fantasma”, que tinha livre acesso nas dependências da empresa, inclusive as de segurança máxima. Em outra ocasião não se preocupou com o foco da direção na “Transformação Digital”, sem levar em conta a negligência que isso traria para a prestação de serviços essenciais ao INSS firmados em contrato. Além disso, não há registros de que tenha se preocupado com os constantes cancelamentos de contratos com empresas privadas, sem justificativas claras, o que poderiam paralisar projetos em andamento, aprovados anteriormente pelo mesmo Conselho.
Somados a esses problemas, existem casos de omissão deste Conselho que ainda não foram tornados públicos, alguns através de Ata. Mas que, se confirmados, preocupam por conta dos impactos financeiros futuros que poderão gerar para a empresa.
Um deles diz respeito à suposta decisão tomada em reunião no fim de janeiro ( dia 31), na qual o CA liberou para a Diretoria Executiva o poder de comprometer a Dataprev com novos gastos, mais altos que os previstos.
Naquela reunião, a direção da Dataprev passou a controlar dentro dos limites de gastos de sua alçada, contratações de até R$ 29,5 milhões, desde que eles estejam no portfólio de “Aquisições e Investimentos do Plano de Ação da Empresa”.
Tal decisão levará a um salto de mais de 300% nos limites que a diretoria poderá numa canetada simples, empenhar na compra de bens e serviços dentro do seu “Plano de Ação”. Fato que contrasta com o nível de austeridade que era imposto às diretorias anteriores da Dataprev, pois antes da gestão Christiane Edington, o Conselho obrigava diretores a detalhar, em sucessivas reuniões se fosse o caso, até esclarecer todo o projeto, cada compra que o limite ultrapassava dentro do mesmo plano a quantia de R$ 9 milhões.
Mas essa sangria não parou por aí. O Conselho de Administração ainda aprovou na reunião do dia 31 de janeiro, através da suposta “Resolução CADM/001/2020” – ainda não publicada oficialmente ou de conhecimento público – a decisão de também autorizar a Diretoria Executiva da Dataprev a gastar até o limite de R$ 5 milhões, para bens e serviços que não estão previstos nas “Aquisições e Investimentos do Plano de Ação da Empresa”.
Ou seja, o Conselho de Administração da Dataprev resolveu lavar as mãos e jogar uma de suas principais atribuições no lixo, ao autorizar a então presidente, Christiane Edington a gastar sem ter de prestar contas previamente à ninguém.
Convém lembrar que Christiane Edington foi demitida ontem por telefone, já que estava em São Paulo, mas seus diretores ainda permanecem com poderes e a caneta nas mãos para se beneficiar da medida. E, mesmo que saiam, resta saber se o novo presidente da Dataprev, Gustavo Canuto (foto), não irá considerar a ideia “atraente”.