Não foi apenas a aposentadoria de servidores do INSS o motivo para as filas que denotam mal atendimento. A lentidão dos sistemas, as constantes falhas e o estrangulamento da Dataprev desviada de suas atribuições, também contribuíram para o problema. Este site irá apresentar uma série de quatro reportagens (essa é a primeira da série), que mostram que há algo de estranho ocorrendo dentro da estatal e tem refletido no país.
No afã de mostrar à cúpula do governo, que tinha capacidade e estava totalmente envolvida com o projeto de “Transformação Digital” do Governo Bolsonaro – que é bom e tem mostrado resultados – a presidente da Dataprev, Christiane Edington, passou por cima de todos os trâmites administrativos. Sem levar em conta o tamanho da dor de cabeça que criaria para o INSS e a Previdência Social, como um todo.
A direção da estatal não vem mostrando publicamente essa situação, para não acabar responsabilizada pelas decisões erradas que tomou. Porém, o próprio INSS já não esconde essas falhas da estatal, ao estampar essa informação nas telas de avisos dos seus postos de atendimento à população.
Em junho de 2019, em apenas seis meses de governo, a Dataprev publicou um documento denominado “Planejamento Estratégico 2019/2023”, no qual a empresa informava todas as metas cumpridas até aquele mês ou que estariam colocando a estatal num cenário de uma ilha de excelência entre as empresas de tecnologia brasileiras até o fim do ano.
O documento é a versão 2.0 datada de 28 de junho de 2019. Supostamente a última atualização (revisão) feita pela nova “gestão da empresa”, que se propunha a informar ao público sempre que uma nova etapa estivesse pronta.
São apresentadas as sete metas que regeriam a atuação da empresa no mercado governamental de TI: 1- Digitalizar os serviços públicos para um estado mais eficiente; 2 – Implementar produtos digitais para a sociedade; 3 – Aprimorar a eficiência organizacional; 4 – Garantir a Segurança das Informações; 5- Fortalecer a imagem institucional; 6- Assegurar a sustentabilidade do negócio e; 7- Impulsionar o negócio por meio de pessoas e competências.
No item 1- Digitalizar os serviços públicos para um estado mais eficiente, um quadro chegou a ser estampado na apresentação com informações sobre o cumprimento de toda as metas, que tiveram início no dia 2 de janeiro de 2019, no segundo dia de Governo Bolsonaro, com término previsto para o cumprimento de todas as ações no dia 30 de dezembro de 2019.
Como não há uma nova versão, fica subentendido que tais metas foram cumpridas. E a meta que mais chamaria a atenção é justamente a que trata da implantação de “soluções digitais de atendimento do INSS”.
Ora, se apenas tal meta foi cumprida dentro do cronograma estabelecido, por que o INSS seria leviano de colocar uma mensagem em suas telas de informação ao público alegando problemas com os sistemas?
As metas podem ter sido, sim, cumpridas. Os sistemas estão prontos. Mas já estariam em pleno funcionamento satisfatório? Eis a questão. Aparentemente não ou se estão, ainda não há 100% de confiabilidade neles de não haverem erros, porque o INSS está acusando deficiência neles. E não apenas por conta desse quadro.
Caos nos sistemas
Este site teve acesso a informação de que a Dataprev, ao canalizar todas as suas equipes para o desenvolvimento de novos sistemas que denotariam a “Transformação Digital” do Governo Bolsonaro, acabou sacrificando os serviços de manutenção dos que já estavam em operação.
Mesmo com todo o esforço das equipes, em atender aos anseios da direção e ao mesmo tempo cumprir o estabelecido em contrato com o INSS, é nítido que faltou gente habilitada para atender as necessidades do órgão.
A Dataprev conta com um sistema SDN – System Desk Manager, que informa a situação de todos os sistemas de entrada de documentação da população para a Previdência Social. Ele também assegura à Dataprev a capacidade de preparar suas equipes para operar no suporte ao INSS, de acordo com o volume de chamadas de serviços de manutenção de sistemas feito pelo órgão.
As informações dão conta que entre os dias 1º de janeiro deste ano, até o dia 24, o SDN apresentava um quadro de informações que mostravam claramente o tamanho da encrenca em que a direção da Dataprev estava se metendo, ao ter direcionado todas as equipes para projetos de desenvolvimento para a “Transformação Digital”, em detrimento dos serviços de suporte ao INSS. Diversos sistemas, entre eles: Comunicação com o CNIS (Cadastro Nacional de Informações Sociais), Correio-Eletrônico, Prisma, PMF Tarefas, e-SISREC, SAT (atendimento), SIBE LOAS (sistema de benefícios), GET e PLENUS, apresentavam acúmulo de chamadas de suporte técnico.
O SDN chegou a acusar naquele período de janeiro, por exemplo, um acúmulo de 4.500 chamadas para solução de “indisponibilidade” do “Sistema GET”, que é um dos responsáveis pela entrada de documentação e digitalização dos serviços do INSS. Uma média de 187 chamadas para solução de problemas por dia.
Ou seja, um dos principais sistemas que o órgão utiliza para receber a documentação do público e que tem inclusive sub-rotinas como a do gerador de senhas para atendimento, estava completamente comprometido, praticamente fora do ar ou quase nenhuma manutenção diariamente, o que levou o SDN a acusar o pico de 4.500 chamadas inconclusas pela Dataprev neste período.
E não foi somente o GET a mostrar o tamanho do encalhe de serviços da Dataprev. O sistema PLENUS, que guarda as informações de aposentados e pensionistas no datacenter da Dataprev do Rio de Janeiro, chegou a um pico de mais de mil chamadas de pedidos de suporte técnico. Tudo por conta da decisão canalizar as atividades da empresa na integração de sistemas da Previdência, além do desenvolvimento de aplicativos. O que deixou de lado a prestação de serviços ao INSS.
Em paralelo à essa situação, a direção da Dataprev implantou um modelo de gestão de terror dentro da empresa. Os funcionários vêm trabalhando desde setembro do ano passado com o fechamento de 20 unidades regionais, um plano de demissões voluntário e o fantasma da privatização da empresa, o que poderá gerar demissões em massa.
O clima nada amistoso entre funcionários, diretores e chefias subordinadas chegou ao ápice na semana passada, quando a maioria dos trabalhadores da Dataprev decidiu entrar em greve geral em todo o país. A situação desta diretoria está insustentável. Até o diretor de Desenvolvimento, André Côrte, que inexplicavelmente gozava do privilégio de morar e trabalhar no Rio de Janeiro, foi obrigado a se transferir para Brasília, onde fica a sede.
Já não se sentia seguro de andar nos corredores da empresa, sem correr o risco de ser agredido por algum funcionário desesperado, diante do clima de pressão que se instalou na empresa pela nova diretoria. Ao ponto de um superintendente fazer terrorismo com os funcionários às vésperas da deflagração da greve, numa cena nunca vista dentro da empresa.