Por Sandra Teschner* – O ser humano seria “limitado em seu livre arbítrio”, concluía von Ditfurth em resposta aos resultados obtidos pelas então novas pesquisas científicas com gêmeos e que comprovariam que 50% do nosso comportamento é originário de herança genética. Afirmação esta que seria suficiente para a certeza determinista do autor de que seríamos algo como “um caso perdido”.
Como solução, von Ditfurth propunha o fim coletivo da humanidade, já que a esperança estaria na vida após a morte. Esta sim, poderia recriar a realidade, transcendendo o mundo, como o conhecemos, adicionando componentes como “amor até aos inimigos”. Odiado e sincronicamente premiado, o autor descrevera, em suas angústias escapistas, o que alguns pensadores de tecnologia atuais mais otimistas esperam do metaverso, sem, para tanto, ter de morrer para viver. A ideia é continuar por aqui mesmo, ainda que numa realidade paralela.
O tal do metaverso
“Trata-se de uma convergência entre os dois mundos, não uma dissociação, mas uma associação de hábitos, negócios, locais virtuais, lazer. Este contexto abre possibilidades também no quesito comportamental, no metaverso, seu eu-digital, ou seu avatar pode ser exatamente quem você é, ou pode ser alguém completamente diferente por conseguinte, experimentar uma nova vida. Esta realidade imersiva será ainda muito mais profunda, do que vivenciamos hoje com as redes sociais, tecnologias digitais, WhatsApp.” — resume Christiane Edington, Conselheira da MCIO Associação que promove a inclusão e ascensão de mulheres no mercado de tecnologia e ex-presidente da Dataprev, uma das principais executivas brasileiras, membro do conselho de administração de grandes corporações, como as Lojas Renner e JHSF.
Ok. Mas, o que é mesmo felicidade?
Uma pergunta que deve ser feita é: O que os entrevistados pelo estudo entendem por felicidade? Seria diversão, conquistas rápidas, prazeres hedônicos (intensos, mas de rápida duração)? Ou será que de fato reportaram ao entendimento superior e atualizado da felicidade, evidenciada pela ciência? A resposta deve ser dada no âmago de cada um de nós. O que responderíamos se tivéssemos feito parte da pesquisa e o que de fato estaríamos respondendo com nossas afirmações? Já identificamos um propósito longevo, um bem-estar subjetivo duradouro a despeito dos acontecimentos da vida? Já compreendemos que a base de uma vida feliz são conexões sociais qualitativas, altruísmo, imperturbabilidade, tudo isso bem equalizado com emoções positivas? Afinal, são esses os pilares de uma vida duradouramente feliz, segundo estudos robustos de renomadas universidades de Harvard, Yale, California, River-Side, Bochum (Alemanha), para citar algumas.
Seria uma forma de garantir “felicidade” que levaria, segundo o jornal britânico Independent, um fã anônimo a pagar £ 340.500 libras esterlinas na compra de um terreno virtual, próximo à casa NFT (criptomoeda ou o token não-fungível, código de computador que serve como autenticação de um arquivo — garantindo sua originalidade) de Snoop Dogg no Metaverso? Para quem está surpreso, o rapper construiu seu Snoopverse, onde os residentes são chamados Snoopers, e já fatura incansáveis cripto-milhões. Não é necessariamente um conceito novo, sustentar a vida em propósito, amizades e autoalquimia.
Recriar as vivências humanas através de um eu-imersivo é desafiador, principalmente para um ambiente que se propõe a estar 24 horas em modo on. Para que essa recriação impacte positivamente a sociedade, deve-se considerar na era pós-pandêmica (admitindo algum otimismo na expressão) o urgido da saúde mental de seus cidadãos, virtuais ou não. Numa das frentes emergentes mapeadas pelo Into the Metaverse, as MetaSocieties: 88% dos entrevistados disseram que o seu eu-digital deverá refletir os seus valores da realidade e os seus preceitos éticos. Seria este um dado indicador de esperança para a construção de uma sociedade virtual mais feliz?
No renomado Psychology Today, Dra. Phil Reed, Ph.D., professora de psicologia na Swansea University respondeu: “Estudos sugerem que o uso excessivo da tecnologia digital está associado a muitos problemas de saúde mental, como sintomas psicossomáticos, depressão, e doenças mentais graves. Para que este esboço das evidências não seja confundido com propaganda anti-digital, como foi posto por representantes do Facebook, a primeira coisa a dizer é que existe a possibilidade de que tal interação virtual ajude pessoas a lidarem com a situação de delírios e alucinações, demonstrados em ensaios clínicos controlados. No entanto, o metaverso proposto não será um ambiente clínico controlado, e há sugestões factíveis de que a ajuda que tais ambientes virtuais proporcionam é simplesmente escapismo, ou seja, promovem a sensação de escapar de problemas, não entregando uma solução duradoura. Por outro lado, existem evidências crescentes de uma associação entre o uso digital e problemas clínicos associados a delírios e alucinações.” (em livre tradução).
Temos uma equação cheia de incógnitas entre os desejos de uma sociedade ideal, em um Universo paralelo virtual, a motivação das big techs com o gigantesco potencial de audiência e lucratividade, e as dúvidas que permeiam anseios coletivos de bem-estar subjetivo em contraponto com seus medos. Escapar ou Ser Feliz?
O que o psiquiatra pessimista Hoimar von Ditfurth não sabia, ou não apostou em sua abordagem dos anos 1980, é da imensa capacidade resiliente e de aprendizado humano. Quando estes escolhem agir e imputam esforço e energia, muito além dos genes, somos capazes de viver nossa melhor versão, numa perspectiva realista, porém otimista da vida, sem termos de desistir dela para prosperar.
Encorajar pessoas para não escolherem um mundo exclusivo para creditar hábitos de uma vida sustentável, justa, empática, significativa pode ser uma alternativa válida para a felicidade em coletividade. Na dúvida imersiva, e adjetivando em metaverso, que tal plantarmos nossas macieiras? Se bem cuidadas, os frutos vêm. Alguém acompanha? Ou…Vou ali plantar uma macieira. Quem me acompanha?
*Sandra Teschner é cheif happiness officer, certificada na Florida International University (FUI) em “Gestão de Felicidade”, focado em mostrar o quão a felicidade é importante para quaisquer organizações e como é primordial ter um gestor da Ciência da Felicidade em um quadro de colaboradores. Também é membro palestrante do Wohasu World Happiness Summit, criadora do projeto Plantando Happiness, projeto experiencial e interativo que contou com a participação de 73.000 pessoas tendo contato com aplicações tangíveis da ciência da felicidade.