Eu venho de um tempo em que pessoas saíram para as ruas para pregar: “o petróleo é nosso”. Hoje o petróleo já não é mais nosso, porque alguém entendeu que melhor seria que ele fosse explorado por uma estatal norueguesa do que por uma empresa pública brasileira.
Agora sinto que prego sozinho num deserto, sobre temas que colegas de profissão preferem se calar. Seja por ignorância, má-fé ou puro interesse comercial.
A questão agora não é mais sobre petróleo. Esta bandeira já passou, não é mais do Brasil e ponto final por respeito aos contratos. A minha luta agora é pelo direito de poder gritar a plenos pulmões para quem quiser me ouvir: “a vida é minha”.
Ontem o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mandou suspender uma contratação direta feita pelo Tribunal de Justiça de São Paulo com a Microsoft no valor de R$ 1,2 bilhão. Não pretendo entrar no mérito dessa rapinagem comercial, porque vocês já estão carecas de saber o que penso da Microsoft e do seu comportamento e das suas revendas no Brasil.
Vou me ater aos fatos, e esses estão registrados na decisão de ontem do CNJ pelo conselheiro Márcio Schiefler (foto acima) que decidiu impedir o fechamento do contrato entre a Microsoft e o TJSP. Em seu despacho a decisão histórica do conselheiro foi clara:
“Potencialmente falando, empresa estrangeira, em solo estrangeiro, manterá guarda e acesso a dados judiciais do Brasil, onde a intensa judicialização reúne, nos bancos de dados dos Tribunais, uma infinidade de informações sobre a vida, a economia e a sociedade brasileira, o que, ressalvadas as cautelas certamente previstas, pode vir a colocar em risco a segurança e os interesses nacionais do Brasil, num momento em que há graves disputas internacionais justamente acerca dessa matéria”.
Com base nisso, o CNJ, através de sua Comissão Permanente de Tecnologia da Informação e Infraestrutura, anunciou a instalação de um grupo de trabalho, que terá por objetivo “apresentar uma proposta de resolução que vise a disciplinar o acesso aos bancos de dados dos órgãos do Poder Judiciário, seja por outros órgãos públicos, seja por entidades privadas”.
O TJSP, segundo o conselheiro, chegou a ser informado no ano passado dessa intenção do CNJ. Mas preferiu seguir o manual básico da rapinagem em compras governamentais e tratar de assinar com a Microsoft um contrato antes que fosse aprovada tal resolução.
Mais do que ser histórica, a decisão do conselheiro Márcio Schiefler é o primeiro alerta concreto no Brasil de que algo não está claro ( para não dizer errado) e que precisa ser estudado longe de todas as paixões possíveis ( eu, por exemplo, estaria contaminado para participar desse debate, visto que não nutro o menor respeito pelo trabalho da Microsoft no Brasil).
Ao comentar em seu despacho: “num momento em que há graves disputas internacionais justamente acerca dessa matéria” – Schiefler deixou evidenciado que discussões sobre a guarda dos dados de um país em solo estrangeiro e que o acesso à informações sobre a vida privada das pessoas pode estar em risco e que será preciso aprofundar essa discussão antes de contratos acabarem sendo assinados com empresas privadas de tecnologia, sejam multinacionais ou brasileiras que carregam bandeiras no mercado para as estrangeiras.
Calma gente, não se trata apenas de querer negar que tenham acesso às minhas informações. Só quero regras mais claras sobre:
1 – Quem deseja ter acesso às minhas informações dentro e fora do país,
2 – O que pretende fazer com elas,
3 – Se pretende comercializá-las,
4 – Para quem pretende comercializá-las,
5 – Quem lucrou aqui dentro com a comercialização delas e qual a punição se não autorizei esse repasse (se órgão público ou empresa brasileira ou estrangeira que recebeu os meus dados) e, principalmente:
6 – Quanto serei remunerado, já que minhas informações pessoais e jurídicas foram negociadas entre terceiros, que no futuro tentarão lucrar comigo novamente através de ações de publicidade e marketing.
Sim, vão alegar que as atuais legislações de proteção de dados brasileiras impedem que isso ocorra. Será?
Chamo os entendidos no assunto para um debate sobre esse tema. Aliás, faço melhor: me proponho a organizar um debate público sobre esse tema. Topam? ( ainda que me considere impedido)
Volto a insistir num assunto, porque agora o CNJ me conferiu “poderes” (hihihihi), para voltar a bradar em praça pública, ou no deserto, sobre o que pretendem fazer com os bancos de dados federais, uma vez que novos “modelos de negócios” já abrem um canal dentro de empresas estatais causando mais dúvidas do que certezas.
Informações em bancos de dados federais são a nova fronteira do lucro para multinacionais como Microsoft, Google, Amazon, IBM, Oracle, SAP, ATOS e inúmeras outras empresas que têm projetos em cloud computing, ou orbitam nesse mercado desenvolvendo aplicações . E trabalhar com a guarda e a garimpagem de banco de dados vale 100 vezes mais do que sair vendendo ativos de empresas estatais.
*Prestem a atenção no caminhar dessa comissão do CNJ que se propõe debater o assunto. Ela poderá ser o norte de futuras discussões. Pois no âmbito do Poder Executivo já está sendo travada uma luta dentro do Ministério da Economia, entre defensores do velho discurso “Estado Mínimo”, contra espertalhões que desejam lucrar nos bancos de dados estatais, fazendo com que o cidadão acredite que está sendo beneficiado por um”Governo Digital”.