CGU conclui relatório que avalia venda do Serpro e Dataprev e traça um cenário repleto de riscos

Dois relatórios de avaliação dos “prós e contras” em relação às privatizações do Serpro e da Dataprev foram concluídos pela Controladoria-Geral da União. E, de forma bem sutil, como convém a um organismo de controle, que vive sob o rígido controle de um governo autoritário, os relatórios colocam uma série de questionamentos que põem por terra os argumentos do Ministério da Economia para a venda das empresas.

Os documentos contendo praticamente o mesmo texto, traçam um cenário desfavorável para as privatizações das empresas públicas de TI, pelos “riscos” apontados pelos auditores, de que as privatizações possam se tornar numa passagem do atual monopólio estatal para um igualmente privado. Ou seja, o relatório da CGU coloca mais lenha na fogueira, sobre o processo de venda das estatais de TI, que há mais de dois anos carece de um debate público e transparente.

Vantagens do modelo estatal

A CGU pareceu bastante “econômica” ao sintetizar um cenário em que o governo ganharia com a manutenção do modelo estatal, seguindo, inclusive, o pensamento da OCDE (citado por eles). Na ótica da CGU com base nas informações do governo, as vantagens são:

(a) produtos desenvolvidos desde o início, de acordo com as especificidades e requerimentos do setor público;
(b) possibilidade de direcionar esforços em direção a objetivos e demandas da agenda de modernização pública;
(c) expectativa de maior coerência das soluções;
(d) facilidade de contratação de serviços pelos órgãos públicos;
(e) gerenciamento de base de dados críticas; e
(f) gerenciamento de sistemas legados estruturais.

Curiosamente o órgão não inseriu nesse contexto como ganhos para o cidadão, a questão da proteção dos dados pessoais deles, quando interagem na busca por diversos serviços ou no cumprimento de deveres para com o governo como, por exemplo, no caso do pagamento de impostos.

Também não listou claramente como “vantagem”, para percepção do leitor, que os órgãos e secretarias federais deram preferência para a manutenção do modelo estatal, como sendo algo “essencial para a execução de suas atividades”. A Controladoria até cita essa questão, mas evita listar como vantagem tal informação (inclusive fornecendo percentuais de consulta direta feita aos órgãos), para ficar evidenciado o tamanho da adesão ao modelo estatal.

Mas os autores, nas entrelinhas do relatório, deixam transparecer que não estão tomando partido a favor dessas privatizações. Já que na mesma parte em que falam das “vantagens do modelo estatal”, apresentam uma informação contraditória. Fazem questão de colocar de forma depreciativa a informação de que existe um “risco” no modelo estatal pelos constantes calotes que as empresas tomam do “controlador”, que no caso é o próprio governo:

“Não se pode negligenciar, contudo, que a alternativa (manutenção do controle estatal) apresenta riscos, entre os quais se destaca o de dependência de recursos do controlador para o financiamento de investimentos e de despesas de custeio”, alfinetam os auditores.

Mas é de se indagar: esse “risco” é decorrente de algum erro administrativo, incompetência ou má-fé da parte da empresa pública? Ou seria a constatação de que o modelo estatal enfrenta problemas financeiros, pela evidente incompetência gerencial de governos que adotam arrocho fiscal, que não se planejam em compras públicas, gastam o que não tem em caixa para atender bases políticas e depois aplicam um calote interno?

São problemas que tanto a CGU, quanto Tribunal de Contas da União, raramente costumam interferir em favor dessas empresas. Cobram resultados, mas não exigem os meios necessários para elas cumprirem a missão para o qual foram criadas lá atrás, nos governos militares.

Desvantagens no modelo estatal

Ao abordar as “desvantagens” na manutenção do modelo estatal, o relatório da CGU mais confunde do que esclarece. Porque deixa claro que o governo forneceu informações contestáveis o suficiente para justificar a venda das empresas públicas e os auditores praticamente se valeram delas para detonarem o processo de privatizações do Serpro e da Dataprev.

Por exemplo, o governo aponta como “vantagens” na venda das empresas, alguns benefícios que, em seguida, os técnicos da CGU contestam por conta dos “riscos” inerentes ao processo. Na ótica do governo, as vantagens para a venda das empresas seriam as seguintes:

(a) a redução do risco fiscal da União;
(b) o estímulo aos órgãos e entidades públicas a incrementarem seus níveis de maturidade em governança e gestão de TI e segurança da informação; e
(c) no médio e longo prazo, a redução de preços dos serviços de TI ofertados ao governo, em razão:

  • (c.1) da expectativa de menores custos e despesas de pessoal dos fornecedores privados,
  • (c.2) de maiores níveis de eficiência esperados a partir da assunção da operação pelo setor privado, e
  • (c.3) do incremento da competitividade.

Para os auditores da CGU, essas informações carecem de uma discussão mais profunda sobre os seus riscos. Embora citem o caráter “disruptivo” das privatizações, os auditores apontam uma série de empecilhos quanto ao processo:

(a) segurança no tratamento de dados e informações sigilosos;
(b) fornecimento de serviços críticos de TI;
(c) dependência e posicionamento privilegiado de fornecedor privado;
(d) migração dos sistemas para o parque tecnológico de empresas privadas;
(e) majoração, no curto prazo, dos valores das contratações no mercado em relação aos valores atuais; e
(f) complexidade no suporte, manutenção e correção de sistemas estruturantes de gestão financeira.

Na questão da situação de “redução do risco fiscal”, os auditores deixaram transparecer que o governo estaria imputando às estatais, a culpa pelos órgãos federais terem baixa qualidade técnica para incrementar “seus níveis de maturidade em governança e gestão”. Mas no que a venda do Serpro e a Dataprev poderia contribuir efetivamente para uma melhora na qualidade técnica dos gestores públicos de TI?

Outra questão contraditória foi o governo cravar a informação de que o preços dos serviços de TI teriam redução. Os próprios técnicos da CGU negam essa possibilidade quanto levantam o risco de “majoração de preços no curto prazo” (item e).

E tem razão. Setores econômicos já privatizados não corroboram essa tese do governo. Por exemplo, a venda das refinarias da Petrobras não trouxe até agora nenhuma melhora no preço dos combustíveis para os consumidores. Da mesma forma, a venda das empresas de fertilizantes fragilizou ainda mais a situação da compra do produto no mercado interno. A Petrobras fechou três fábricas de insumos desde 2016 e aumentou dependência brasileira de importações, agora num cenário de guerra na Europa que envolve o maior fornecedor (Rússia) e com o dólar nas alturas dentro do Brasil.

Além disso, as despesas com pessoal e fornecedores privados carecem de planilhas comprobatórias para justificar o discurso de ganho para as contas do governo. Coisa que o Ministério da Economia nunca apresentou publicamente para corroborar essa tese. O ministério sequer foi à publico até hoje discutir essas privatizações. Tudo tem sido guardado sob absoluto sigilo.

Já sobre a questão de “incremento da competitividade”, a CGU diz não ser clara essa tese, ao colocar como “risco”, o fato de o comprador abocanhar os atuais contratos do Serpro e da Dataprev por mais de cinco anos (já autorizado pelo TCU quando tais contratos forem de interesse estratégico para o governo).

E os auditores nem entraram no mérito para criticar a venda de estatais de TI, sobre os “riscos” de vazamentos de dados dos cidadãos, hoje em poder do Estado e das responsabilidades previstas na LGPD. Preferiam apenas se ater ao questionamento na Segurança da Informação, de eventuais vazamentos de informações sigilosas de governo.

Por fim, outro “risco” levantado pela CGU que chama a atenção é quanto a complexidade da migração dos sistemas legados de estatais para empresas privadas. É notório o caso da Dataprev, que após mais de 15 anos abandonou o processo de rebaixamento de um dos mainframes que dispõe nos seus três centros de dados, sob a alegação de que a empresa privada contratada para o serviço não deu conta do recado.

Mesmo sendo ordem do Ministério Público Federal o projeto foi enterrado na Dataprev. Quem embromou nessa questão, a estatal ou a empresa privada que se dispôs fazer o serviço? Isso nunca foi respondido pelos organismos de controle.

A data estimada pelo Ministério da Economia para as privatizações do Serpro e da Dataprev ficou para 2023. Ou seja, o Governo Bolsonaro já jogou a toalha sobre o assunto, que somente será retomado se o presidente conseguir a reeleição.

*Os relatórios Serro e Dataprev estão na página da Controladoria-Geral da União.