Bolsonaro já tem esboço de decreto para impedir retirada de conteúdo e perfis da Internet

O ministro do Turismo, Gilson Machado Guimarães Neto, comunicou no último dia 13 aos ministros Fabio Faria (Comunicações), Marcos Pontes (Ciência, Tecnologia e Inovações) e Anderson Gustavo Torres (Justiça e Segurança Pública), minuta de decreto a ser assinado pelo presidente Jair Bolsonaro, que impede os provedores de aplicações de retirarem conteúdo e perfis de suas redes sociais.

O texto foi inspirado na Secretaria Especial de Cultura e seu explosivo conteúdo é atribuído ao bolsonarista Mario Frias. O órgão é vinculado ao Ministério do Turismo, cujo titular, Gilson Machado, nas horas vagas costuma tocar sanfona nas “lives” semanais de Bolsonaro.

Por meio do Ofício Circular nº 88/2021/GM, Machado informou aos demais ministros, que já inseriu no Sistema de Geração e Tramitação de Documentos Oficiais do Governo Federal (SIDOF), a “Exposição de Motivos MTUR 00030 2021 MJSP MCOM MCTI”, que traz o esboço do novo decreto, que visa alterar o Decreto nº 8.771, de 11 de maio de 2016 e regulamentou o Marco Civil da Internet.

Cancelamento, exclusão ou suspensão de contas

As principais mudanças começam no Artigo 2-B deste novo decreto. Segundo o esboço apresentado pelo ministro do Turismo, os provedores de aplicações ficam proibidos “sem ordem judicial, excluir, cancelar ou suspender total ou parcialmente os serviços e as funcionalidades das contas mantidas pelo usuário em seus aplicativos”.

A medida vale tanto para provedores de aplicações de Internet ou os fornecedores de serviços de meios de pagamento que “ofertem seus produtos ou serviços ao público em geral, em caráter permanente ou sob demanda, de modo gratuito ou mediante cobrança”.

A exceção para a mirabolante proposta formulada num mero decreto – que afronta o Marco Civil da Internet, justamente por alterar o conteúdo do Artigo 19 desta lei – está no “parágrafo único”, que aponta os casos em que a medida proposta não se aplicará, abrindo espaço para os provedores retirarem perfis da rede:

I – inadimplência do usuário;
II – contas criadas ou usadas com o propósito de assumir ou simular identidade de terceiros para enganar o público, ressalvados o direito ao uso de nome social e à pseudonímia, bem como o explícito ânimo humorístico ou de paródia; e
III – contas preponderantemente geridas por qualquer programa de computador ou tecnologia para simular ou substituir atividades humanas na distribuição de conteúdo em provedores.

Exclusão, suspensão ou limitação de conteúdos

Já no Artigo 2-C, o Ministério do Turismo, que tem a Secretaria Especial de Cultura como mentora da proposta, a exclusão de conteúdos – sem ordem judicial – somente será permitida pelos provedores de aplicações nos casos em que estiverem em desacordo com o  Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990) ou quando apresentar as seguintes situações:
a) nudez ou representações explícitas ou implícitas de atos sexuais;
b) prática, apoio, promoção ou incitação de infração penal sujeita a ação penal pública incondicionada;
c) apoio, recrutamento, promoção, enaltecimento ou ajuda a organizações criminosas ou terroristas ou a seus atos;
d) prática, apoio, promoção ou incitação de atos de ameaça ou violência, inclusive, por razões de discriminação ou preconceito de raça, cor, sexo, etnia, religião ou orientação sexual;
e) fabricação ou consumo, explícito ou implícito, de drogas ilícitas ou a apologia ao uso;
f) prática, apoio, promoção ou incitação de atos de violência contra animais;
g) prática ou o ensino do uso de computadores ou tecnologia da informação com o objetivo de roubar credenciais, invadir sistemas, comprometer dados pessoais ou causar danos sérios aos outros, ou ações contra a segurança pública, defesa nacional ou segurança do Estado;
h) prática ou o ensino do uso de aplicativos, sites ou tecnologia da informação com o objetivo de violar direitos autorais; e
i) constituir infração às normas expedidas pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar).

Sanções

O esboço de decreto também trata das punições que os provedores de conexão à internet e os provedores de aplicações de internet estarão sujeitos caso descumpram o decreto:

I – advertência, com indicação de prazo para adoção de medidas corretivas;
II – multa de até 10% (dez por cento) do faturamento do grupo econômico no Brasil no seu último exercício, excluídos os tributos, considerados a condição econômica do infrator e o princípio da proporcionalidade entre a gravidade da falta e a intensidade da sanção;
III – suspensão temporária das atividades relacionadas à provisão de aplicações de internet ou de conexão à internet; ou
IV – proibição de exercício das atividades que envolvam a provisão de aplicações de internet ou de conexão à internet.

A proposta traz ainda uma dosimetria para a aplicação das multas previstas no decreto. e a forma como internautas pode pedir a retirada de conteúdos de terceiros que considerem ofensivos.

O decreto juridicamente não se sustenta em pé e dificilmente um advogado que represente a União conseguiria defendê-lo em eventual ação contestatória das plataformas de aplicações no Judiciário.

Primeiro, porque ele altera significativamente o Artigo 19 do Marco Civil da Internet e decretos não têm poderes para alterar textos aprovados no Legislativo. No máximo poderiam regulamentá-lo, mas não é o caso.

O Artigo 19 apenas indica que os provedores não serão responsabilizados por conteúdos distribuídos nas redes sociais por terceiros, salvo se houver ordem judicial para a retirada dos mesmos e as empresas não cumprirem a decisão de um juiz.

As plataformas, seja por iniciativa própria ou por pressão política, têm buscado melhorar o conteúdo veiculado nas redes sociais pelos usuários, impedindo a massificação da desinformação e fake news. Com base nos seus “Termos de Serviço” elas têm filtrado o conteúdo, principalmente o direcionado á desinformação sobre a pandemia do Covid-19.

O temor bolsonarista, que vem se nutrindo da desinformação e das fake news desde a última eleição presidencial, construindo narrativas que fogem à realidade; é de que as plataformas façam no Brasil o que fizeram com o ex-presidente norte-americano Donald Trump, que foi banido de algumas redes sociais em plena campanha pela reeleição.

A Internet é fundamental para o projeto de reeleição de Jair Bolsonaro. Tanto que este ano somente o Ministério das Comunicações tem mais de R$ 500 milhões no seu Orçamento para gastar com campanhas publicitárias (parte dos recursos, em torno de R$ 400 milhões) virão através de crédito suplementar).

Mas se depender de um decreto como este que está no sistema governamental de tramitação de documentos oficiais, Bolsonaro pode dar adeus à campanha política da reeleição nas redes sociais montada com base em narrativas falsas. O Brasil vem aprendendo a não aceitar conviver com a mentira na Internet e que ela não é uma “terra de ninguém”.

*Veja a integra da proposta do Ministério do Turismo