Big Techs tentam cooptar funcionários do Senado para agirem contra regulação da IA

Os principais assessores dos gabinetes de senadores que integram a Comissão Temporária da Regulamentação da Inteligência Artificial, participaram nesta quinta-feira (27) de um “brunch” com representantes das “BigTechs”. O encontro foi realizado a portas fechadas num sofisticado restaurante e cafeteria de Brasília. Promovido pelo Conselho Digital, um escritório de lobby, o evento teve por objetivo, permitir que as empresas apresentasem os seus pontos de vista sobre o relatório do senador Eduardo Gomes (PL-TO), que visa a regulamentação da Inteligência Artificial no Brasil. O Conselho Digital é mantido pelas empresas Google, “X”, Amazon, Meta, TikTok, Discord, UBER, 99, Hotmart e Mercado Livre.

O que essas empresas esperam conseguir através de um eventual apoio de parte desses funcionários ninguém provavelmente saberá. Porém, não é normal empresas se reunirem com um grupo de funcionários de gabinetes de deputados e senadores, para discutirem reservadamente a tramitação de um projeto de lei no Congresso Nacional.

“O objetivo é mostrar a visão das empresas sobre o texto apresentado na CTIA e os impactos da regulamentação da proposta”, reforça a informação deste blog; a mensagem encaminhada pela entidade via WhatsApp para os gabinetes dos senadores acompanhada de um convite.

Procurada pelo blog para solicitar acesso ao evento, por meio de sua assessoria de imprensa a resposta foi que tratava-se de um “encontro fechado” e devido ao pedido ter sido muito em cima da hora a organização não teria como “dimensionar o local” para caber mais um jornalista na reunião. A estimativa era de que pelo menos 20 funcionários estariam presentes. É de se imaginar o motivo do Google e o Facebook não terem como atender a um pedido de jornalista, que solicitou apenas para participar de uma reunião e não de uma boca livre.

Lobby

O Conselho Digital é a novo nome fantasia do “Instituto Cidadania Digital (ICD)”, razão social criada em 2019 pelo Advogado Felipe Melo França sob o CNPJ 35.808.843/0001-01. O Conselho Digital ainda utiliza na Internet o domínio do antigo instituto, do qual França é o dono do registro.

Felipe Melo Franca é dono e presidente do Conselho Digital. Ele começou a atuar na Câmara dos Deputados e conseguiu obter notoriedade para as plataformas de Internet, quando trabalhou como assessor parlamentar do deputado Vinicius Poit (Novo-SP), considerado pela esquerda como um dos principais articuladores da extrema-direita no Congresso Nacional.

Em 2019 Felipe criou o ICD e começou a atuar em favor das plataformas de Internet ajudando a articular a Frente Parlamentar Mista da Economia e Cidadania Digital na Câmara dos Deputados. O advogado passou a fazer toda a articulação política desse colegiado .

Entre as suas atividades, o ICD Procurava os parlamentares e pedia apoio para modificar textos de projetos de lei ou para derrubarem aquilo que não conseguiam alterar através de pedidos feitos diretamente aos relatores das matérias.

Por razões desconhecidas, Felipe França decidiu mudar o nome do instituco para Conselho Digital e em sua página tornar evidente as suas relações com as empresas. O Conselho Digital tem atuado em várias frentes ou serviços para as Big Techs. Fornece conteúdo, material de apoio aos gabinetes de deputados e senadores elaborados pelas empresas. Segundo informações de advogados e senadores que atuam na comissão da Inteligência Artificial do Senado, o Conselho Digital pode até estar elaborando textos de emendas, que acabam sendo apresentadas depois na tramitação de projetos de lei pelos parlamentares.

Felipe França também foi procurado pelo blog para explicar as suas atividades, mas a sua assesoria alegou que, devido a uma agenda carregada, não teria tempo de conversar sobre o assunto.

A criação de frentes parlamentares sempre foi uma estratégia adotada por associações e sindicatos empresariais, além dos escritórios de lobby. Isso facilitava não apenas o contato com os políticos, mas também dava um balizador de quantos votos estavam concentrados na tramitação de uma proposta legislativa.

O ex-presidente Jair Bolsonaro no início do seu mandato chegou a sinalizar que preferia lidar com os integrantes de frentes parlamentares do que os partidos políticos. A estratégia não deu certo, mas a ideia de reunir parlamentares de acordo com as suas linhas de atuação e interesses continuou tendo êxito para as empresas. Tanto, que a Câmara conta hoje com 275 frentes parlamentares para análise de diversos temas.

Até agora o lobby das empresas estava restrito a participar das reuniões da comissão e tentar influenciar diretamente o posicionamento político dos parlamentares. Mas ao que parece a situação na Comissão Temporária da Regulamentação da Inteligência Artificial, vem trazendo alguma preocupação à mais para as empresas e tudo indica que o texto do senador Eduardo Gomes não saiu como o esperado por elas.

Tanto, que as gigantes da Internet estão partindo agora para o “tudo ou nada” e não estão poupando nem a possibilidade de contar com os funcionários dos senadores para fazerem pressão nos seus chefes e impedir a votação de diversos artigos da proposta.

No momento as empresas conseguiram adiar a votação com o apoio de dois grandes parceiros: os senadores, Laércio Oliveira (PP-SE) e o astronauta Marcos Pontes (PL-SP). Os dois parlamentares, que já chegaram a visitar a sede das empresas nos Estados Unidos, concentram quase a metade das 103 emendas apresentadas ao texto de Eduardo Gomes.

Na última sessão da comissão, quando se esperava a votação do relatório final do senador Eduardo Gomes, o seu colega Marcos Pontes deu entrada com um requerimento solicitando mais uma rodada de cinco audiências públicas.

Depois de mais de 10 meses de discussões e sessões com diversos convidados apresentando os seus pontos de vistas, Marcos Pontes ainda acha que foi pouco. E agora enrolou os trabalhos da comissão da Inteligência Artificial, com a estratégia de fazer com que a comissão não vote o projeto antes do recesso parlamentar, que paralisrá os trabalhos do Congresso Nacional. Mesmo que retornem em agosto, Pontes sabe que, com a campanha municipal nas ruas, dificilmente a matéria será apreciada pelos senadores antes do fim do ano.

O pedido de Marcos Pontes para nova rodada de audiências públicas chega ao absurdo de querer convidar pelo menos 30 especialistas para fazerem apresentações e, entre eles, o fundador da Open AI, Sam Altman.

Essa tática de atrapalhar o andamento de um projeto pelas empresas, através de seus escritórios de lobby no Congresso é velha e deu certo, por exemplo, com o PL 2630 – das Fake News, relatado pelo deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) na Câmara.

Depois de quatro anos de discussão e adiamentos de votações, o presidente da Câmara, Artur Lira (PL-SP) decidiu criar um “grupo de trabalho” para retomar do zero a avaliação da proposta, matando qualquer possibilidade de que o relatório de Orlando Silva chegue ao plenário para votação.

No Senado espera-se agora que, mesmo ocorrendo nova audiência para discutir a regulamentação da IA, o relatório do senador Eduardo Gomes seja votado no mês de julho, em data que ainda sendo avaliada pelos senadores. Mas já há um quase consenso de que, se o texto não for aprovado antes do recesso parlamentar, então estará perdido. Da mesma forma como ocorreu com o de Orlando Silva na Câmara. Um bom negócio para as empresas.

*Resta saber como esses funcionários do Senado podem contribuir para ajudar as empresas a alcançarem os seus objetivos.