Por Jeovani Salomão* – De certa feita, conheci um alemão que aprendeu a falar português assistindo novelas brasileiras. Uma verdadeira figura. Ele se chamava Gabor e veio para o Brasil representar sua empresa. Em decorrência de um amigo comum, Roberto Inglês, nos encontramos novamente em Hannover, em uma feira de tecnologia chamada CEBIT, considerada uma das maiores do mundo. Nesse ano, 2009 ou 2010, não me lembro com precisão, havia 23 pavilhões, cada qual com mais de uma centena de expositores em média.
Tenho lembranças interessantes sobre o cidadão, que, em sua história, dentre outras aventuras, foi produtor de vinhos. Ele, inclusive, me garantiu que nenhuma garrafa da bebida no mundo tem custo de produção superior a 100 dólares (naquele momento do tempo o dólar valia menos da metade dos reais que vale hoje). Como sou um apreciador desse néctar dos deuses e gosto de fazer degustações a cegas, tenho a sensação de que ele deve estar certo, ou seja, preços muito elevados devem-se mais ao marketing, ou à oferta e procura, do que qualquer outro aspecto.
No decorrer do evento, a convivência com o universo do personagem trouxe à tona algumas diferenças culturais. A primeira de hábitos pessoais. Em um dos dias, fomos convidados, meu sócio e eu, para jantar. Explicamos que estávamos acompanhados das nossas respectivas esposas, para as quais o convite fora estendido prontamente. Aceitamos a gentil oferta e perguntamos sobre o horário. Fomos surpreendidos por um 18:30 horas! Além de ser muito cedo, nossas esposas chegariam de Colônia, onde tinham ido visitar a famosa catedral, apenas as 18:00 horas. Propusemos, após esclarecer a situação, que o jantar ocorresse as 19:30, mas não tivemos sucesso. “19:30 é muito tarde” foi a resposta contundente e definitiva. Conseguimos um meio termo e nos encontramos as 19 no restaurante.
No plano empresarial, a empresa para a qual ele trabalhava, a Reinner, estava em uma verdadeira cruzada para se reposicionar no mercado, isso porque, a centenária organização produz equipamentos de altíssima qualidade, os quais possuem um longo período de vida útil. Desta forma, os bancos alemães, seus principais clientes, já tinham comprado tudo o que podiam da empresa e, como os maquinários não quebravam, a companhia estava perdendo volume de vendas.
Quando faço a transposição para dispositivos e aplicativos que utilizamos com regularidade, fico impressionado com a quantidade de versões, atualizações e lançamentos. Apenas para citar um exemplo, vejamos a história de um dos smartphones de sucesso mundial e seus diversos modelos:
- iPhone (2007–2008)
- iPhone 3G (2008–2010)
- iPhone 3GS (2009–2012)
- iPhone 4 (2010–2013)
- iPhone 4S (2011–2014)
- iPhone 5 (2012–2013)
- iPhone 5C (2013–2015)
- iPhone 5S (2013–2016)
- iPhone 6 (2014–2016)
- iPhone 6 Plus (2014–2016)
- iPhone 6S (2015–2018)
- iPhone 6S Plus (2015–2018)
- iPhone SE (2016) (2016–2018)
- iPhone 7 (2016–2019)
- iPhone 7 Plus (2016–2019)
- iPhone 8 (2017-2020)
- iPhone 8 Plus (2017-2020)
- iPhone X (2017–2018)
- iPhone XR (2018-presente)
- iPhone XS (XS & XS Max) (2018-2019)
- iPhone 11 (2019-presente)
- iPhone 11 Pro (2019-presente)
- iPhone 11 Pro Max (2019-presente)
- iPhone SE (2020) (2020-presente)
- iPhone 12 (2020-presente)
- iPhone 12 Pro (2020-presente)
- iPhone 12 Pro Max (2020-presente)
- iPhone 12 Mini (2020-presente)
São 28 opções em apenas 14 anos! Pelo menos duas escolhas possíveis por ano. Uma provocação interessante, seria perguntar o que aconteceria se não fosse a Apple e sim a Reinner que tivesse inventado este aparelho celular. Talvez tivéssemos apenas uma meia dúzia de modelos, eventualmente com as funcionalidades adequadas para o nosso melhor proveito. Ou ainda, que componentes como a câmera pudessem ser substituídos com o avanço da tecnologia, porém, sem a necessidade de trocar o dispositivo inteiro. Só para registro, eu tenho um i-phone 8 de 2017 e pretendo me manter com ele enquanto durar.
Não é um absurdo imaginar que, como no caso dos vinhos, um dos elementos principais em tantas trocas seja o efeito do marketing. Aguçar os clientes com novos designs e funcionalidades inéditas, muitas vezes inúteis, parece vender bem. Tanto é assim que a fabricante dos aparelhos vale 2 trilhões de dólares, segundo a BBC.
O ciclo de impulsionamento forçado de novas versões, de hardware e de software, evidentemente, produz uma corrida pela inovação que tem aspectos positivos. Do outro lado da história, como já mencionado, há um forte trabalho de propaganda para fazer com que o cliente compre algo que, de fato, não precisa. Ocorre que o único controle possível do mercado, nesse caso, é o próprio mercado, motivo pelo qual fico na torcida para que os consumidores tenham mais consciência em suas compras e para que a Reinner, ou empresas com a mesma filosofia, decidam fabricar celulares.
*Jeovani Salomão é empresário do setor de TICs e ex-presidente do Sinfor e da Assespro Nacional.